Logo Exame.com
Bancos

Kawall lembra outras crises financeiras, mas não vê problema sistêmico

EXAME IN conversou com o ex-Secretário do Tesouro para entender os problemas do banco suíço e o que vem pela frente

Carlos Kawall: "não há crise bancária, porque não há problema maior de crédito" (Oriz Partners/Divulgação)
Carlos Kawall: "não há crise bancária, porque não há problema maior de crédito" (Oriz Partners/Divulgação)
Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Publicado em 21 de março de 2023 às 14:48.

Última atualização em 22 de março de 2023 às 11:18.

A aquisição do Credit Suisse pelo UBS foi o assunto do último domingo. Reuniu, de antemão, uma conjunção de fatores difícil de ser batida: uma compra feita em tempo recorde, por 60% do valor de mercado do banco, que deu fim a uma instituição de 167 anos de vida. Pontos mais do que suficientes para atrair os olhos de todo o mundo. Mas, não bastasse isso, um domingo antes Em cima de tudo isso, a crise do banco suíço veio pouquíssimo tempo depois do fim dramático de outra instituição financeira conhecida globalmente, o Silicon Valley Bank, e de problemas com o First Republic Bank. A proximidade dos eventos redobrou os holofotes – e levantou uma série de dúvidas. Afinal, há uma crise bancária internacional? É tudo parte de um mesmo problema? Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro no Brasil, em 2006, e sócio-fundador da Oriz Partners, acha que não, para tudo. Nem crise financeira global, nem americana, nem relação entre Credit Suisse e os problemas nos Estados Unidos. 

O que há de comum é que as crises financeiras costumam aparecer sempre que o cenário macroeconômico sofre alguma mudança importante. Não que a questão macro gere a crise, mas a adaptação à nova realidade em geral expõe os mais frágeis, aqueles com problemas de qualidade de gestão ou com falhas de governança. Para completar, essas mudanças de rota sempre trazem um aumento da aversão ao risco, ou seja, por um tempo, o dinheiro disponível no mundo parece sumir. Vai para portos-seguros até que os investidores entendam a nova ordem. Nesse momento de ânimos aflorados, qualquer crise de confiança se torna ainda mais grave: além do alto fluxo de resgates, bancos, na era em que se faz tudo digitalmente, têm pouco poder de fogo para conter os saques. Saem de cena as filas na porta das agências para, com poucos cliques, o dinheiro evaporar das instituições financeiras.

Apenas por curiosidade, vale lembrar que o setor financeiro foi o primeiro a se globalizar no mundo, ainda entres as décadas de 70 e 80, e a criar um comitê internacional que cuidasse dos parâmetros de segurança: O Comitê de Supervisão Bancária de Basileia. É de lá, na Suíça, que saem os padrões mínimos de solvência que os bancos mundo afora devem cuidar. E de onde veio essa ideia? Justamente das preocupações com as instabilidades no mercado financeiro global após o fim do Sistema Monetário Internacional, que era baseado no sistema de taxas fixas de câmbio. A partir desse momento, os empréstimos interbancários internacionais se multiplicaram, tornando os bancos uma grande teia conectada.

Para lembrar de algumas crises, vale começar com a brasileira, em meados da década de 90. Após a criação do Plano Real, os bancos que dependiam em excesso dos ganhos com o float inflacionário se perderam. Foram-se nomes como Nacional, Econômico, Bamerindus, para lembrar de alguns. Veio o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER) e um monte de críticas. Ou seja, quem não estava com a casa em dia em diversificação, aproveitando-se apenas da especulação inflacionária, se perdeu. Em 2008, na maior de todas as crises, quando se percebeu como o excesso de liquidez no mundo havia prejudicado a governança na concessão de crédito, a bolha explodiu.

Agora, aponta-se como fato relevante a virada na política monetária internacional. O mundo – leia-se aqui Estados Unidos e Europa – saiu de mais de uma década de modelo expansionista, com taxa de juro real negativa em importantes economias, para um contexto de dinheiro restrito e caro, ou seja, juro alto. Resultado, o dinheiro 'aplicado' dos bancos perdeu valor e o custo para dinheiro novo aumentou. Bancos, em especial os novos, que estavam com o cobertor mais curto por uma liberdade regulatória, sequer tiveram tempo de ajustar a casa.

Leia, a seguir, os principais pontos da entrevista:

Depois das notícias da última semana, fica a dúvida: há algum algum paralelo entre o fim do Credit Suisse e o do Silicon Valley Bank?

Kawall: Acho que não. São casos isolados, enfrentados pelo regulador americano e suíço. Nos Estados Unidos, apareceu um banco com um modelo de negócio muito particular, que em determinado momento achou que precisava aumentar seu nível de capital. Isso trouxe inquietação no mundo de startups e tecnologia, houve recomendação de alguns desses gestores do segmento que tirassem recursos do banco, o que acabou gerando o efeito que nós vimos. Existe, sim, uma preocupação lá com bancos de médio porte, que estariam perdendo recursos, mas não é um evento sistêmico. Muita gente está tirando dinheiro de bancos médios e colocando nos grandes. Isso é bom? Não, porque os bancos médios têm um papel importante no setor de crédito, é um sistema bastante pulverizado, bem diferente do que é na Europa e no Brasil, por exemplo. Mas não é uma crise bancária mais ampla e, a meu ver, também tem pouco a ver com o processo de elevação de taxas de juro, porque por si não está gerando problema de crédito. 

Ainda que os problemas sejam diferentes, depois do debate "grande demais para quebrar", as notícias das últimas semanas parecem dizer que se "se for banco, não pode quebrar". A saída sempre vai acabar sendo como nós vimos nesses casos?

Kawall: É uma boa pergunta e nunca vai haver uma resposta que satisfaça todo mundo. Por exemplo: nos Estados Unidos, o SVB quebrou, é verdade que eles garantiram os depósitos de empresas que tinham dinheiro lá e, se elas perdessem recursos, isso teria efeitos negativos. No caso do Credit Suisse, os reguladores refletiram na venda uma perda muito grande para os acionistas, para os detentores de títulos. Acho que é um princípio correto, de não punir quem depositou dinheiro lá. Punir os clientes, fazendo com que perdessem tudo, foi o que causou a Grande Depressão nos anos 1930. O ‘too big to fail’, então, tem que ser lido como: “quem está ganhando no final com isso?”. Nessa troca, nessa aquisição, o objetivo é evitar que a quebra do banco impacte na atividade econômica, para evitar esse efeito sistêmico. 

Então é tudo em nome do cliente? 

Kawall: É uma grande discussão, sem dúvida, especialmente quando você tem que colocar dinheiro público, algo que tentou se evitar aqui. Mas sempre vai ser polêmico. Deixou o banco quebrar? Não deveria ter deixado. Salvou? Não deveria ter salvado. Nos Estados Unidos, quando o governo conseguiu organizar a compra do Bear Sterns pelo JP Morgan, teve que fazer algumas mudanças de legislação, usou alguns poderes, foi super criticado. Aí veio o Lehmann Brothers, maior quebra bancária e maior quebra de empresas. Teve um efeito devastador na economia. Até hoje,  muitos falam que foi um erro do FED, não deveria ter deixado quebrar… Enfim, não existe uma resposta fácil.

A regulação tem que mudar para evitar casos como esse daqui pra frente?

Kawall: Certamente, isso vai ser objeto de muita discussão nos Estados Unidos. Há quem atribua a quebra do SVB a uma mudança de legislação feita em 2018 que abrandou a exigência de capital para bancos de médio porte. Eu não estudei o caso no detalhe, se realmente isso é o que causou os problemas lá, mas é uma discussão que certamente virá. Outro ponto importante é que a crise chamou atenção para o fato de o seguro de depósito  nos Estados Unidos [o equivalente à garantia dada pelo Fundo Garantidor de Crédito no Brasil] ser um seguro de cobertura baixa. Então, talvez ter a possibilidade de ter seguros de maior valor ou alguma outra maneira de garantir esses depósitos se faça necessária. Até porque na hora que o bicho pegou, aquele esquema tradicional se mostrou insuficiente e teve que ser remendado às pressas. Acho que é bem possível que a gente tenha novidades ao longo do tempo.

Muito se fala sobre o aumento dos juros americanos como um gatilho para essa crise. Há alguma relação?

Kawall: Na Europa, durante todo aquele período em que teve um juro muito baixo e inclusive negativo, isso afetou muito a rentabilidade dos bancos, porque restringia o acesso a recursos para aplicar a taxas de juros positivas. Mas veja que não há nenhuma ligação direta entre processo de alta de juros na Europa e o que ocorreu com o Credit Suisse. Não é uma questão macroeconômica. Vamos pegar um paralelo no Brasil: o caso Americanas. Foi um problema criado pela política macroeconômica? Bom, vamos pensar. Houve uma quebradeira generalizada no varejo brasileiro? Houve problemas de crédito de forma generalizada? Não. Os economistas, frente a isso que aconteceu no caso Americanas, fizeram uma mudança substancial nas projeções de crescimento? Não. Então, o que parece é que foi um problema de má gestão. Não quer dizer que o problema é o juro. E claro, se você já tem um endividamento excessivo, e o juro é elevado, a probabilidade de você ter problema é grande. Não quer dizer que seu problema foi o juro elevado, mas você não se atentou aos riscos que isso pode trazer. Eu acho que hoje, quando se fala em crise de crédito, há um certo exagero nisso. Existe sim uma tendência de o crédito ficar mais caro quando o juro sobe, é diferente de ter uma crise de crédito.

O Brasil teve uma crise bancária, na década de 90, após a criação do Plano Real. Quais são as diferenças entre a corrida bancária atual e a daquela época aqui?

Kawall: O nosso sistema bancário é muito diferente do que era na época da crise, uma diferença que aumenta se estamos comparando o Brasil com a Suíça ou com os Estados Unidos. O que aconteceu lá atrás tinha essencialmente a ver com a hipertrofia do sistema bancário brasileiro, que vinha do ganho inflacionário. Quando a inflação reduziu, toda a situação mudou. Hoje, a gente tem no Brasil um sistema financeiro bastante sólido, muito bem regulado. Tivemos alguns problemas com bancos de pequeno porte que ficaram pelo caminho, mas não tivemos nenhuma crise bancária relevante. 

No mundo, a crise grande mesmo veio em 2008.

Kawall: Exato. No mundo desenvolvido, o grande choque foi entre 2007 e 2008, em que havia ali uma bolha imobiliária sustentada por crédito. O que aconteceu com o Credit Suisse, agora, foi o primeiro problema que ocorreu desde lá de 2008 com uma instituição sistemicamente importante. Os problemas eram conhecidos, mas, na semana passada, o banco teve uma piora muito grande na situação de liquidez. O Swiss National Bank anunciou o apoio ao banco e ao longo do fim de semana se estruturou uma ação emergencial pelo UBS. Então, a meu ver, se isso não tivesse acontecido, no limite teria que fazer alguma estatização do banco, por causa dos impactos que ele viria a ter. O que a gente pode depreender do que aconteceu lá? Parece muito mais um caso isolado, de governança, do que um problema sistêmico. 

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade

Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.

Continua após a publicidade
Ponto de inflexão? Nubank desacelera no Brasil e ações caem 11%

Ponto de inflexão? Nubank desacelera no Brasil e ações caem 11%

BTG tem novo tri recorde, com wealth e crédito como destaques; ROE vai a 23,5%

BTG tem novo tri recorde, com wealth e crédito como destaques; ROE vai a 23,5%