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"Vai demorar para termos um novo brasileiro na F-1", diz Felipe Massa

Piloto Felipe Massa concede entrevista exclusiva a EXAME VIP e fala sobre por que não temos um representante brasileiro na F-1 pela primeira vez em 48 anos

Felipe Massa. (Germano Lüders/Exame)

Felipe Massa. (Germano Lüders/Exame)

Anderson Figo

Anderson Figo

Publicado em 21 de outubro de 2018 às 07h00.

Última atualização em 21 de outubro de 2018 às 07h00.

São Paulo — “Espero que o interesse e a paixão do brasileiro pela Fórmula 1 não diminua agora que não temos um representante do país correndo no campeonato pela primeira vez em 48 anos”, disse o ex-piloto Felipe Massa a EXAME VIP.

Em uma entrevista exclusiva durante sua passagem por São Paulo na semana passada, antes de partir para Valência, onde participou pela primeira vez dos testes coletivos da Fórmula E, sua nova empreitada, o brasileiro falou sobre carreira e criticou a falta de apoio às categorias de base do esporte no país.

Massa também comentou sobre a importância de estimular as mulheres a participar da F-1, na esteira do anúncio da nova “Série W” na Europa, sobre a mudança na segurança dos carros, a disparidade de eficiência das equipes e sobre o que ele espera para o futuro do Brasil enquanto figura pública.

O piloto vai voltar ao país em novembro, quando acontece o GP do Brasil em Interlagos. Ele vai participar de uma ação promovida pela Heineken no Rio de Janeiro, onde vai pilotar um carro da Williams Racing pelas ruas de Botafogo, no dia 4. “É uma possibilidade de aproximar o esporte do público e trazer emoção para as pessoas.”

Confira abaixo a entrevista completa de Felipe Massa a EXAME VIP

Felipe Massa

Felipe Massa (Germano Lüders)

1) Vamos começar falando sobre o campeonato deste ano. Qual a sua avaliação sobre o desempenho dos pilotos e o que a gente pode esperar para Interlagos no mês que vem?

O campeonato deste ano está quase acabado. É só olhar a diferença de pontos do Hamilton para o Vettel agora. Até o meio do campeonato estava todo mundo empolgado com a disputa da Ferrari com a Mercedes, mas de lá para cá o Hamilton fez uma diferença incrível. Ele soube aproveitar todos os erros que a Ferrari teve com o Vettel. O Hamilton vem massacrando na segunda parte do ano. É bom para ele e para a equipe dele, mas não é o que as pessoas querem. As pessoas querem um campeonato mais disputado, ainda mais com a corrida no Brasil. Isso mostra que a F-1 ainda tem muito desafio pela frente para conseguir fazer com que mais equipes sejam mais competitivas, e para que não haja uma diferença grande entre uma equipe e outra. É o que a gente tem visto nos últimos anos na F-1.

2) Você se aposentou da F-1 em 2017. Você sente falta da rotina da F-1?

Não sinto falta da rotina do trabalho, até porque é muito trabalho. É corrida atrás de corrida. Mas eu sinto falta de competição, por isso eu tive a ideia de correr na Fórmula E, que eu vou começar a partir de dezembro. Já fiz alguns testes, estou fazendo alguns testes neste momento. Eu sinto falta da competição, não quer dizer que precisa ser na F-1 e, sim, fazer aquilo que eu amo, que é competir. Eu acredito que o campeonato da Fórmula E é o que mais cresce, tirando a F-1, no mundo. Estou muito empolgado.

3) Você correu a corrida do milhão da Stock Car em agosto, numa pista especial em Goiânia porque foi onde você começou a sua carreira depois da fase dos karts. O representa essa categoria para você?

Eu tive duas corridas na Stock Car. Uma em dupla e essa de Goiânia, em que eu não tive o resultado que eu gostaria. A Stock Car é um campeonato que eu sempre acompanhei. Quando eu corria de Fórmula Chevrolet, corria junto com a Stock Car, no mesmo fim de semana. A Stock Car hoje é o campeonato mais importante do Brasil. Hoje só não, há muito tempo. Tem muitos pilotos competitivos e importantes correndo, como o Rubinho e o Cacá Bueno. Eu tive a felicidade de correr essas duas corridas, quem sabe eu faça mais alguma no ano que vem. Fazer uma ou duas corridas, sim. Correr o campeonato, não. Estou focado na Fórmula E e acho que se eu correr a Fórmula E e mais outro campeonato, no final, vou acabar na mesma vida da Fórmula 1, correndo 21 corridas no ano. Eu prefiro focar naquilo que eu quero, que é a Fórmula E. Quero ter também um pouco mais de tempo em casa. Quem sabe fazer uma corrida ou outra em outras categorias, como a Stock Car.

4) Você ficou 16 anos na F-1, disputou 269 GPs, trabalhou em três escuderias (Sauber, Ferrari e Williams), venceu 11 corridas, fez 16 pole positions e foi vice-campeão mundial em 2008, com um ponto de diferença para o Lewis Hamilton. Quando você andava de kart lá no passado, você esperava que um dia pudesse chegar tão longe?

Não. Lógico que não. Sem dúvida. Eu esperava um dia chegar na Fórmula 1, agora correr 15 campeonatos, 16 anos na F-1, e vencer tantas corridas, incluindo duas corridas em casa, em Interlagos, que eu tive a chance de vencer, além de acabar um ano como vice-campeão mundial e outro ano em terceiro, jamais imaginei isso. Sem dúvida eu atingi muito mais do que eu imaginava. Faltou um campeonato por segundos, mas eu sou um cara super feliz e tenho o maior orgulho daquilo que eu consegui conquistar.

5) Houve algum arrependimento na sua carreira? Algo que você acha que deveria ter feito e não fez? Ou algo que você fez, mas que poderia não ter feito?

Sempre tem momentos em que você talvez não conseguiu fazer aquilo que imaginava ou o resultado foi diferente daquilo que você trabalhou ou erros aconteceram. Mas faz parte. Não é nada que eu mudaria ou trocaria, até porque, como eu disse, eu sou um cara que tem o maior orgulho daquilo que eu conquistei e, sem dúvida, aprendi muito com erros e problemas que vivi durante a minha carreira.

6) Quais são seus ídolos na F-1 e como é para você também ser considerado um ídolo de muitos fãs do automobilismo mundial?

Lógico que o Senna era é um ídolo, assim como o Schumacher, que é um ídolo que eu tive a chance de conhecer. Eu tive a chance de ser companheiro de equipe dele e de ter uma relação bem próxima a ele. Com certeza, esses são meus ídolos na F-1.

7) Eu queria que você contasse um pouco sobre o acidente que você sofreu em 2009 e que chocou todos os brasileiros. Você foi atingido na cabeça por uma mola que se desprendeu do carro do Barichello. O que passou pela sua cabeça na hora e quais as lições que você tirou desse acidente?

No momento do acidente eu não pensei em nada porque eu não lembro de nada. Isso, sem dúvida, é um lado positivo, porque eu não lembro do que aconteceu. Por outro lado, o acidente foi uma lição de vida. Eu poderia ter morrido ali, poderia ter ficado cego, poderia ter tido sequelas, que eu não tive por um milímetro aqui, outro ali. Então, eu acho que foi motivo de celebração. Tive uma recuperação difícil, mas que deu certo. O meu momento [na F-1] não tinha acabado. Tinha mais coisa a ser feito. Foi uma experiência de vida difícil. Eu dou muito mais valor à vida hoje, depois de ter passado por isso, do que antes.

8) Algumas pessoas dizem que você passou a ser mais cauteloso em suas abordagens nas pistas e até um pouco mais lento depois do acidente. Você concorda?

Eu poderia ter vencido corridas depois do acidente, quando eu voltei à F-1, mas não venci. Eu também não tinha o carro que eu tinha antes. Muitas pessoas só falam de resultados. Mas os resultados não dependiam somente de mim e, sim, do carro. Mesmo assim, eu consegui ser competitivo, eu consegui muitas coisas na minha segunda parte, depois do acidente. Para mim, eu não acredito que eu tenha sido cauteloso, mas talvez tenha faltado resultado. Eu tentei o meu máximo. Não foi por causa do acidente. Até porque tudo o que eu sou hoje não é muito diferente do que eu era antes, só dou mais valor à vida. É difícil dizer que isso influenciou meu comportamento nas pistas.

9) Houve algumas reclamações e algumas polêmicas sobre o halo de segurança que foi introduzido nos carros da F-1 neste ano. A verdade é que a segurança dos carros tem sido priorizada em detrimento da beleza até mesmo por causa dos acidentes que tivemos nos últimos anos. Qual a sua avaliação sobre isso?

A gente viu o acidente recente do Charles Leclerc em “Spa” [Spa-Francorchamps, Bélgica], onde passou um carro por cima dele e o carro pegou bem no halo e poderia ter pegado na cabeça dele. Isso mostra que o trabalho que tem sido feito em relação à segurança tem sido bem feito, independentemente das reclamações. Não é bonito, não. Mas, se o problema da beleza salvar vidas, sou totalmente a favor.

10) Este ano é o primeiro em 48 anos que não temos um brasileiro competindo na F-1. Por que isso? Por que a gente tem dificuldade de encontrar novos Sennas, novos Massas, novos Barichellos? Falta incentivo ao esporte?

Faz tempo que temos um problema sério nas categorias de base, na preparação dos pilotos para terem a possibilidade de chegar na Europa prontos. Eu tenho falado isso há muitos anos. Eu mesmo montei uma categoria de base que acabou não dando certo porque eu não tive ajuda ou apoio nenhum. Isso já vem sendo falado e se esperava que na hora que o piloto brasileiro que estivesse correndo lá [na F-1] parasse, no caso era eu, a chance de ter outro era difícil. Eu espero que isso possa acontecer. Espero que a gente possa ter um piloto para levar a nossa bandeira na F-1, até porque o automobilismo é muito bem visto no Brasil. Os brasileiros gostam muito de corrida e eu estou torcendo para que a gente tenha um novo piloto brasileiro na categoria.

11) Tem algum piloto brasileiro que você esteja acompanhando em outras categorias e que tem grande potencial para a F-1 no futuro? Quem?

Tem um cara que mostrou que tem um talento diferenciado, que saiu do kart no ano passado e fez o primeiro ano de carro neste ano, correndo na Fórmula 4, no campeonato francês. Ele “destruiu” no campeonato. Foi campeão faltando uma corrida para acabar a competição, de três corridas. É o Caio Collet. Campeão francês na F-4, aos 16 anos, primeiro ano dele no carro. Ele pode ser um futuro representante brasileiro na F-1. Tomara. Ainda tem um tempo pela frente. Mas ele já tem mostrado que o talento dele é diferenciado.

12) O que você achou da "Série W", nova série de corridas que acabou de ser anunciada, é voltada apenas para mulheres e será lançada em 2019? A última vez que uma mulher pilotou na F-1 como piloto principal, e não de testes, foi em 1976 [Lella Lombardi].

Eu achei sensacional. Fiquei muito feliz em ver a apresentação do campeonato. Espero que esse campeonato seja importante para a gente poder estimular as mulheres e para que quem sabe um dia a gente possa ter mulheres correndo na F-1. Eu tenho certeza que será um sucesso esse campeonato de mulheres. Estou torcendo muito aqui. Espero que a gente possa ter mulheres na F-1 em um futuro próximo.

13) Bom, vamos falar de futuro. Você assinou neste ano um contrato com a Venturi para correr a Fórmula E. Por que seu interesse nessa categoria e qual a sua expectativa em relação ao carro e a temporada?

A expectativa é grande. É um campeonato novo que eu vou correr e tenho muito para aprender. Não conheço nenhuma pista. É um carro completamente diferente. Não tem carga aerodinâmica, tem pneu de rua, o carro é a bateria e os circuitos são de rua. Eu estou super empolgado. Primeiro eu preciso entender como está minha equipe em comparação com as outras, isso é o mais importante. Segundo, vou tentar me adaptar o mais rápido possível para ter a chance de vencer corridas e disputar o campeonato, que é aquilo que eu mais quero. Tomara que seja possível alcançar isso no primeiro ano. Se não for possível, que seja nos próximos anos.

14) Além da Fórmula E, o que mais está nos planos do Massa para o futuro? Você se vê algum dia completamente fora do automobilismo?

Enquanto eu amar aquilo que eu faço, que é correr e disputar [corridas], não. O automobilismo sempre foi a minha vida, independentemente de estar ativamente correndo ou não. Gosto de acompanhar, gosto de usar minha imagem dentro do automobilismo, assim como participar de eventos de empresas que patrocinam o esporte, como este evento que vou participar da Heineken no mês do GP do Brasil este ano. Aliás, não vejo a hora de estar andando no carro e estar junto das pessoas. É legal aproximar as pessoas da F-1, fazer barulho e trazer emoção para elas. Será um fim de semana antes da corrida oficial em Interlagos. Vou pilotar um carro antigo da Williams Racing e acho até que o motor é o V8, que faz ainda mais barulho. As pessoas vão gostar. Não vejo a hora.

15) Assim como fez o Schumacher que se aposentou e depois voltou a competir antes do acidente trágico esquiando. Você também não descarta voltar para a F-1 um dia?

Não tem chance de eu voltar para a Fórmula 1. A chance é zero. Não volto correndo, mas participando de eventos ligados ao campeonato, sim, claro.

16) Bom, os brasileiros há décadas que são grandes fãs de automobilismo e especialmente da F-1. Você acha que essa paixão pelo esporte deu uma amenizada recentemente com a ausência de nomes brasileiros no campeonato? E como você acha que deve ser o futuro dessa paixão do brasileiro pelo esporte?

Espero que o interesse do brasileiro pela F-1 não caia. Espero que o brasileiro continue tendo paixão pelo automobilismo. Sem dúvida, o fato de não haver nenhum brasileiro no campeonato agora acaba abalando um pouco esse sentimento. O brasileiro sempre precisou de um ídolo levantando a nossa bandeira, espero que isso continue.

17) Uma última pergunta é mais pessoal. Você mora em Mônaco e, pela sua carreira, você passa muito tempo no exterior, mas com certeza tem acompanhado os desdobramentos da crise no Brasil e o caos político que o país passa neste momento. Qual a sua avaliação sobre isso? O que você espera do cenário político brasileiro daqui para frente enquanto figura pública?

O que eu espero para o Brasil não é diferente do que todo brasileiro espera. Mudanças. No momento de crise, no momento complicado pelo qual os brasileiros vêm passando, as mudanças são importantes. É importante que o nosso futuro presidente traga as mudanças que a gente precisa. Ideias que possam fazer o Brasil voltar a ser um país bem reconhecido, interessante, menos violento e com melhores condições para o seu povo, seja no lado da saúde ou da educação, por exemplo. É o que eu espero para o país que eu tanto amo. Mudanças. É um momento muito importante para termos uma mentalidade diferente daquela que a gente vem tendo há muito tempo, que tem levado o Brasil cada vez mais para baixo. Eu quero ver o Brasil para cima, com mudanças e com uma melhor educação, segurança e tantas outras coisas que o brasileiro realmente merece.

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