Economia

Celso Toledo: retomada faz pensar se país não gastou munição de uma só vez

O economista da LCA fala à EXAME do desconforto que há no mercado sobre a capacidade de o governo entender a gravidade do problema fiscal que o país tem

Celso Toledo

 (GERMANO LUDERS/Exame)

Celso Toledo (GERMANO LUDERS/Exame)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 27 de novembro de 2020 às 14h33.

Última atualização em 27 de novembro de 2020 às 17h39.

Em meio à ação rápida e expressiva por parte da equipe econômica à pandemia do coronavírus — o que tem se evidenciado na velocidade surpreendente da recuperação da atividade —, a questão que fica é: É sustentável?

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A questão foi levantada pelo economista Celso Toledo, da LCA Consultores, em conversa com a EXAME, que sugere que a resposta à essa questão é negativa, e, o que é pior: "Será que não gastamos nossos cartuchos de uma vez só?", diz.

Toledo critica a forma como o valor do auxílio emergencial foi decidido, em meio a um clima conturbado de “quem dá mais” entre Congresso e Executivo, e fala do desconforto que há agora por parte do setor privado sobre a da capacidade de o governo entender a gravidade do problema.

Veja os principais pontos da entrevista:

Como o senhor vê a resposta que o Brasil deu à pandemia do novo coronavírus?

Do ponto de vista econômico, o Brasil deu uma das respostas mais agressivas em termos de suporte para a economia, e, por causa disso, a reação da atividade foi surpreendentemente rápida e intensa. No entanto, esse movimento nos faz pensar se o país não gastou todos os cartuchos de uma vez só, porque nossa situação fiscal é complicada.

Do ponto de vista da doença, a minha impressão é de que o governo deixou a desejar. Não houve coordenação. A pandemia foi, desde o início, politizada. A impressão que fica é que os princípios científicos que deveriam nortear o combate à covid-19 foram deixados de lado, e tivemos episódios que indicam isso.

Um deles é o fato de ministros da saúde terem sido demitidos no olho do furacão, outro é a alta recente na taxa de mortalidade por milhão de pessoas. Outro, ainda, é a história recente dos testes encalhados: O governo gasta fortunas para trazer os testes e não consegue nem aplicar. Tudo isso sugere um descaso e uma falta de competência que nos chama a atenção.

O senhor acha que o valor do auxílio emergencial pago à população vulnerável foi exagerado?

A pandemia não é um evento trivial e exigiu uma reação proativa do Estado. Porém, parece ter havido desproporcionalidade entre o tamanho do problema e a dose do remédio, especialmente quando levamos em conta as nossas possibilidades. Mas é muito mais fácil fazer essa avaliação depois que as coisas acontecem.

O fato é que é complicado fazer políticas públicas com o país dividido. Na prática, o valor do auxílio foi decidido em meio à uma enorme polarização política, num clima de “quem dá mais” entre Congresso e Executivo.

Para muitos, a renda percebida com o auxílio foi significativamente maior do que a habitual. Idealmente, teria sido melhor um movimento mais dosado, cuidadoso, no sentido de recompor a renda que a pessoa perdeu.

Agora, a pandemia não terminou e o país já tem uma situação fiscal complicadíssima. Ao mesmo tempo, existe um desconforto por parte do setor privado sobre a capacidade de o governo entender a gravidade do problema.

A crise trazida pela pandemia tem gerado críticas à teoria econômica moderna. Nesse contexto, podemos dizer que a atuação do setor público terá de ser mais presente na vida dos cidadãos daqui para frente?

O investimento público é, de fato, uma alavanca para o crescimento. A questão é: como garantir o mínimo de seriedade? Enquanto houver disposição de absorver a dívida, em tese, não há limite. Mas o câmbio está muito pressionado no Brasil. Os juros longos também, o que sugere que os detentores dos papéis estão ficando mais preocupados. Um cenário no qual o investimento ilimitado é uma alavanca parece ótimo para países institucionalmente mais maduros. Torço por um choque keynesiano nos Estados Unidos. Na América Latina, tenho dúvidas.

O grande problema parece ser o governo, na minha percepção, que é que precisa dizer de forma muito clara para o setor privado como pensa em garantir que, no longo prazo, as contas públicas estejam sustentáveis. A partir do momento que o setor privado é convencido disso, deixamos de ter restrições no curto prazo. Esse cenário ideal permitiria que o país pudesse continuar dando uma flexibilizada fiscal, afinal de contas, a pandemia é uma situação excepcional que abre esse espaço.

Mas a impressão que temos é que o governo perde muito tempo com questões menos importantes, enquanto reformas urgentes que são discutidas há anos não saem do papel. No final do dia, num regime presidencialista, dependemos muito das escolhas do presidente. Se ele não se mostra convencido dessa urgência, o cenário se complica.

A criação de um comitê de pessoas protegidas de influências políticas para decidir sobre o destino de investimentos chegou a ser sugerida pelo economista André Lara Rezende recentemente. O senhor acha que essa pode ser uma forma de melhorarmos na eficiência?

Se fosse possível criarmos um órgão público com a excelência que tem hoje o Banco Central brasileiro, por exemplo, a coisa poderia, sim, funcionar. Mas é factível na realidade do país hoje? Que vai indicar? O centrão? Como seriam apontadas as pessoas? Se tivéssemos a possibilidade de ter um debate técnico menos politizado nesse momento, poderíamos encontrar algo muito interessante aí. Não sei se é o caso.

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