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Grazi Mendes, professora da FDC: "É importante estabelecer novas “regras” com políticas concretas de redistribuição de poder" (Thiago Bruno/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 20 de novembro de 2024 às 16h00.
Última atualização em 20 de novembro de 2024 às 17h01.
O impacto da invisibilização das pessoas negras vai muito além de barreiras no mercado de trabalho. No Brasil, onde pretos e pardos representam 54% da população, segundo o IBGE, essa maioria enfrenta desigualdades históricas em praticamente todas as esferas.
Enquanto a taxa de analfabetismo entre pessoas brancas acima de 60 anos é de 8,6%, entre os negros, o índice sobe para 22,7%. Essas desigualdades também se refletem nos espaços de liderança. Embora mulheres negras representem 54% dos trainees, apenas 1,8% ocupam cadeiras nos conselhos de administração, conforme aponta o Instituto Ethos.
Esses números evidenciam a dificuldade de romper com a estrutura de branquitude que rege a economia brasileira, onde a perspectiva branca é vista como universal, punindo vivências negras e limitando o acesso às oportunidades.
Para Grazi Mendes, professora da Fundação Dom Cabral e executiva de diversidade, equidade e inclusão na ThoughtWorks, transformar esse cenário exige muito mais do que ações pontuais. É necessário repensar profundamente as práticas de contratação, promoção e até mesmo a cultura corporativa, que frequentemente exclui a população negra de decisões estratégicas e narrativas de sucesso.
A EXAME conversou com Grazi Mendes sobre como desconstruir o pacto da branquitude e promover mudanças reais para combater o racismo estrutural. Confira a seguir:
Como funciona a branquitude?
Para transformar uma estrutura corporativa, é essencial entender o que é branquitude e como ela opera no ambiente de trabalho. A branquitude não se refere a preconceito contra pessoas brancas, mas ao conjunto de normas, valores e práticas que, historicamente, colocaram a experiência e perspectiva branca como universal e neutra — o "normal". Em outras palavras, a branquitude é uma estrutura que favorece um grupo específico de pessoas brancas, muitas vezes de forma inconsciente, enquanto invisibiliza ou subvaloriza outros.
No ambiente corporativo, a branquitude se manifesta na forma de práticas de contratação, de promoção e de políticas que reforçam uma visão única de sucesso e competência. Dados do Instituto GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), por exemplo, mostram que apenas 4,7% dos cargos executivos nas empresas brasileiras são ocupados por pessoas negras, embora elas representem mais da metade da população do país.
Para ilustrar, uma prática comum é a utilização de perfis “ideais” de candidatos para cargos de liderança, onde características subjetivas e enviesadas, como "fit cultural", tendem a reforçar a contratação de pessoas semelhantes às que já ocupam esses espaços — geralmente brancas. Além disso, muitas vezes a definição de "liderança" se alinha a comportamentos e posturas que não consideram diversidades culturais.
Como quebrar essa estrutura?
Pequenas práticas podem iniciar o processo de mudança, mas somente grandes revisões nas políticas e nos processos internos possibilitam uma redistribuição justa de poder e oportunidades. Esse processo envolve revisar detalhadamente práticas como critérios de promoção, criação de políticas claras de accountability e, especialmente, a inclusão de metas objetivas para representatividade racial.
Por exemplo, um estudo do Instituto Ethos apontou que, nas maiores empresas brasileiras, apenas 6,3% dos cargos de supervisão e 4,7% dos de gerência são ocupados por pessoas negras, evidenciando um funil de carreira. Isso reflete a necessidade de transformar processos de avaliação de desempenho para que esses números aumentem, garantindo que pessoas negras sejam incluídas em programas de desenvolvimento de liderança e sucessão.
Como evitar as microagressões e violências raciais e seu impacto nos profissionais?
É importante estabelecer novas “regras” com políticas concretas de redistribuição de poder. Mas é igualmente essencial investir em educação e conscientização contínua. Não se trata apenas de modificar práticas para que elas levem a uma transformação de mentalidades; é necessário reeducar lideranças para que práticas inclusivas sejam implementadas de maneira natural e genuína.
Em vez de encarar a branquitude como uma crítica ou ataque a pessoas brancas, é importante entendê-la como uma estrutura que, mesmo de forma implícita, favorece um grupo em detrimento de outros. Ao desafiar essa estrutura, empresas criam um ambiente mais justo e inclusivo, onde o talento e a competência tornam-se os critérios principais de valorização e promoção.
Como o setor corporativo deve agir para promover uma cultura de equidade racial?
O impacto da branquitude se dissolve à medida que empresas educam suas lideranças e colaboradores sobre a importância de outras perspectivas. Reeducar mentes — e isso inclui lideranças brancas — é crucial para que o combate ao racismo estrutural se torne um valor, e não apenas uma tendência temporária. Práticas de diversidade devem vir acompanhadas de um processo de conscientização contínua, para que o combate ao racismo estrutural seja entendido como uma questão estratégica e ética.
Um exemplo de prática efetiva é a criação de grupos de afinidade, que permitem que vozes negras e de outros grupos sub-representados nas empresas sejam ouvidas diretamente nas decisões estratégicas. A adoção de comitês de diversidade com poder de influência real e a criação de canais para denúncias de discriminação racial também são fundamentais.