Os Filhos da Globalização
A globalização dos últimos 70 anos produziu dois filhos pródigos: o milagre político e econômico da UE e a ascensão econômica da China
beatrizcorreia
Publicado em 5 de junho de 2020 às 15h26.
Última atualização em 5 de junho de 2020 às 16h30.
No século XIX, nas minas de carvão dos EUA, os mineiros costumavam levar um canário numa gaiola para dentro da mina para os avisar da presença de gases perigosos. Como o canário morreria primeiro intoxicado tal constituiria o aviso para abandonar a mina. Num momento tamanha incerteza no mundo quem são os canários que devemos observar com atenção?
A globalização dos últimos 70 anos, baseada em regras, instituições e garantida pelos EUA produziu dois filhos pródigos. O milagre político e econômico da União Europeia e ascensão econômica pacífica e extraordinária da China . Estes são os dois canários na mina. O primeiro reside em Bruxelas e o segundo voa entre Hong Kong e Taiwan.
A fragilidade hoje do projeto Europeu é óbvia. Depois de Delors na distante década de 80 do século passado, nunca mais os principais países Europeus arriscaram ter em Bruxelas alguém de um dos principais países europeus e capaz de liderar uma agenda própria. Depois de 1995 e do Tratado de Nice, a União virou mais intergovernamental e menos comunitária.
No centro, em consequência, o interesse comum europeu é hoje defendido por instituições sem qualquer vínculo direto com os eleitores, Comissão Europeia, Supremo Tribunal Europeu e Banco Central Europeu, numa agenda que a cada eleição num dos principais países corre sempre o risco de desmoronar.
Atribuir os problemas a Bruxelas e as vitórias ao brilhantismo da negociação governamental tornou-se um esporte favorito na Europa e que em parte contribuiu para a dificuldade em defender o projeto Europeu no referendo do Brexit. Para culminar, a eleição de Trump veio acelerar o afastamento dos EUA e da Europa, um processo que diga-se a verdade já vinha ocorrendo, mas que agora ganha contornos mais desafiantes dado o desinteresse dos EUA de Trump em velarem pelas regras de relações mundiais e instituições internacionais que ajudaram a fundar em 1947.
Um projeto baseado em regras e leis como o Europeu tem uma enorme dificuldade em navegar um mundo baseado em relações puras de poder e força se esse é o destino escolhido no mundo. Sem um interesse Europeu claramente articulado e legitimado nas urnas como ter uma política externa e de segurança comum?
Hoje, Macron, Merkel, Christine Lagarde e Ursula Von der Leyen (curiosamente a Primeira Presidente da Comissão vinda ou da Alemanha ou da França desde Delors) têm em mãos uma batalha pelo futuro da Europa cujas escolhas vão pela primeira vez em muitos anos ter de ser dirimidas nas urnas e no combate político.
O ato digno de Houdini do ex-Presidente do BCE Mario Draghi em 2012 evitou que esse combate ocorresse por altura da crise financeira de 2008. Como se viu na recente decisão do Tribunal Constitucional Alemão, esse é um luxo que não se vai ter desta vez. O destino da globalização no mundo e da Europa estão entrelaçados. Este canário mora em Bruxelas.
O outro filho da globalização é o milagre econômico Chinês. A ascensão da China foi amparada no sistema mundial de comércio e não só mudou o país como também o mundo como basta só olhar para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro nos últimos anos. Mas a China não é monolítica. Tem também os seus demônios nacionalistas e a sua enorme insegurança na sua relação com o mundo.
Desde das reformas de Deng Xiaoping no final da década de 70 do século passado, que a aposta da China foi na abertura da sua economia e da sua integração na economia mundial. Foi este cocktail que mudou a vida de mais de um bilião de pessoas no país . A aposta era também que a sedução do modelo Chinês e do seu desenvolvimento atraísse as províncias recalcitrantes de Hong Kong e sobretudo de Taiwan a uma integração maior com a China continental cumprindo a agenda nacional do país mas de uma forma construtiva.
Acompanhando a progressiva liberalização da China, o lugar de convergência seria um ponto de encontro imaginário a meio caminho entre o sentido democrático destas regiões e a natureza do próprio regime Chinês continental. Mas à medida que a lógica identitária se expande no mundo ela afasta esse ponto de encontro para o domínio do impossível nada mais ficando senão também aqui relações de força como fica demonstrado nos recentes acontecimentos em Hong Kong..
Uma vez mais as escolhas da China estão intimamente ligadas com as opções que forem feitas em relação à globalização pós-covid pelos EUA e resto do mundo. Esquecer todo o patrimônio de regras e instituições internacionais criadas ao longo de 70 anos que foram decisivas para o mais longo período de paz entre grandes potências na história acarreta enormes riscos à nossa prosperidade. Sejamos sábios para não deixarmos os canários morrerem.
No século XIX, nas minas de carvão dos EUA, os mineiros costumavam levar um canário numa gaiola para dentro da mina para os avisar da presença de gases perigosos. Como o canário morreria primeiro intoxicado tal constituiria o aviso para abandonar a mina. Num momento tamanha incerteza no mundo quem são os canários que devemos observar com atenção?
A globalização dos últimos 70 anos, baseada em regras, instituições e garantida pelos EUA produziu dois filhos pródigos. O milagre político e econômico da União Europeia e ascensão econômica pacífica e extraordinária da China . Estes são os dois canários na mina. O primeiro reside em Bruxelas e o segundo voa entre Hong Kong e Taiwan.
A fragilidade hoje do projeto Europeu é óbvia. Depois de Delors na distante década de 80 do século passado, nunca mais os principais países Europeus arriscaram ter em Bruxelas alguém de um dos principais países europeus e capaz de liderar uma agenda própria. Depois de 1995 e do Tratado de Nice, a União virou mais intergovernamental e menos comunitária.
No centro, em consequência, o interesse comum europeu é hoje defendido por instituições sem qualquer vínculo direto com os eleitores, Comissão Europeia, Supremo Tribunal Europeu e Banco Central Europeu, numa agenda que a cada eleição num dos principais países corre sempre o risco de desmoronar.
Atribuir os problemas a Bruxelas e as vitórias ao brilhantismo da negociação governamental tornou-se um esporte favorito na Europa e que em parte contribuiu para a dificuldade em defender o projeto Europeu no referendo do Brexit. Para culminar, a eleição de Trump veio acelerar o afastamento dos EUA e da Europa, um processo que diga-se a verdade já vinha ocorrendo, mas que agora ganha contornos mais desafiantes dado o desinteresse dos EUA de Trump em velarem pelas regras de relações mundiais e instituições internacionais que ajudaram a fundar em 1947.
Um projeto baseado em regras e leis como o Europeu tem uma enorme dificuldade em navegar um mundo baseado em relações puras de poder e força se esse é o destino escolhido no mundo. Sem um interesse Europeu claramente articulado e legitimado nas urnas como ter uma política externa e de segurança comum?
Hoje, Macron, Merkel, Christine Lagarde e Ursula Von der Leyen (curiosamente a Primeira Presidente da Comissão vinda ou da Alemanha ou da França desde Delors) têm em mãos uma batalha pelo futuro da Europa cujas escolhas vão pela primeira vez em muitos anos ter de ser dirimidas nas urnas e no combate político.
O ato digno de Houdini do ex-Presidente do BCE Mario Draghi em 2012 evitou que esse combate ocorresse por altura da crise financeira de 2008. Como se viu na recente decisão do Tribunal Constitucional Alemão, esse é um luxo que não se vai ter desta vez. O destino da globalização no mundo e da Europa estão entrelaçados. Este canário mora em Bruxelas.
O outro filho da globalização é o milagre econômico Chinês. A ascensão da China foi amparada no sistema mundial de comércio e não só mudou o país como também o mundo como basta só olhar para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro nos últimos anos. Mas a China não é monolítica. Tem também os seus demônios nacionalistas e a sua enorme insegurança na sua relação com o mundo.
Desde das reformas de Deng Xiaoping no final da década de 70 do século passado, que a aposta da China foi na abertura da sua economia e da sua integração na economia mundial. Foi este cocktail que mudou a vida de mais de um bilião de pessoas no país . A aposta era também que a sedução do modelo Chinês e do seu desenvolvimento atraísse as províncias recalcitrantes de Hong Kong e sobretudo de Taiwan a uma integração maior com a China continental cumprindo a agenda nacional do país mas de uma forma construtiva.
Acompanhando a progressiva liberalização da China, o lugar de convergência seria um ponto de encontro imaginário a meio caminho entre o sentido democrático destas regiões e a natureza do próprio regime Chinês continental. Mas à medida que a lógica identitária se expande no mundo ela afasta esse ponto de encontro para o domínio do impossível nada mais ficando senão também aqui relações de força como fica demonstrado nos recentes acontecimentos em Hong Kong..
Uma vez mais as escolhas da China estão intimamente ligadas com as opções que forem feitas em relação à globalização pós-covid pelos EUA e resto do mundo. Esquecer todo o patrimônio de regras e instituições internacionais criadas ao longo de 70 anos que foram decisivas para o mais longo período de paz entre grandes potências na história acarreta enormes riscos à nossa prosperidade. Sejamos sábios para não deixarmos os canários morrerem.