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Celso Athayde: favela é celeiro de startups e pode produzir unicórnios

Em sua coluna, o fundador da Favela Holding, maior grupo empresarial de favelas, aponta as oportunidades presentes nas comunidades

 (Anthony Redpath/Getty Images)
(Anthony Redpath/Getty Images)
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Favela S/A

Publicado em 14 de dezembro de 2021 às, 15h58.

Última atualização em 14 de dezembro de 2021 às, 16h10.

Celeiro de Unicórnios

 

Eu costumo dizer que existem dois idiomas no Brasil: o favelês (estou escrevendo um livro sobre isso) e o português. Acabo falando mais o primeiro do que o segundo. O ponto é que a favela, muitas vezes, não entende o que se fala no asfalto, e vice-versa. Mas, no fundo, estão falando a mesma coisa de maneiras diferentes. O exemplo mais claro disso está no empreendedorismo.

O morador de favela é um empreendedor nato porque ele tem de se virar na vida. Então, ele se organiza em comunidades e cria sistemas e processos para compensar a falta de infraestrutura, que frequentemente se transformam em negócios locais. Há um costume antigo das mães das favelas de se organizarem para levar os filhos dos outros para a praia, e cobrar por isso, por exemplo. A cada semana, uma mãe é responsável por levar a molecada, às vezes mais de 10 garotos e garotas.  Se um asfaltista entrar na favela e tiver contato com esse bizzeness o batizaria rapidamente na categoria de “economia do compartilhamento”.

Há uma enorme diferença entre empreender por vocação e empreender por necessidade. O empreendedor da favela, muitas vezes, não tem opção. Ele confia no seu instinto e aprende com os erros. O empreendedor por vocação também confia no seu instinto e aprende com os erros, mas ele tem acesso a um conhecimento estruturado e específico, por meio das escolas de negócios ou experiência familiar. Isso abre outra dimensão em termos de potencial de escala das ideias.

A chave para transformar o empreendedorismo na base da pirâmide em negócios de escala está aí, no conhecimento. Se eu soubesse o que eu sei hoje quando iniciei a Favela Holding, a evolução do negócio, certamente, teria tomado um ritmo diferente. Não sei se estaria num patamar acima do que estou hoje, mas teria tido menos dor de cabeça.

Eu não tenho dúvida que a favela irá produzir um unicórnio em algum momento (para quem não está familiarizado com o termo, unicórnio é como são chamadas as startups que atingem o valor de mercado de 1 bilhão). Não precisa ser no grupo do qual faço parte inclusive, pois esse surgimento mudaria a percepção do mercado e todos avançaríamos. Mas o caminho para o primeiro  unicórnio passa pela presença das escolas de negócios nas favelas. Quando os nossos empreendedores passarem a falar a língua dos negócios, e não apenas o favelês, a dificuldade de acessar o dinheiro disponível para investimentos de risco será menor.

Também irá ajudar se as empresas e os investidores se aproximarem das favelas, mas não apenas com uma visão social, e sim com a visão de investidor. Aliás, nos dias 15, 16 e 17 de abril irá acontecer a Expo - Favela no hotel WTC Sheraton, em São Paulo, como parte desse avanço e desses encontros históricos. As favelas estão repletas de oportunidades para quem tiver a coragem ou sensibilidade de sair da bolha e aprender um pouco do nosso favelês.  Se você tem então chegou a hora de colar com nóiz.