Ciência

É possível fazer uma boa vacina com a velocidade que a Rússia pretende?

Anúncio russo de ampla implantação da Sputnik V parece um pouco prematuro para muitos cientistas

Vacina: procedimentos têm sido acelerados de uma forma inédita em todo o mundo (Yulia Reznikov/Getty Images)

Vacina: procedimentos têm sido acelerados de uma forma inédita em todo o mundo (Yulia Reznikov/Getty Images)

Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 11 de agosto de 2020 às 20h26.

Os procedimentos têm sido acelerados de uma forma inédita em todo o mundo, principalmente na China, onde o SARS-CoV-2 surgiu. Estados e grandes fundações começaram a levantar fundos internacionais. Isso permite que as empresas iniciem a fabricação industrial de suas vacinas enquanto trabalham na preparação, duas etapas normalmente distintas.

Os Estados Unidos, que trabalham sozinhos, lançaram a operação "Warp Speed" (além da velocidade da luz) para acelerar o desenvolvimento de uma vacina destinada prioritariamente aos 300 milhões de norte-americanos. Para isso, o governo está comprometido com diversos projetos e investiu bilhões de dólares em diferentes programas.

Esta corrida desenfreada tem ares de romance de espionagem. O Reino Unido, os Estados Unidos e o Canadá acusaram os serviços de inteligência russos de estarem por trás de ataques hackers para roubar pesquisas sobre a vacina. Nos EUA, dois chineses foram acusados por motivos semelhantes. Tanto Moscou quanto Pequim refutaram as acusações.

Problemas de segurança?

Após o anúncio russo, a OMS advertiu que a aprovação de uma vacina requer procedimentos "rigorosos", incluindo o exame e avaliação de todos os dados de segurança e eficácia exigidos em ensaios clínicos.

“Para autorizar uma vacina contra COVID-19 é necessário que os testes clínicos forneçam evidências sólidas sobre sua segurança, eficácia e qualidade”, alertou também a Agência Europeia de Medicamentos.

Realizar testes clínicos rápidos demais pode causar problemas em termos de segurança, destacou Daniel Floret. Segundo ele, “um dos pontos-chave será apresentar provas de que a vacina não vai agravar a doença” nas pessoas vacinadas, o que já ocorreu com macacos "na tentativa de desenvolver vacinas contra MERS-CoV e SARS", dois outros coronavírus.

Esse fenômeno de agravamento da doença foi observado em humanos na década de 1960 com algumas vacinas contra a rubéola, que foram suspensas, e contra bronquiolite infantil, que foi abandonada.

O anúncio russo de ampla implantação da Sputnik V parece um pouco prematuro para muitos cientistas. “É uma decisão irresponsável e imprudente. Uma vacinação em massa com uma vacina que não foi bem testada é antiética”, comentou François Balloux, da Universidade de Londres.

Ele advertiu que qualquer problema com as campanhas de vacinação seria “desastroso” tanto por seus efeitos na saúde das pessoas como pela desconfiança que geraria na vacinação.

Quando sairá a vacina, afinal?

Antes do anúncio feito pela Rússia, a Agência Europeia de Medicamentos estimava que "uma vacina contra COVID-19 pronta para ser aprovada e disponível em quantidades suficientes poderia levar pelo menos até o início de 2021" a nível global.

Os mais otimistas, a começar por algumas farmacêuticas, garantem que isso será possível a partir do outono (do hemisfério norte, que começa em meados de setembro). Entretanto, isso "não é muito realista" para o professor Floret, que recomenda "moderar este entusiasmo" e aposta na vacina "para o primeiro trimestre de 2021", pelo menos.

"Seria uma conquista impressionante", ele disse, pois isso geralmente leva anos. No pior dos casos, uma vacina pode nunca ser alcançada.

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