Trump é péssimo para a América Rural
O protecionismo e as Guerras comerciais do presidente afetam de maneira desproporcional o mundo da agricultura.
Publicado em 31 de maio de 2019 às, 10h35.
Última atualização em 8 de junho de 2019 às, 11h06.
Os economistas, diz reportagem do site Politico, estão deixando o Serviço de Pesquisa Econômica do Departamento de Agricultura. Seis deles pediram demissão em um único dia no mês passado. O motivo? Eles estão se sentindo perseguidos por terem publicado relatórios que lançam uma luz desfavorável sobre as políticas econômicas de Donald Trump.
Porém, esses relatórios só estão refletindo a realidade (que tem um viés anti-Trump bastante conhecido). A América Rural é um componente crucial da base de Trump. De fato, as áreas rurais são as únicas partes do país nas quais Trump ainda tem uma aprovação positiva, de maneira geral. Entretanto, elas também são as regiões que mais perdem com as políticas dele.
Afinal de contas, o que é o trumpismo? Em 2016, Trump fingia ser um tipo diferente de republicano, mas na prática quase toda a pauta econômica dele era o padrão do Partido Republicano: grandes cortes de impostos para empresas e pessoas ricas, ao mesmo tempo em que acabava com a rede de bem-estar social. O único ponto fora da curva da ortodoxia foi o protecionismo dele, e sua disposição para começar guerras comerciais. E todas essas políticas afetam de maneira desproporcional o mundo da agricultura.
O corte de impostos de Trump em grande medida deixa os fazendeiros de escanteio, porque eles não são empresas e poucos deles são ricos. Um dos estudos preparados por economistas do Departamento de Agricultura que despertou a ira trumpiana mostrava que, ao mesmo tempo que os fazendeiros notaram cortes de impostos, a maioria desses benefícios foi para os 10% mais ricos, ao passo que os fazendeiros pobres viram na verdade um ligeiro aumento tributário.
Ao mesmo tempo, o ataque à rede de assistência social é especialmente nocivo à América rural, que depende em grande escala desses programas de assistência social. Dos 100 países com o maior porcentual da população recebendo vales para comer, 85 são rurais, e a maioria dos restantes está em pequenas áreas metropolitanas. A expansão do Medicaid com a Lei dos Serviços de Saúde Acessíveis, que Trump continua tentando liquidar, teve seu maior impacto positivo nas áreas rurais.
E esses programas são fundamentais para os americanos na zona rural mesmo no caso daqueles que não recebem pessoalmente o auxílio do governo. Programas de assistência social trazem consigo poder de compra, que ajuda a criar empregos no campo. O Medicaid também é um fator crucial para manter os hospitais rurais vivos; sem ele, o acesso aos serviços de saúde estaria gravemente comprometido, de maneira geral, para os americanos que vivem no campo.
E quanto ao protecionismo? O setor agrícola dos EUA é fortemente dependente do acesso aos mercados mundiais, muito mais do que a economia como um todo. Os produtores de soja americanos exportam metade do que colhem; os de trigo, 46% de sua safra. A China, em especial, se tornou um mercado-chave para os produtos das fazendas dos EUA. Por isso é que o recente dilúvio de tuítes de Trump sobre o comércio, que despertou a possibilidade de uma guerra comercial expandida, fez os mercados de grãos registrarem sua maior queda em 42 anos.
Por sinal, é importante notar que a ameaça aos agricultores não é somente por causa de uma possível retaliação estrangeira às tarifas de Trump. Um princípio fundamental da economia internacional é que, no longo prazo, impostos sobre importações acabam se revelando impostos também sobre exportação, geralmente por levarem a um dólar mais alto. Se o mundo se afundar em guerras comerciais, tanto as importações quanto exportações dos EUA vão encolher, e os agricultores, que estão entre nossos mais importantes exportadores, serão os maiores perdedores.
Por que é que as zonas rurais apóiam Trump, então? Muito disso tem a ver com fatores culturais. Em particular, o de que os eleitores rurais são muito mais hostis a imigrantes do que os eleitores urbanos – especialmente em comunidades onde há poucos imigrantes. Da falta de familiaridade, ao que parece, nasce o desprezo.
Os eleitores de zonas rurais também se sentem desrespeitados pelas elites costeiras, e Trump vem conseguindo canalizar a ira deles. Sem dúvida, muitos eleitores em zonas rurais, se por acaso lessem este artigo, reagiriam com raiva, não de Trump, mas de mim: “Em outras palavras, você acha que nós somos estúpidos!”
Porém, o apoio a Trump talvez comece a ruir mesmo assim, caso os eleitores das zonas rurais percebam o quanto vêm sendo prejudicados pelas políticas econômicas dele. O que um trumpista pode fazer?
Uma resposta é repetir mentiras zumbi. Há algumas semanas, Trump disse durante um animado comício que os cortes feitos por ele nos impostos sobre imóveis têm ajudado os agricultores. Essa afirmação, porém, é completamente falsa: o site de checagem PolitiFact a classificou como “lorota pura”. A realidade é que, em 2017, entre fazendas e empresas privadas, apenas cerca de 80 – isso mesmo, 80 – pagaram qualquer tipo de imposto imobiliário. Histórias sobre fazendas de família desmembradas para pagar impostos sobre imóveis são pura ficção.
Outra resposta é tentar conter a verdade. Vem daí a perseguição aos economistas do Departamento de Agricultura que estavam apenas tentando fazer o trabalho deles.
A verdade é que o ataque à verdade vai ter consequências que vão muito além da política. O Serviço de Pesquisa Econômica da Agricultura não deveria fazer o papel de animador de torcida de quem quer que esteja no poder. Como diz na declaração de sua missão, o papel do órgão é realizar “pesquisas econômicas objetivas e de alta qualidade para informar e aprimorar a tomada de decisões públicas e privadas”. E não se trata aqui de contar vantagem: Juntamente com o Federal Reserve, o serviço de pesquisa é um excelente exemplo de como a economia pode servir a propósitos práticos claros.
Agora, contudo, a habilidade do serviço em fazer seu trabalho está se degradando de maneira acelerada, porque o governo Trump não acredita em políticas econômicas baseadas em fatos. Basicamente, ele não acredita em fatos, ponto. Tudo é político.
E quem é que vai pagar o preço por essa degradação? Os americanos do campo. Os maiores apoiadores de Trump são também as maiores vítimas dele.