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Na Luisiana, o amor por um restaurante chinês e seu dono carismático

Em luta contra um câncer, Kuan Lim opera um restaurante dentro de um motel popular na região

Prato popular no Lucky Palace  (Zerb Mellish/The New York Times)

Prato popular no Lucky Palace (Zerb Mellish/The New York Times)

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Daniel Salles

Publicado em 1 de outubro de 2020 às 09h59.

No fim de agosto, Kuan Lim dirigiu sua cadeira de rodas até uma mesa para 12 pessoas no Lucky Palace, o restaurante que ele opera dentro de um motel popular no noroeste da Luisiana. Lim está lutando contra o câncer – ele perdeu a metade inferior da perna direita para a doença – e não ia ao estabelecimento desde a celebração do Ano Novo chinês em janeiro.

O Lucky Palace é muito querido em Bossier City e na vizinha Shreveport por seu cardápio de pratos chineses tradicionais e modernos, e por uma lista de vinhos ousados que o tornou um favorito dos enófilos de Nova Orleans à França, passando pela Califórnia.

Os fãs do restaurante são intensamente leais, particularmente a Lim. O grupo de pessoas que cuidou dele durante sua doença – fornecendo comida, companhia e caronas para consultas médicas – é composto inteiramente por funcionários do Lucky Palace e por amigos que fez por intermédio do restaurante.

Chris Jay, que escreve sobre comida e vinhos em Shreveport e é frequentador do Lucky Palace, disse que a pandemia só fortaleceu a conexão dos moradores com o restaurante e seu dono, a quem os íntimos chamam simplesmente "Lim". "Quando encontro um amigo, eles sempre perguntam: 'Como está Lim?'", contou Jay.

Lim, de 55 anos, é uma presença importante no Lucky Palace desde o dia em que foi inaugurado, em 1997, até que seu osteossarcoma foi diagnosticado em 2016. Este ano, a vontade de lhe demonstrar afeto criou uma dinâmica potencialmente perigosa: em março, ele começou uma nova rodada de tratamentos quimioterápicos, que comprometem sua imunidade, assim que o coronavírus começou a se espalhar pela Luisiana.

Kuan Lim na frente de seu estabelecimento, o Lucky Palace (Zerb Mellish/The New York Times)

É por tudo isso que a saída de Lim do isolamento para um jantar especial, com distanciamento social, em agosto, um dia antes que o furacão Laura atingisse a Costa do Golfo na Luisiana, era um segredo bem guardado. Holly Lim, gerente do Lucky Palace, não é parente de Lim, mas se considera sua protetora. Ela pendurou um lençol escuro perto da entrada para manter a mesa dele, no bar do restaurante, escondida dos clientes. "Se o virem, vão querer beijá-lo. Não quero ferir os sentimentos de ninguém", comentou Holly Lim, de 56 anos.

Os amigos convidados para o jantar eram todos clientes de longa data, gratos pela oportunidade de "compartilhar Lim" e "curtir Lim". Essas frases eram ouvidas quando o champanhe foi servido, um Ruinart Brut Rosé, presente de um dos convidados, o dr. Philip Isherwood, médico local. "Amo champanhe, e também pinot noir e Bordeaux e tudo o mais", disse Kuan Lim antes da refeição.

Lim continua, a distância, cuidando do serviço de vinhos de seu restaurante. Ele contou que os clientes lhe enviam mensagens pedindo conselhos sobre como combinar vinhos "o tempo todo". Em janeiro, ele escreveu a missão de sua equipe, detalhando os vinhos que queria destacar para os clientes em 2020, incluindo um da região do Jura, na França, um riesling alemão e um cru Beaujolais. Ele acredita que todos têm um bom valor e complementam a comida do Lucky Palace.

Joe Davis, enólogo da Vinícola Arcadian, no condado de Santa Barbara, na Califórnia, observou que o grande entusiasmo de Lim é único. "Lim é generoso até demais. Vai abrir qualquer garrafa para você experimentar. Vai convencê-lo de uma forma ou de outra a amar vinho tanto quanto ele."

O vinho fino não estava na mente de Lim quando ele e sua esposa, Evelyn, abriram o Lucky Palace há 23 anos. Eles se conheceram na década de 1980, quando estudavam na Universidade do Sul do Illinois. Ele nasceu em Batu Pahat, uma cidade na Península da Malásia; ela é de Taiwan.

O casal estava a caminho de San Antonio, no Texas, para olhar um restaurante que queria comprar quando parou em Shreveport. Decidiu, em vez disso, abrir seu restaurante sino-americano em um Ramada Inn em Bossier City.

Nos primeiros anos, Lim acordava às quatro da manhã para preparar o bufê do café da manhã. Ele também era o motorista de entrega. "Fui ao posto de gasolina, comprei um mapa e comecei a dirigir. Levei duas horas para fazer a primeira entrega, por isso nem cobrei", recordou-se.

A evolução do Lucky Palace – que não serve mais café da manhã ou bufê – começou cerca de um ano depois de sua inauguração, quando um funcionário de um dos cassinos próximos aconselhou Lim a oferecer vinhos mais caros para vender a jogadores cheios de dinheiro. "Eu disse: 'O que você quer dizer? Tenho um zinfandel branco e algumas outras coisas'", lembrou-se Lim. Na época, seu vinho favorito era o Blue Nun.

Ele começou a estudar vinhos, o que coincidiu com uma transformação gradual do cardápio do Lucky Palace. O chef original do restaurante, James Cheng, era de Taipei, em Taiwan, e era assistido pela sogra de Lim, Chun Ling Fei, e seu cunhado, Teck Ong. Gerardo Orta Marcial, que é de San Luis Potosí, no México, é o chef há 15 anos.

David Bridges, chef de Shreveport, se lembra de ter sido atraído para o restaurante no início dos anos 2000 por causa do boca a boca. "Ouvi dizer que ele tinha alguns pratos que você não encontrava por aqui, como barbatana de tubarão, que não era algo reprovável naquela época, e salada de água-viva", disse ele.

Bridges e Lim se tornaram amigos íntimos e desenvolveram uma rotina: passavam a semana lendo sobre novos vinhos e depois escolhiam garrafas para provar durante os jantares de domingo à noite no Lucky Palace. Os jantares cresceram, atraindo entusiastas do vinho local e criando outros, e Lim ia aprimorando seu paladar.

Clientes do restaurante americano (Zerb Mellish/The New York Times)

Bridges, de 48 anos, se lembra de um teste cego de chardonnay com Lim. "Logo de cara, ele disse: 'Acho que este é de pedra vulcânica.' Pesquisei um pouco e percebi que ele estava certíssimo. Naquele momento, admiti: 'Lim, você me superou'", relatou Bridges.

O jantar em homenagem a Lim em agosto começou com peixe, emparelhado com Le Mesnil Blanc de Blancs, um champanhe não vintage de preço moderado. "Sempre gosto dessa combinação", disse Lim, que estava sentado à cabeceira da mesa.

Lim vive sozinho desde que ele e Evelyn se divorciaram há dez anos. Ela e o filho, Joshua, moram em Nova York. Holly Lim, que começou a trabalhar no restaurante em meados dos anos 2000, assumiu as funções de gerente de Evelyn. "A ex-mulher de Lim é minha melhor amiga. Meio estranho, eu sei", comentou ela.

A chegada de um prato de assinatura, peito de pato com pele crocante servido em uma panqueca de cebolinha, inspirou uma breve salva de palmas. É a resposta do Lucky Palace ao pato de Pequim. Para acompanhar, Kuan Lim escolheu um pinot noir de 2001 da vinícola Arcadian Sleepy Hollow, uma safra reverenciada na Califórnia.

Lim não estava se sentindo bem. Tinha acabado de recuperar o apetite no dia anterior, depois de sua última rodada de tratamentos contra o câncer. Essa era apenas a segunda vez que bebia vinho desde março. "Não sinto o gosto como sentia antes", disse ele.

A incerteza sobre quando os amigos poderão jantar novamente com Lim no Lucky Palace pairava no ar. Ele disse que ninguém na família está interessado em assumir o negócio. Mas Holly Lim prometeu continuar se algo acontecer a seu dono. "Lim é Lim, e farei com que sua memória seja mantida", garantiu ela.

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