Louis Vuitton quer convencer homem a comprar roupa ‘reciclada’
Desfile da “nova” coleção masculina aconteceu em Xangai ontem (6), propondo peças de roupa feitas com materiais antigos do estoque: o “upcycling"
Guilherme Dearo
Publicado em 7 de agosto de 2020 às 14h50.
Última atualização em 7 de agosto de 2020 às 14h54.
Imagine ir a uma loja e sentir uma sensação de déja-vu, de que você já viu aquelas roupas antes. Se por muito anos esse era o sentimento que as marcas mais temiam transmitir em suas coleções de moda, a Louis Vuitton quer fazer dele o coração de sua nova forma de pensar o negócio.
O desfile da “nova” coleção masculina da grife aconteceu em Xangai, na quinta-feira (6), propondo peças de roupa feitas com materiais antigos do estoque, um conceito chamado pela moda de “upcycling”, cujo foco é zerar o desperdício ao dar novo uso às matérias-primas ou roupas prontas.
A ideia partiu do estilista afro-americano Virgil Abloh, o mais incensado da moda “streetwear” e de luxo, que assumiu o posto máximo da divisão masculina da marca em 2018 e, agora, parece tomar toda as rédeas da criação e do que ele imagina ser o papel de uma marca de luxo.
Os mesmo viés de alfaiataria colorida, peças intercambiáveis e padrões geométricos que acompanham seu estilo desde o início de sua história estavam ali na passarela gigantesca montada na área portuária de Xangai. Segundo o próprio Abloh define no texto da coleção, a ideia é desafiar a noção do que é velho e novo, preto e branco, alto luxo e baixo.
Na prática, há de tudo: jaquetas luxuosas adornadas e brilho até as monocromáticas, lisas; camisas de corte ajustados usados por baixo de parcas volumosas ou trench coats que remetem às coleções desfiladas no ano passado; e tricôs estampados com imagens difusas ou tingidos.
O que une essa coleção atemporal é o pendor pueril dos bonequinhos colados às peças ou estampados nas bolsas de mão e mochilas já clássicas da marca. Obcecado pela imagem da infância, como se chamasse os homens a relembrar os dias lúdico quando a conta bancária não era uma preocupação –e, convenhamos, quando se trata de consumir luxo é preciso mesmo se desapegar dessa ideia–, Abloh da vida às criaturas simpáticas que apareceram na animação, criada pela grife e apresentada em julho, “Zoooom with Friends”.
É que além de repensar a vida útil de uma coleção, ele também questiona a sazonalidade das apresentações de moda divididas em estações. Por isso, para esse verão 2021 do hemisfério norte, tudo começou com uma apresentação virtual filmada em Asnières, onde começou a história da Louis Vuitton. No curta, essas criaturas apareciam preparando a coleção para enviá-la ao outro lado do mundo em containers, como “Uma Mensagem na Garrafa”.
Por isso que o desfile aconteceu no porto da cidade chinesa, que recebeu primeiro as mensagens dessa “garrafa”. Agora, ela viajará de novo em outras apresentações marcadas para acontecer até o final do ano. Já é sabido que uma das paradas dessa série de capítulo é o Japão.
O formato visto ontem é de um desfile clássico, com plateia gigantesca aglomerada nas filas. Trata-se, assim, do primeiro grande desfile no formato tradicional anterior à pandemia de Covid-19.
A temporada de apresentações virtuais dos últimos dois meses não causou o frisson esperado, e o luxo, provou-se ontem, não via a hora de voltar aos trilhos da passarela para recuperar o contato físico com imprensa, clientes e toda a indústria do consumo.
Do ponto de vista do negócio é um lance acertado de marketing e visão de longo prazo. Com a pandemia, o consumo interno dos países asiáticos se tornou a força motriz das vendas do luxo com a queda no turismo mundial.
Para um grupo que viu o faturamento encolher 27% no primeiro semestre, segundo relatório divulgado no final de julho, olhar para o leste parece ser ainda mais fundamental para a manutenção do poder.