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A revolução industrial da energia renovável

O Brasil precisa direcionar sua reindustrialização para aquilo em que teremos mais vantagem competitiva em relação ao resto do mundo

Painéis de energia solar fotovoltáica, considerada uma das fontes renováveis mais eficientes  (VCG /Getty Images)
Painéis de energia solar fotovoltáica, considerada uma das fontes renováveis mais eficientes (VCG /Getty Images)

Todo país que nos últimos séculos vivenciou um grande salto econômico seguiu necessariamente um percurso semelhante que envolve uma ação primordial: identificar sua principal vantagem competitiva e saber como aproveitá-la da melhor forma, criando demandas globais. Claro que não é só isso. Mas isso já é muita coisa.

Foi assim com a Inglaterra, que liderou a primeira revolução industrial, ainda no século 18. O país possuía capital, tecnologia e energia – o carvão – para se lançar nesta empreitada, que transformou o mundo. A principal indústria, no início da revolução, era a têxtil, cujos produtos eram destinados para exportação.

Aconteceu de novo mais recentemente com a China, que a partir dos anos 1980 experimentou três décadas de crescimento vertiginoso. E qual era a principal vantagem competitiva do país? Mão de obra abundante e barata. Com isso, a China estruturou suas cadeias de valor para produzir e exportar produtos em cuja composição de custo a mão de obra fosse um item muito relevante. O mundo, então, foi amplamente abastecido por calçados, roupas e brinquedos provenientes do país asiático. Graças a isso, a China aumentou bastante seu PIB e sua renda per capita, e desse modo pôde começar a criar infraestrutura para subir na cadeia de valor. Hoje, como sabemos, produz tecnologia de ponta.

Agora olhemos para o Brasil. O que nós temos aqui, mais do que qualquer outro país, é energia limpa, farta e barata. Obviamente, a energia não é exportável, ou é muito pouco. Portanto precisamos encontrar nossa cadeia de valor com base nisso. Precisamos industrializar o Brasil com foco nas áreas em que temos potencial competitivo e capacidade de escalar para o mundo todo.

Dado que a transição energética e a descarbonização geral da economia estão no pódio das prioridades mundiais, nossa cadeia de valor deve incluir produtos como o etanol de segunda geração, o SAF (Combustível Sustentável de Aviação, na sigla em inglês), a amônia verde, o hidrogênio e o aço verde. Precisamos nos desenvolver ao ponto de poder vender esses produtos para o mundo todo. Desse modo, é necessário planejar nossa industrialização levando em consideração, por exemplo, uma produção sistemática de eletrolisadores e reformadores para a produção de hidrogênio verde.

Já temos bons exemplos em curso nessas áreas no país. Na produção de etanol de segunda geração – tecnologia que produz 50% a mais de etanol com a mesma área plantada de cana-de-açúcar e reduz em 30% as emissões em comparação ao etanol comum –, a Raízen já possui uma planta em operação, uma em testes, cinco em construção e outras tantas planejadas, totalizando 20 plantas com capacidade de produzir 1,6 bilhão de litros por ano. E mais: 80% da produção das nove primeiras plantas já está comercializada em contratos de longo prazo até 2037 com o mercado externo.

Em relação ao SAF, a Raízen também saiu na frente e obteve em agosto a certificação internacional que a autoriza a ser a primeira empresa do mundo a poder fornecer etanol para exploração desse combustível na produção de biocombustíveis para aviação. O SAF pode reduzir em cerca de 80% as emissões dos aviões em comparação com os combustíveis fósseis. Como 1,7 molécula de etanol produz 1 molécula de SAF, é muito melhor do ponto de vista logístico desenvolver a indústria aqui no Brasil e exportar o combustível já pronto. A expectativa é que 25% do SAF do mundo em 2030 seja feito a partir de etanol, o que representa demanda de aproximadamente 9 bilhões de litros de etanol por ano.

A amônia verde passa a ser realidade a partir do primeiro semestre do ano que vem, na fábrica da Yara de Cubatão, que passará a utilizar biometano no processo industrial, aqui também reduzindo em cerca de 80% as emissões de carbono. Por sua vez, o hidrogênio verde já está sendo produzido em diferentes locais do país, tanto por meio de hidrólise da água, como também, mais recentemente, através da reforma a vapor do etanol. O que falta é trazer escala para todos esses avanços. O aço verde será uma consequência disso. Com hidrogênio em quantidade, além de outras fontes renováveis, nossa indústria siderúrgica será única no mundo. Sem falar que já contamos com um minério de ferro de melhor qualidade.

O que eu trouxe aqui neste artigo são apenas alguns exemplos. Obviamente temos muitas outras áreas para nos desenvolver com potencial de obter uma posição de destaque no cenário global. Mas não deixo de pensar todos os dias que a revolução industrial em curso e a próxima passam necessariamente por tecnologia, inteligência artificial – e energia renovável. Naturalmente, não chegaremos lá com mão de obra barata. É urgente que nossos cursos técnicos e universitários estejam voltados para as profissões do futuro. E, para isso, é fundamental também uma educação básica de alta qualidade, para todos os brasileiros.

* Luis Henrique Guimarães é presidente da Cosan