Posto de combustível: altas de mais de 40% em 12 meses, puxadas pelo mercado internacional (Alexandre Battibugli/Exame)
Da Redação
Publicado em 13 de fevereiro de 2022 às 17h19.
Os combustíveis foram os campeões de preços do último ano. Só nos últimos 12 meses até janeiro, a alta dos combustíveis passou de 44% no IPCA. O aumento está muito acima da inflação no mesmo índice no período, de 10,38%. E o cenário tende a continuar difícil em 2022, diante de elevadas tensões geopolíticas, pressão na demanda com a reabertura econômica e flutuações do dólar.
O preço dos combustíveis no Brasil é puxado pelo mercado internacional, o que está além do controle de eventuais políticas locais. Mas o Congresso e governos têm discutido medidas para atenuar a alta que chega de fora, e o tema deve ser prioritário na agenda das próximas semanas.
Os principais projetos estão hoje no Senado, e o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) estuda se há apoio para pautar o tema já na terça-feira, 15 de fevereiro. Há projetos que tramitam desde o ano passado e vão de um fundo de estabilização a subsídios de curto prazo, via cortes de impostos.
Mais recentemente, na mesma linha, foram apresentadas ainda duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), uma na Câmara e outra no Senado, apelidadas de "PEC Kamikaze" devido ao alto custo fiscal. Entenda abaixo quais são as propostas para baratear os combustíveis e que impacto os projetos podem ter.
Uma das alternativas mais unânimes é o projeto de lei (PL) 1.472/2021, que criaria um fundo de estabilização para os combustíveis.
Grosso modo, fundos como esse ganham recursos quando o preço do petróleo está baixo no exterior, ao não transferir totalmente a diminuição à população; já quando o barril está caro lá fora, usa-se o valor acumulado nos tempos de bonança para não repassar totalmente os aumentos.
O modelo é usado, no geral, por outros países que têm moeda fraca e sofrem alta influência da flutuação do dólar, como os sul-americanos Colômbia, Peru e Chile, mas também é encontrado na europeia Noruega.
O PL 1.472 prevê, na composição do fundo de compensação, impostos sobre exportações de petróleo bruto e dividendos devidos pela Petrobras à União, acionista majoritário. O texto foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no ano passado.
Um desafio, no entanto, é que o fundo tende a não ter impactos imediatos. É uma discussão que o Brasil poderia ter tido anos atrás como um meio termo entre a política de paridade de preços da , dizem fontes do setor, mas que, no curto prazo, sozinho, grande barateamento dos combustíveis. Também há desavença sobre as fontes de recurso do fundo.
A medida não interfere na política de preços da Petrobras, que desde o governo Michel Temer em 2016 segue o valor do barril de petróleo no exterior (o chamado Preço de Paridade de Importação, ou PPI). O que o fundo faria é arcar com parte dos custos em momento de alta e ganhar em momento de baixa, mas com recursos estatais (por exemplo, os dividendos que cabem à União, acionista majoritária da Petrobras), mas não da empresa em si, pelo que se discute até agora.
Em meio à insuficiência do fundo de estabilização para trazer impactos imediatos, senadores discutem combinar a proposta com alguma isenção de impostos no curto prazo.
Uma das alternativas mais citadas se trata do projeto de lei complementar (o chamado PLP) 11/2020, que altera a fórmula de cobrança do ICMS (um imposto estadual).
Tanto o PLP quanto o PL do fundo de estabilização têm relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), que fez carreira na área de energia. Nesta segunda-feira, 14, está prevista reunião do senador com líderes do Senado para discutir os projetos e entender se há apoio para que sejam colocados em plenário.
O senador diz que a aprovação de um pacote de medidas discutidas pode levar a redução de 0,50 centavos no diesel e na gasolina nas bombas, além de 10 reais no botijão de gás de cozinha.
O projeto relativo ao ICMS é polêmico pois implicaria em perda de receita de estados, a depender do texto final, mas é visto como uma medida emergencial para reduzir os preços no curto prazo. O PLP foi aprovado na Câmara no ano passado e hoje está também no Senado.
Além da perda de receita direta dos estados, um desafio atual é que o ICMS tem valores diferentes a depender da unidade da federação, de modo que o preço dos combustíveis também varia ao redor do Brasil. Há estados que, por conta própria, vinham congelando temporariamente altas de ICMS nos combustíveis.
Esses pontos, então, precisam ser equacionados. A expectativa é que a proposta no PLP 11/2020 gere custos de R$ 100 bilhões aos cofres estaduais, o que gera resistência, incluindo entre a oposição.
Além dos projetos, há duas PECs apresentadas ao Congresso - divulgadas uma após a outra neste mês, em meio à disputa de protagonismo sobre a pauta entre Senado e Câmara.
Na Câmara, há uma PEC do deputado Christino Áureo (PP-RJ), articulada pela Casa Civil do senador Ciro Nogueira (PP) e com apoio de Arthur Lira, presidente da Câmara, ambos aliados do presidente Jair Bolsonaro.
Uma segunda foi levado ao Senado pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que teria o apoio de Rodrigo Pacheco. No fim, a PEC ganhou ainda assinatura do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO) e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Entre as propostas está autorizar estados, municípios e União a conceder isenções fiscais para os combustíveis (em uma série de tributos para além do ICMS), e sem compensar a arrecadação, o que poderia desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Estão incluídos ainda uma série de dispositivos como aumento do vale gás para famílias, auxílio-diesel diretamente para caminhoneiros e subsídios no transporte público para idosos.
Já a equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes têm chamado as propostas de "PEC Kamikaze" devido a seu custo fiscal. Nos últimos dias, surgiram notícias de que o Ministério tenta atrelar as isenções para combustíveis à redução de IPI para a indústria, assumindo que ambos seriam isenções vindas da mesma fonte.
Bolsonaro tem defendido isenções de tributos federais para os combustíveis. Nos bastidores, aponta-se que a medida seria uma tentativa do presidente de pressionar governadores em ano eleitoral, apontando que o governo em Brasília está fazendo "sua parte" na redução dos preços.
O desafio é que, apesar de um impacto de mais de 30 bilhões de reais nos cofres públicos, retirando recursos que poderiam ser usados para outros programas federais, o efeito prático no preço final não seria significativo sem outras ações conjuntas.
Além do ICMS, o preço da gasolina tem tributos federais como PIS/Pasep, Cofins e Cide. O ICMS responde por quase 30% do preço da gasolina comum, segundo a ANP; os tributos federais, por pouco mais de 15% (os valores variam a depender do estado); o restante é a cobrança nas refinarias, impactadas pelo preço no mercado internacional, e a margem de lucro.
Há críticas às PECs, primeiro, por sua abrangência, incluindo diversos dispositivos que podem gerar custo alto. E, segundo, pela controvérsia em inserir esses dispositivos diretamente na Constituição, o que pode ter custos não só emergenciais, mas de longo prazo.
Em declarações recentes, Pacheco têm dado sinais de que vai priorizar os projetos que já tramitavam, se aprovados, podem até mesmo excluir a necessidade de alterar a Constituição por meio de uma PEC.
“Se eventualmente nós conseguirmos materializar todas essas iniciativas em proposições infraconstitucionais, não haveria, em tese, a necessidade da PEC. Mas essa é uma avaliação que nós vamos fazer a partir do debate do PLP 11 e do outro projeto de lei”, disse Pacheco a jornalistas na terça-feira, 8 de fevereiro.
Como a variação nos combustíveis afeta ainda toda a cadeia logística (como a distribuição de produtos, alimentos e energia), há um reflexo indireto em quase tudo que é consumido no Brasil. Assim, a alta tem penalizado sobremaneira o bolso da população, que não teve os salários reajustados na mesma velocidade. Em ano eleitoral e com a inflação no centro das preocupações do eleitor, segundo as pesquisas, políticos de todos os espectros tentarão mostrar que estão fazendo algo sobre o assunto.
Mas dentre as discussões a serem feitas em Brasília, um ponto a ser observado será quais combustíveis os congressistas e o governo federal escolherão priorizar.
Todos os principais combustíveis, domésticos ou para veículos, tiveram alta acima da inflação:
A alta da gasolina afeta principalmente os usuários de carro — ou seja, menos da metade da população —, e parte dos especialistas defende que não vale o custo fiscal do Estado para subsidiá-la. Por outro lado, há um cálculo eleitoral e simbólico, com imagens de gasolina a oito reais terem varrido as redes sociais nos últimos meses.
A alta do etanol também impacta os custos porque, por lei de 1993, quase um terço da composição da gasolina vendida em postos brasileiros têm etanol. O setor sucroalcoleiro tem se posicionado contrário à ideia de isentar tributos da gasolina, porque tornaria o etanol menos competitivo de forma artificial.
Já o diesel, usado como combustível para caminhões e com impacto potencial na cadeia produtiva, é visto como prioritário. A equipe do Ministério da Economia, que é contra parte dos projetos para combustíveis devido ao custo, chegou a declarar que pode apoiar um meio termo com cortes só para o diesel.
Além disso, para o presidente Jair Bolsonaro, fortemente apoiado pelos caminhoneiros na eleição de 2018, agradar a esse grupo é um dos focos em ano eleitoral.
O gás de cozinha também é visto como prioridade devido ao impacto direto no bolso das famílias.
Em janeiro de 2022, após altas sucessivas no preço do gás em 2021 e pressão de movimentos sociais, o governo federal aprovou o chamado Vale Gás vindo do Congresso, que arca com metade do custo de um botijão. O público atendido começou em 5,5 milhões de famílias, e a expectativa é que chegue a 22 milhões até setembro de 2023. Dentre as propostas nas PECs sobre combustíveis, está um subsídio do valor completo do botijão, e não só de metade.
O preço médio do botijão de gás (GLP) de 13 kg na semana encerrada em 12 de fevereiro ficou acima de 102 reais, segundo pesquisa da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Os fatores que levam à alta dos combustíveis são, no geral, o aumento dos preços dos combustíveis no mercado internacional, por desafios de equilibrar oferta e demanda com a reabertura das atividades depois da pandemia.
Para os brasileiros, soma-se a isso a desvalorização do real frente ao dólar nos últimos anos, encarecendo ainda mais os insumos. E dá-se a tempestade perfeita.
O preço do barril de petróleo do tipo Brent, usado como referência pela Petrobras para definir preços nacionais, já passa de US$ 90, e analistas já passam a apostar que o barril pode chegar a US$ 100.
Para os próximos meses, uma série de questões geopolíticas podem fazer o preço subir ainda mais. A principal preocupação é uma possível guerra entre Ucrânia e Rússia, em região que é importante produtora de combustíveis.
O risco, assim, é que as propostas no Congresso tenham alto custo fiscal — isto é, grandes investimentos de dinheiro público para as isenções, por exemplo —, mas que seus ganhos sejam apagados por oscilações no dólar ou nos preços internacionais.