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Com reinvenção do esporte, Fórmula 1 vive momento de ouro

Depois de enfrentar sua maior crise na pandemia, a categoria se consolida como o maior espetáculo mundial de competições

Grande Prêmio em Austin, nos Estados Unidos: recorde de público. (NurPhoto/Getty Images)
Rodrigo França

Jornalista

Publicado em 16 de fevereiro de 2023 às 09h06.

Quando a empresa americana Liberty Media comprou os direitos da Fórmula 1, em 2016, por 8,5 bilhões de dólares, a categoria estava sendo considerada ultrapassada e envelhecida. Não era para menos: a cultura do automóvel, tão valorizada durante o século 20, não parecia ter lugar mais no mundo, pelo alto consumo de combustíveis fósseis e pelos problemas de mobilidade urbana.

Pior: logo veio a pandemia, com todas as restrições consequentes. O Grande Prêmio da Austrália foi um dos primeiros eventos globais a serem cancelados. Sem o dinheiro dos promotores de corridas circulando na primeira metade do ano seria difícil manter o status de maior espetáculo de esporte mundial — ou “uma Copa do Mundo que acontece a cada 15 dias”, como bem definem seus organizadores.

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Recentemente, a Liberty Media recebeu uma oferta de um fundo soberano da Arábia Saudita de 20 bilhões de dólares, quase três vezes a quantia desembolsada seis anos atrás. O que aconteceu para essa rápida retomada de velocidade e ultrapassagem de qualquer expectativa?

Uma nova fase de ouro

O primeiro Grande Prêmio do ano acontecerá no próximo dia 5 de março, no Bahrein, em um ótimo momento da Fórmula 1. Os anos 2020 estão sendo chamados de “a nova era de ouro”. A última fase áurea da categoria aconteceu entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990. Muitos dos novos fãs daquela época, hoje na casa dos 40 ou 50 anos, se entusiasmaram com disputas épicas de uma fase com pilotos fora de série, como Ayrton Senna, Alain Prost, Nelson Piquet e Nigel Mansell, no cockpit de máquinas impressionantes, superando 300 quilômetros por hora com seus ruidosos motores V10 e V12.

O brasileiro Ayrton Senna: rivalidade com pilotos como Alain Prost trazia interesse para a categoria entre os anos 1980 e 1990 (Pascal Rondeau/Getty Images)

Foi justamente nessa época que os contratos saltaram de alguns milhares para milhões de dólares e os pilotos se tornaram superastros do esporte mundial. Foi também o momento em que o gestor da Fórmula 1 da época, Bernie Ecclestone, entendeu como poucos o potencial de transformar a categoria nessa “mini Copa do Mundo a cada duas semanas”.

Antes, a categoria funcionava mesmo como um circo — daí surgiu o clichê. Pilotos e equipes desembarcavam em uma cidade, faziam a corrida e arrecadavam o que a praça oferecia. E então viajavam para outro canto do mundo. A placa de pista do autódromo era do promotor local. Procure imagens antigas do Grande Prêmio do Brasil e você verá publicidade de empresas de atuação nacional, que provavelmente pagaram uma fração dos valores desembolsados hoje.

Ecclestone entendeu o poder do salto de interesse do púbico naquela primeira fase de ouro e o alto poder de transmissão para mais de 100 países via satélite. O empresário criou então a primeira emissora de TV efetivamente global, gerando imagens para o mundo todo, e não somente para os países-sede das corridas. Resultado: o faturamento publicitário deu um gigantesco salto.

Naquele momento foi preciso esquecer os antigos contratos entre amigos dos organizadores locais. Agora, se você quisesse ter sua marca exposta na Fórmula 1, precisaria passar necessariamente pelas câmeras de Ecclestone. Simples e eficiente. Como as equipes passaram a ganhar um dinheiro jamais imaginado pelos antigos garagistas, o promotor ganhava mais confiança e poder a cada temporada.

Antes mesmo da pandemia, o mundo dos esportes e da publicidade já não se resumia apenas às transmissões de TV. Os patrocinadores exigiam novas formas de engajar o público e expandir a marca. Avesso a mudanças em seu formato de negócio, Ecclestone vendeu então a Fórmula 1 — e, como espectador, assistiu a uma revolução com a qual provavelmente não estaria preparado para lidar como gestor.

O grupo Liberty Media trouxe o jeito americano de fazer e transmitir esporte. Dessa forma, ampliou o acesso a um público mais jovem, com forte interação e produção de conteú­do nas redes sociais, que chegavam a ser proibidas na era Ecclestone. E cativou uma nova geração de torcedores com a série Drive to Survive, exibida na Netflix — a quinta temporada estreia no final de fevereiro.

O sucesso da série, por sinal, conseguiu algo inédito em sete décadas de Fórmula 1, criada no pós-Segunda Guerra Mundial, em 1950: dar foco e visibilidade também ao pelotão de trás do grid. Com isso, novos protagonistas surgiram, como Guenther Steiner, o carismático chefe da Haas F1, que ficou popular por dar broncas em seus pilotos após erros nas pistas.

Times intermediários passaram a ser atraentes para acordos publicitários que até então só eram vistos em escuderias maiores. Sexta colocada no Mundial de Construtores no ano passado, a Alfa Romeo fechou com a empresa Stake o maior acordo comercial para um naming right de escuderia em 2023. A Force India foi salva da falência em 2019 pelo bilionário canadense Lawrence Stroll, um dos donos da Aston Martin. Para 2023 a escuderia inglesa contratou o bicampeão mundial Fernando Alonso.

A expectativa de que o esporte não se transforme em algo previsível, sempre com o mesmo piloto ou time vencendo, entusiasma dos fãs aos donos de equipes. A alternância nos pódios deve dar um salto daqui a três anos, com a chegada de novos times, novas montadoras e, possivelmente, até com brasileiros entre os titulares.

Brasileiros de volta

Uma nova Fórmula 1 é prometida para 2026. A expectativa é de uma categoria ainda mais competitiva, com mais montadoras, novas equipes e, claro, espaço para novos talentos. Uma das escuderias anunciadas é a Audi — mas Porsche e Chevrolet (por meio da Cadillac) também já demonstram interesse.

Um pacote de regras especial vai tornar o custo dos motores mais viável para novas marcas e permitir o uso de 100% de combustível sustentável. Se pelo menos dois novos times entrarem na categoria, a ampliação de vagas disponíveis deve deixar o mercado de pilotos em ebulição.

Enquanto o Brasil torce por Hamilton ou Verstappen, os torcedores aqui apostam em três jovens talentos para retornar ao grid de forma oficial — todos já estão contratados por equipes de Fórmula 1. São eles Pietro Fittipaldi, reserva da Haas, Felipe Drugovich, atual campeão da Fórmula 2 e reserva da Aston Martin, e Enzo Fittipaldi, a jovem revelação agora contratada pela Red Bull na Fórmula 2.

Desde que Pietro Fittipaldi correu as duas últimas provas de 2020 pela Haas, substituindo Romain Grosjean, o Brasil não tem representantes titulares — Felipe Massa foi o último a correr a temporada inteira pela Williams, em 2018.

Efeito pop na Fórmula 1

Enquanto esse momento não chega, a Fórmula 1 é palco de uma rivalidade intensa entre dois gênios do esporte, Max Verstappen e Lewis Hamilton. A disputa é apontada como a mais quente desde Ayrton ­Senna contra Alain Prost. Os dois pilotos têm estilos parecidos na pista, mas fora delas são praticamente opostos: enquanto Verstappen comete por vezes atitudes desleais nas pistas e abusa de declarações politicamente incorretas, Hamilton parece cada vez mais confortável em seu papel de ativista social e ambiental.

O holandês Max Verstappen: atitudes polêmicas nas pistas de corrida e declarações politicamente incorretas (NurPhoto/Getty Images)

A safra de novos talentos ajudou a criar um efeito pop na Fórmula 1, especialmente graças a Lewis Hamilton, cuja fama transcende o esporte e o torna ídolo de milhões de pessoas. No Brasil, a torcida para Hamilton chega a lembrar o fanatismo antes visto apenas a pilotos nascidos aqui — em 2022 ele se tornou cidadão brasileiro honorário. Mas não é só ele. Lando Norris, da McLaren, Charles Leclerc, da Ferrari, e George Russell, da Mercedes, movimentam multidões — seus desembarques em aeroportos e suas chegadas a hotéis lembram os de celebridades da música.

O britânico Lewis Hamilton: perfil ativista e rivalidade com Verstappen (Mark Thompson/Getty Images)

O efeito das redes sociais, o sucesso na Netflix e a nova geração de talentos despertaram novo interesse pela Fórmula 1. O rejuvenescimento do esporte é sentido por equipes, patrocinadores e promotores de eventos — e isso é música para os ouvidos dos patrocinadores. A Liberty expandiu as corridas para novos mercados, principalmente na Ásia e no Oriente Médio, e passou a promover provas de rua. Com isso, a categoria bate recorde atrás de recorde de público — em Austin, nos Estados Unidos, um território até então pouco explorado pela Fórmula 1, foram mais de 400.000 pessoas nos três dias de Grande Prêmio.

Os índices de TV e audiência global seguem em alta. Dessa forma, a ameaça de outros esportes e até mesmo outras categorias, como a Fórmula E, ficaram para trás. A temporada 2023 começa com a expectativa de uma disputa de título de pelo menos três equipes, já que a Mercedes evoluiu consideravelmente no final do ano passado e passou a fazer frente à Ferrari e à atual campeã Red Bull. Antes mesmo da largada, uma coisa é certa: a categoria já tem sua fórmula de sucesso pronta para os próximos anos.

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