Economia

Sem retomada: PIB mostra que Brasil segue preso ao baixo crescimento

A adesão da população à vacinação e a reabertura das atividades não foram capazes de salvar o Brasil da estagnação na economia. Números fracos do PIB mostram que problemas são muito mais profundos

Consumidora em feira no Rio de Janeiro: inflação e desemprego pioram cenário econômico, mesmo com vacinação em alta (Ricardo Moraes/Reuters)

Consumidora em feira no Rio de Janeiro: inflação e desemprego pioram cenário econômico, mesmo com vacinação em alta (Ricardo Moraes/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 2 de dezembro de 2021 às 12h24.

Última atualização em 2 de dezembro de 2021 às 13h26.

O Brasil está oficialmente em recessão técnica, segundo os números do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre divulgados nesta quinta-feira, 2. A queda de 0,1% na economia entre julho e setembro confirmou o cenário, que acontece, pela teoria econômica, quando há recuo no PIB em dois trimestres consecutivos.

Na prática, no entanto, os problemas que ficaram escancarados nos números baixos do PIB já estavam aí há muitos meses, da inflação ao desemprego alto e falta de confiança para investimentos.

"O conceito de recessão técnica decorre de uma convenção estatística, mas seu significado econômico é muito relevante: a recuperação em 2021 de fato perde muito da sua força", diz o economista André Biancarelli, diretor do Instituto de Economia da Unicamp.

"Os números fechados do ano - que serão expressivos, muito provavelmente acima de 4% - decorrerão em essência da baixíssima base de comparação de 2020."

Embora haja uma deterioração global das expectativas, com inflação subindo em países desenvolvidos e choques de oferta, o Brasil tem tido alguns dos piores resultados econômicos do mundo.

Em análise da Austin Rating, o PIB brasileiro no terceiro trimestre ficou somente em 26º em uma lista de 33 países. Países vizinhos como Chile, Colômbia e Peru cresceram mais de 3% ou até 5% (veja o ranking).

Neste trimestre, pesaram na queda do PIB brasileiro as exportações e contribuição negativa do agro, diz André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos.

Para o quarto e último trimestre do ano, entre outubro e dezembro, há sinais negativos vindos da alta de juros e do comércio ainda em atividade abaixo das expectativas, apesar da reabertura econômica sustentada pela vacinação.

Não é novo que o Brasil tem crescido menos do que outros países. No ano passado, este cenário já ocorreu, lembra Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados - ainda que o IBGE tenha revisado, também hoje, a queda do PIB de 2020 de 4,1% para 3,9%. 

"Para 2022, será ainda pior, com o mundo crescendo 4,5% e o Brasil, zero ou 1%", diz Vale. A projeção da MB até agora é de crescimento zero do PIB no ano que vem.

A OCDE, clube dos países ricos, escreveu em relatório que teme uma recuperação pós-covid "desigual" no mundo, o que pode atrapalhar a competitividade futura entre os países e intensificar a pobreza.

No caso do Brasil, um agravante é o fato de o país ter entrado na pandemia vindo da crise de 2015 e 2016. Mas os riscos políticos e as eleições em 2022 também atrapalham. "Temos um governo em que a dificuldade deixou de ser só econômica. O governo abdicou de fazer política econômica porque há um cenário eleitoral no ano que vem", diz o economista da MB.

Desemprego e inflação freiam retomada

Nem a boa adesão dos brasileiros à vacinação foi capaz de salvar sozinha a economia. Após o atraso devido à falta de doses, o Brasil passou a ter algumas das melhores taxas de imunizados no mundo exatamente a partir do terceiro trimestre - o que tem garantido uma reabertura constante das atividades pela primeira vez em quase dois anos.

Mas com a renda dos brasileiros em queda e inflação, a recuperação em setores como serviços e indústria segue lenta.

"A redução da produção de soja impactou bastante o PIB neste trimestre. Mas não é só isso: os serviços estão andando muito devagar, deveriam estar acelerando, e isso é muito um resultado de o desemprego ainda estar muito alto", diz Juliana Inhasz, coordenadora do curso de graduação em Economia no Insper. 

O IPCA, principal índice inflacionário, chegou aos dois dígitos em setembro e outubro e teve algumas de suas piores variações mensais desde o Plano Real.

Fatores como a alta do dólar desde o ano passado, o preço dos combustíveis no mercado internacional e a crise hídrica que afeta a energia elétrica estão entre os que mais impactam a inflação.

Ao mesmo tempo, o desemprego segue perto dos 14%, com quedas muito lentas. Como a EXAME mostrou, a expectativa dos economistas é que o desemprego não volte a ficar abaixo de 10% antes de 2023 ou 2024. Outro ranking da Austin Rating mostrou que, apesar de alguma recuperação, o Brasil teve o quarto pior desemprego do mundo no trimestre até agosto.

Biancarelli, da Unicamp, aponta o que classifica como um "cenário nada convidativo" para decisões de investimento no país, com demanda patinando e "instabilidade em várias dimensões". O cenário prejudica a confiança de consumidores e empresas.

"Estruturalmente, isso [o resultado do PIB] é mais um sinal de uma economia sem tração, sem motor de crescimento já há vários anos, que para ter algum dinamismo depende de fontes externas, impulsos pontuais ou de efeitos estatísticos", diz.

Na frente fiscal, há um debate em todo o mundo sobre o quanto os países devem gastar. Países no mundo desenvolvido têm aportado bilhões de dólares em estímulos, e organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional avaliaram em relatórios que o auxílio emergencial distribuído pelo Brasil em 2020, por exemplo, foi também um mecanismo importante para a economia.

Mas o anúncio recente de projetos como o Auxílio Brasil e fim do Bolsa Família, com comunicação atrapalhada, imbróglios no governo e riscos políticos e fiscais, não têm ajudado na frente de estímulos à confiança. "Não só não estamos caminhando para um processo mais acelerado de reformas, como essa aceleração da política fiscal, em vez de trazer estímulos, tem trazido resultados negativos", diz Vale.

Selic nas alturas

Para 2022, as projeções até agora são de PIB em baixa, mas inflação menor por fatores conjunturais e, sobretudo, aumento da taxa de juros.

A última projeção no boletim Focus é de inflação em 5% em 2022, pior do que nas previsões anteriores para o período, mas ainda assim, metade da atual.

A explicação para tamanha queda está em fatores como a melhora na crise hídrica com as chuvas das últimas semanas, o que pode atenuar os preços da energia, e a projeção de que os preços dos combustíveis não tenham novas altas bruscas como neste ano.

O câmbio, após altas fortes neste ano e em 2020 frente ao real, deve seguir abaixo de 6 reais ou 5,50 reais no ano que vem, com muitos dos riscos já precificados.

Também há expectativa de uma boa safra no agro para 2022, o que ajuda tanto no PIB (o agro responde por quase um terço do produto interno bruto brasileiro) como controle do câmbio com entrada de dólares, aumento da oferta de produtos e preço dos alimentos.

O Banco Central seguirá subindo as taxas de juros para controlar a inflação. Para 2022, a projeção no boletim Focus é de que a Selic chegue a 11,25%, ou até 12% em algumas casas de análise.

Mas embora deva ajudar no controle da inflação, a movimentação do BC também terá efeitos negativos no crescimento da economia, o que leva às projeções cada vez menores para o PIB em 2022.

Por alguns parâmetros, o Brasil já estava em recessão há muito mais tempo. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, havia divulgado parecer em 2020 apontando que o Brasil estava em recessão desde março de 2020, segundo parâmetros do National Bureau of Economic Research (NBER), usado no PIB dos EUA.

A última vez em que o Brasil esteve em recessão técnica foi no período da crise de 2015 e 2016.

No ano passado, houve picos de crescimento, como as altas acima de 7% (no terceiro trimestre) e 3% (no quarto), após a queda brusca no começo da pandemia, no segundo trimestre. Mas a trajetória não se manteve.

"A leitura preliminar dos dados confirma a hipótese de 'raiz quadrada' que venho argumentando há algum tempo; após uma recuperação forte a economia não encontra sustentação, anda de lado e até cai", disse em nota André Perfeito, da Necton.

Estatísticas à parte, os brasileiros já sentem no bolso e no dia-dia os resultados da deterioração econômica. E novos problemas no cenário internacional, como a chegada de novas variantes ou inflação global, poderiam atrapalhar ainda mais a já desafiadora economia brasileira.

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