Ciência

Modelo ajuda a entender doença de Stephen Hawking

Caracterizada por um quadro de paralisia muscular progressiva, a ELA é causada por mutações genéticas

Cientista Stephen Hawking durante abertura das Paralimpíadas 2012 em Londres (Getty Images / David McNew/Getty Images)

Cientista Stephen Hawking durante abertura das Paralimpíadas 2012 em Londres (Getty Images / David McNew/Getty Images)

Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 11 de junho de 2018 às 08h43.

Última atualização em 11 de junho de 2018 às 08h44.

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um modelo matemático que permite simular no computador as alterações que ocorrem nos neurônios motores de portadores de esclerose lateral amiotrófica (ELA) – doença que vitimou o físico britânico Stephen Hawking.

Caracterizada por um quadro de paralisia muscular progressiva, a ELA é causada por mutações genéticas – herdadas ou não – que prejudicam a produção ou a atividade de uma enzima chamada SOD1 (cobre-zinco superóxido dismutase), responsável por proteger as células nervosas de subprodutos tóxicos do metabolismo. Esse quadro leva à degeneração e morte dos neurônios motores, responsáveis por enervar os músculos esqueléticos e controlar os movimentos voluntários.

O objetivo principal do grupo coordenado pelo professor Leonardo Abdala, chefe do Laboratório de Pesquisa em Neuroengenharia da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, é compreender os mecanismos moleculares associados à degeneração neuronal – identificar, por exemplo, eventuais alterações no funcionamento de proteínas permeáveis a íons como cálcio, sódio e potássio (os canais iônicos) que possam afetar a resposta do neurônio e, consequentemente, o controle da força muscular.

“Usamos um simulador computacional para buscar, em um estágio ainda pré-sintomático da doença, um marcador biológico, ou seja, um fenômeno biofísico que ocorre na membrana do neurônio motor e afeta a atividade elétrica da célula e o controle da força muscular. Isso abriria caminho para o estudo de intervenções farmacológicas capazes de reverter ou amenizar o problema”, disse Elias, que também é diretor do Centro de Engenharia Biomédica da Unicamp.

Como explicou Elias, nos mamíferos existem dois tipos de neurônios motores: os superiores e os inferiores. No cérebro, o neurônio motor superior envia impulsos elétricos que viajam até os neurônios motores inferiores, localizados ao longo da medula espinhal e no tronco encefálico. Esses impulsos são conduzidos até os músculos, que os transformam em movimentos.

Durante o mestrado de Débora Elisa da Costa Matoso, foi desenvolvido um modelo matemático capaz de simular a dinâmica de um neurônio motor inferior – tanto em uma condição saudável quanto em um quadro de ELA. Para isso, o grupo se baseou em dados obtidos por meio de experimentos com roedores publicados na literatura científica.

“Não há dados de pacientes humanos disponíveis, apenas de modelos de camundongos geneticamente modificados para reproduzir um quadro semelhante à ELA. Para validar o modelo, simulamos os mesmos experimentos feitos com os animais em laboratórios. Observamos resultados compatíveis com os obtidos in vivo e in vitro, o que sugere que o modelo é capaz de representar o que acontece com o neurônio motor inferior ao longo da progressão da doença no camundongo”, contou.

Por meio de simulações computacionais, o grupo está estudando principalmente o que acontece em três canais iônicos: um permeável ao íon sódio, que normalmente está localizado no corpo celular do neurônio, outro permeável ao cálcio, que costuma estar localizado nas ramificações dendríticas, e um terceiro canal de potássio encontrado tanto no corpo celular quanto no dendrito.

Segundo Elias, os resultados têm sugerido que o canal de potássio é fundamental para explicar algumas alterações importantes observadas na dinâmica do neurônio motor inferior – embora existam poucos dados de experimentos com animais capazes de corroborar esse achado.

“O único medicamento atualmente disponível para tratar a ELA, o Riluzol, atua nos canais persistentes de sódio. Se conseguirmos mostrar com o modelo que outros canais iônicos estão também envolvidos nesse processo de degeneração, abrimos espaço para que novas pesquisas sejam feitas com animais para testar novas intervenções farmacológicas”, disse Elias.

Agora, durante o doutorado, Matoso pretende desenvolver um modelo completo do sistema neuromuscular para investigar como os mecanismos biofísicos que alteram a dinâmica do neurônio motor influenciam a geração da força em um estágio inicial da doença.

“Em paralelo, pretendemos fazer experimentos em parceria com grupos que tenham acesso a pacientes com ELA para tentar coletar o máximo de dados e, assim, validar o modelo em desenvolvimento. Em uma segunda etapa da pesquisa, vamos comparar os resultados de simulação com os experimentais, buscando perspectivas de intervenções clínicas e farmacológicas”, contou.

Além disso, Elias firmou parceria com uma equipe do BRAINN coordenada pelo professor Li Li Min para estudar o efeito de diferentes técnicas de neuromodulação (aplicação de correntes elétricas, estimulação magnética transcraniana e ultrassom focalizado) no controle da força de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral (AVC), portadores de Parkinson ou de ataxia cerebelares (grupo de doenças que afeta o controle do movimento).

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Brainn Congress

Resultados da linha de pesquisa de Elias foram apresentados no dia 10 de abril, em Campinas, durante o 5º Brainn Congress – evento realizado pelo Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), um dos CEPIDs financiados pela FAPESP.

Um dos destaques internacionais do evento foi o pesquisador John A. Detre, professor da University of Pennsylvania, nos Estados Unidos. Ele apresentou palestra sobre o uso de tecnologias de imagem funcional, incluindo ressonância magnética (MRI, na sigla em inglês) e imagem óptica, no estudo da função cerebral em indivíduos saudáveis e em pacientes com uma variedade de distúrbios clínicos, como AVC, epilepsia, doença neurodegenerativa e enxaqueca.

“Em um indivíduo adulto, o cérebro usa cerca de 20% do fluxo sanguíneo, embora corresponda a apenas 2% da massa corporal. Como o fluxo sanguíneo e o metabolismo estão muito acoplados, podemos usar a medida do fluxo para estudar muitos aspectos do funcionamento cerebral. Para isso usamos técnicas de imagem funcional”, explicou Detre à Agência FAPESP

Entre os destaques nacionais da programação estava Roberto Lent, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB-UFRJ), que apresentou estudos sobre neuroplasticidade – a capacidade do sistema nervoso de moldar-se, em nível estrutural e funcional, ao longo do desenvolvimento neuronal e quando sujeito a interferências do ambiente.

“Essa interferência ambiental pode ser uma doença, uma conversa entre pessoas ou uma ação educacional. Quando um professor ensina algo, ele modifica o cérebro do aluno e isso é uma forma de plasticidade. No meu laboratório a gente lida com plasticidade de longa distância, que é a capacidade de mudança e alteração das vias cerebrais mais importantes”, disse Lent.

Como modelo de estudo, o grupo da UFRJ usa uma importante via de comunicação entre os hemisférios esquerdo e direito do cérebro conhecida como corpo caloso, formada por 200 milhões de fibras nervosas.

“O corpo caloso se modifica em várias situações, como, por exemplo, após uma amputação traumática de um dos membros. É comum nesses casos a pessoa desenvolver a síndrome do membro fantasma. Ela sente dor, coceira e posições anômalas de um braço que não existe mais, por exemplo. Isso é resultante da reorganização do cérebro, em particular dessa grande avenida que é o corpo caloso”, contou.

A programação do congresso contou ainda com a mesa-redonda “BRAIN(N): past, present and future” que, entre outros temas, discutiu formas de aumentar o impacto e otimizar recursos nas pesquisas em neurociência realizadas no Brasil. Além de Lent e Detre, participaram Fernando Cendes, coordenador do BRAINN, o pesquisador canadense Richard Frayne (University of Calgary) e o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz.

*Este conteúdo foi publicado originalmente na Agência Fapesp

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