Economia

Plano Real, 30 anos: Gustavo Loyola e as reformas necessárias para o Brasil crescer

Para o economista e ex-presidente do Banco Central, uma série de reformas permitiu que a nova moeda funcionasse — e serviram de base para a economia brasileira atual. Mas ainda há muito o que fazer

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 23 de julho de 2024 às 16h49.

Última atualização em 23 de julho de 2024 às 17h01.

yt thumbnail

O economista Gustavo Loyola fala com propriedade sobre os bastidores da criação do Plano Real e da realidade econômica brasileira dos anos 80 e início dos anos 90. Loyola foi presidente do Banco Central por duas ocasiões, por alguns meses entre 1992 e 1993, durante o governo do ex-presidente Itamar Franco, e de 1995 a 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Ele testemunhou uma miríade de planos econômicos que falharam em debelar a hiperinflação e garantir a estabilidade monetária. Viu o nascimento, e conduziu, a implementação do real — de uma perspectiva de quem já estava no serviço público. E aponta que o plano funcionou porque foi antecedido por uma série de reformas estruturais — que seguem necessárias para a economia do país hoje.

Em sua avaliação, o plano aprendeu com as experiências fracassadas do passado e teve algumas vantagens, entre elas a articulação política dos governos que o implementaram e um processo claro de comunicação aos brasileiros, o que permitiu que ninguém fosse pego de surpresa sobre as mudanças na moeda.

"O legado do Real é justamente a moeda estável. O fato de o país ter uma moeda estável permite planejar o futuro, seja no âmbito das famílias, seja no âmbito das empresas. Estamos falando de uma moeda que chegou em 1994, há 30 anos. Qual foi o período histórico que o Brasil teve moeda estável durante 30 anos? Talvez na República Velha, talvez no Império, mas desde 1930 para cá, o Brasil não teve", diz.

"A estabilidade da moeda permite planejar o futuro. Hoje você tem um horizonte. Em uma situação de instabilidade monetária, você não tem. Esse é o grande legado do Plano Real, a moeda estável. O Brasil precisa preservar essas conquistas. As reformas são necessárias para garantir que o país continue em um caminho de crescimento sustentável. O futuro do Brasil depende da manutenção da estabilidade monetária e de reformas estruturais que garantam a eficiência do gasto público e um ambiente favorável ao investimento privado."

Reformas

Plano Real tinha entre outras coisas a característica de ser bem comunicado. A comunicação com a sociedade foi muito bem feita. Houve uma explicitação de que não haveria congelamento de ativos, o que evitou uma corrida aos bancos. Além disso, o plano foi introduzido com o mínimo de intervenção sobre contratos privados, o que minimizou a turbulência nas relações econômicas

"O Real não teria tido sucesso se uma série de outras reformas não tivessem sido introduzidas anteriormente. A constituição institucional de um país se dá por etapas, não surge do nada", diz.

Em 1994, o Brasil em em 1994 tinha uma economia muito mais aberta do que no final dos anos 80, quando aconteceram os demais planos, sobretudo por causa das reformas feitas no governo de Fernando Collor (1990 a 1992). "Uma característica desses planos econômicos é que quando a inflação cai, há aumento abrupto da demanda, porque as pessoas têm o poder aquisitivo aumentado. Aí, você tem um problema de como ter a oferta. Se não houver, a inflação volta porque há um excesso de demanda", diz. "Com a economia fechada, você não tinha como aumentar a oferta."

Para Loyola, outro aspecto também foi a experiência negativa dos planos anteriores. "Várias lições foram aprendidas, e isso ajudou bastante", diz. "Do ponto de vista político, com o impeachment do Collor e a presidência do do Itamar acabou se conseguindo se formar uma certa base de apoio no Congresso que ajudou a fazer algumas algumas mudanças importantes pré-Plano Real, principalmente na parte fiscal."

"Muitas reformas foram introduzidas ao longo do tempo. Se tivéssemos feito essas reformas antes, estaríamos em uma situação fiscal muito melhor hoje. A classe política brasileira ainda não entendeu que os recursos públicos são limitados. A sociedade se acostumou a ter vantagens em termos de regimes fiscais favorecidos ou recursos estatais para certas atividades. Há muitos que acreditam que o segredo do crescimento é o gasto público, mas isso é um equívoco. O segredo está na eficiência do gasto público, na qualidade do gasto público, e na criação de um ambiente favorável ao investimento privado."

Descontrole e planos fracassados

Segundo Loyola, a crise hiperinflacionária brasileira teve origem nos choques externos de petróleo e na incapacidade do Brasil de controlar a inflação, que se tornou inercial por causa da indexação dos salários e outros benefícios — o que criou uma bola de neve para o aumento dos preços. Ele explicou como crises internacionais, como a crise da dívida de 1982, afetaram o Brasil, que tinha uma posição internacional frágil. O descontrole monetário e fiscal, assim como os estados e bancos públicos descontrolados, contribuíram para a instabilidade.

"Também tínhamos o problema da dívida interna indexada em moeda estrangeira. Tínhamos as finanças dos estados totalmente descontroladas, bancos públicos estaduais, e todos eles praticamente sendo outros bancos centrais porque acabavam sacando a descoberto nas reservas bancárias. Havia um processo de descontrole monetário muito forte, descontrole fiscal", diz. "E tudo isso, evidentemente, foi um período de muita crise."

Basicamente, o Brasil viveu de crise para crise, um período que é conhecido como a década perdida, mas talvez seja mais do que uma década.

Loyola detalhou os diversos planos econômicos fracassados, incluindo os planos Cruzado, em 1986, Bresser, em 1987, e Verão, em 1989, que causaram grande tensão e falharam em estabilizar a economia . "Em seguida tivemos o Plano Collor, que foi muito traumático porque houve o congelamento de ativos financeiros e realmente causou muitos contratempos para as famílias e para as empresas, que também não deu resultado. Depois teve o segundo plano, uma tentativa de correção, que também deu errado", afirma. "E finalmente o Plano Real, que na realidade começou um ano antes com o lançamento da Unidade Real de Valor (URV), mas que trouxe em 1994 finalmente a estabilidade monetária que o Brasil havia perdido há muitos anos."

LEIA MAIS: Plano Real, 30 anos: "URV, POR QUE ESSE PLANO É MELHOR QUE TODOS OS ANTERIORES?"

Uma característica importante do descontrole monetário e da hiperinflação, lembra Loyola, era como ela atingia de forma diferente a população. "A inflação atingiu os brasileiros de maneira muito desigual. Havia um grupo de brasileiros privilegiados pela condição econômica que conseguiam se defender da inflação, porque havia, por exemplo, ativos financeiros indexados que geravam rendas maiores do que a inflação, como o overnight, e aqueles que conseguiam reajustar os seus salários, os seus rendimentos de acordo com a inflação", diz. "Eu, como funcionário público na época, me senti até privilegiado nessa situação porque você tinha mecanismos para se defender da inflação."

Ao receber o salário, você gastava imediatamente, evidentemente para evitar o alto dos preços. Isso inclusive teve repercussões sobre a própria arquitetura, naquela época se construíam apartamentos que tinham dependências maiores para você armazenar gêneros e tal, as dispensas, os grandes supermercados. Você fazia compras por atacado no início do mês. Era um processo bastante difícil para dizer o mínimo, e a defesa contra a inflação era se livrar da moeda.

Plano Real, 30 anos — série documental

yt thumbnail

Loyola foi entrevistado para a série documental "Plano Real, 30 anos", um projeto audiovisual da EXAME que ouviu alguns dos principais economistas, executivos e banqueiros do Brasil.

Entre os entrevistados estão:

  • Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e fundador e chairman da Gávea Investimentos
  • Carlos Vieira, presidente da Caixa
  • Carolina Barros, diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do Banco Central
  • Edmar Bacha, economista e sócio-fundador e diretor da Casa das Garças
  • Elena Landau, ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-presidente do Conselho de Administração da Eletrobras
  • Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo
  • Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria
  • Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e conselheiro do Banco Master
  • Jorge Gerdau, empresário e presidente do Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo (MBC)
  • Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco
  • Marcelo Noronha, CEO do Bradesco
  • Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda
  • Pedro Parente, ex-ministro da Casa Civil e sócio da eB Capital
  • Persio Arida, ex-presidente do Banco Central e do BNDES
  • Orly Machado, fundador e presidente da C&M Software
  • Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
  • Roberto Sallouti, CEO do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME)

Assista às entrevistas já publicadas:

Assista à série da EXAME sobre os 30 anos do Plano Real

yt thumbnail
Acompanhe tudo sobre:Plano Real 30 anosMoedasPolítica monetária

Mais de Economia

AGU pede revisão de parte da decisão de Dino que liberou emendas

Câmara adia votação do pacote de corte de gastos após impasse com STF por emendas

Reforma tributária: após reunião com Haddad, Braga diz que trabalha para fechar relatório até amanhã

Ceron: idade mínima para reserva de militares está em “revisão” e isenção do IR fica para 2025