Orlando Magic e San Antonio Spurs, em jogo de fevereiro de 2020, antes da paralisação da NBA: após quatro meses, jogam estão de volta (Logan Riely/NBAE via Getty Images/Getty Images)
Guilherme Dearo
Publicado em 30 de julho de 2020 às 11h00.
Última atualização em 30 de julho de 2020 às 11h11.
Depois de 141 dias em paralisação por conta da pandemia do novo coronavírus, a NBA, a liga nacional de basquete dos EUA, está de volta. Hoje (30), entram em quadra Utah Jazz e New Orleans Pelicans às 19h30 (transmissão no SportTV); e Los Angeles Clippers e Los Angeles Lakers às 22h (transmissão de SportTV e Band).
A temporada 2019-2020 está longe, contudo, de terminar da maneira que começou. Se o meio da temporada, em janeiro, ficou marcado pela trágica morte de Kobe Bryant e sua filha, a temporada terminará com expectativa e felicidade pelo retorno da bola na quadra, mas também com um sentimento de anticlímax, uma vez que não haverá jogos nos moldes normais: no velho clima de festa que a NBA sabe criar como poucos, com cada time jogando em sua casa e visitando o adversário, sempre em arenas lotadas com dezenas de milhares de pessoas vibrando com cada lance.
Para encerrar a temporada de forma segura, os times estão isolados desde 7 de julho no complexo Walt Disney World Resort, em Orlando, Flórida. Com raras exceções, como emergências familiares, os 344 jogadores e as comissões técnicas não podem deixar a "Bolha", ficando todos concentrados em três resorts espalhados pelo grande complexo da Disney: Gran Destino, Grand Floridian e o Yatch Club. As famílias dos jogadores só serão permitidas após a primeira rodada dos playoffs e eles deverão passar por período de isolamento.
No campus da Disney, os jogadores descansam nos hotéis, treinam em quadras montadas às pressas, participaram de jogos amistosos que aconteceram na última semana e, a partir de hoje, se enfrentam no Wide World of Sports Complex rumo às finais de conferência e à grande final. Nada de público ao vivo, contudo. Grandes telões com o rosto de fãs ao redor do mundo vão preencher o espaço das arquibancadas e dar o sentimento de presença. Os jogos acontecerão no The Arena (duas quadras de treino e uma quadra de jogo); no Visa Athletic Center (uma quadra de treino e uma quadra de jogo); e no HP Field House (uma quadra de jogo).
Todo esse grande esquema inédito na história da liga, claro, foi pensado para impedir que alguém contaminado com Covid-19 acabe transmitindo o vírus para jogadores. Diversos jogadores doentes, desfalcando os times de maneira grave, certamente demoliria qualquer chance do campeonato chegar até o fim e seria um desastre para a NBA.
Entre outras medidas protetivas, detalhadas em um manual de 113 páginas entregue aos times, estão testes constantes de temperatura e de Covid-19, telas de proteção que separa os times de outros funcionários, o banco de jogadores com cadeiras mais espaçadas entre si e uso obrigatório de máscaras todo o tempo, exceto durante treinos e jogos. Outra novidade: jogadores e equipes usam uma pulseira eletrônica que apita quando duas pessoas ficam por mais de cinco segundos perto uma da outra a uma distância menor que 1,8m. Os jogadores também vão usar o anel inteligente Oura, que monitora temperatura, respiração e frequência cardíaca. Ele pode ajudar a indicar sintomas iniciais de contaminação por Covid-19.
Para que os jogadores não enlouqueçam na quarentena forçada em Orlando, já que estão acostumados a se divertir e descansar entre uma vitória e outra em tempos normais (que Dennis Rodman o diga), os resorts têm oferecido algumas amenidades, como serviço de spa, manicure e cabelo, transmissão de filmes em salas de cinema, apresentações online de DJs e até boliche, golfe e pingue-pongue.
O campeonato adotou uma forma resumida para chegar ao fim e sagrar um campeão. Dos trinta times, apenas 22 retornaram. Os demais foram liberados, pois matematicamente já não teriam chances, no novo formato, de chegar aos playoffs (os mata-matas da liga), como o New York Knicks, o Golden State Warriors e o Chicago Bulls.
Com nove times do lado Leste (Milwaukee Bucks, Toronto Raptors, Boston Celtics, Miami Heat, Indiana Pacers, Philadelphia 76ers, Brooklyn Nets, Orlando Magic e Washington Wizards) e 13 do lado Oeste (Los Angeles Lakers, Los Angeles Clippers, Denver Nuggets, Utah Jazz, Oklahoma City Thunder, Houston Rockets, Dallas Mavericks, Memphis Grizzlies, Portland Trail Blazers, New Orleans Pelicans, Sacramento Kings, San Antonio Spurs e Phoenix Suns), eles jogarão mais oito jogos, até decidir os oito primeiros colocados de cada conferência, que passam aos mata-matas. Haverá chance de repescagem, para o nono colocado, dependendo de quão atrás ele estiver do oitavo. Os oito jogam restantes vão totalizar cerca de 71 jogos na temporada, não 82, como seria normalmente. Há quem tenha reclamado, portanto, que o formato reduzido favoreceu as equipes que já estavam bem posicionadas na tabela.
Os playoffs, finais de conferência e grande final ocorrem nos moldes tradicionais. Só não haverá, claro, as vantagens do mando de quadra. Os jogos da "temporada regular" vão até o meio de agosto. A partir de 17 de agosto, começam os playoffs. As finais de conferência acontecem a partir de 15 de setembro e a grande final deve começar em 30 de setembro. Até 13 de outubro, a final deverá terminar (se for até o jogo 7; ela pode acabar antes disso). A temporada 2020/2021 já começará no mesmo formato de bolha, com treinamentos a partir de novembro. É provável que a primeira metade da temporada do ano que vem também ocorra com isolamento de times e falta de público presente na quadra.
O novo formato da NBA não virá sem grandes custos para a liga. A NBC estima que a liga perdeu US$ 466 milhões por não contar com bilheteria de plateia no restante da temporada. Lembrando que os jogos dos mata-matas e finais são os mais disputados. Cerca de 40% da receita da liga vêm com tíquetes e venda de merchandising nas arenas. Acordos televisivos também foram prejudicados com os quatro meses de paralisação, o que drenou mais dinheiro, cerca de US$ 700 milhões. A NBA consegue cerca de US$ 2,7 bilhões anuais em acordos de transmissão. Em 2019, o faturamento total da NBA foi de US$ 8,76 bilhões.
A NBA também pagou US$ 150 milhões à Disney para contar com sua estrutura no resumo da temporada, certamente um gasto não previsto no orçamento feito em 2019. Para a temporada 2020/2021, a liga já teme pelo pior: diante da pandemia ainda longe do controle nos Estados Unidos e com a vacina ainda sem previsão concreta, os primeiros meses da próxima temporada ainda deverão ser sem público presente. E, mesmo que os eventos esportivos voltem a permitir aglomeração de pessoas, dificilmente as cadeiras ficarão totalmente preenchidas em um primeiro momento. Em resumo: problemas financeiros à vista. Joe Lacob, proprietário do Golden State Warriors, time campeão três vezes nas últimas cinco temporadas, disse à ESPN que considera arrecadar US$ 250 milhões junto ao fundo Goldman Sachs para cobrir futuros prejuízos. Analistas preveem uma próxima temporada com times cortando a folha de pagamento e colocando muitos jogadores excelentes à venda.
Os times não estão, também, muito felizes com a temporada atual. Dos 30 times, somente o Milwaukee Bucks não aprovou em votação a solução da NBA para finalizar o campeonato. Mas o descontentamento é mais generalizado. Jogadores e times estão acostumados a jogar uma temporada que vai de outubro a junho, ou seja, todos têm mais de três meses para descansar, se recuperar de lesões e organizar estratégias. Agora, será apenas um mês e meio entre o fim do campeonato 2019/2020 e o início dos treinamentos para o próximo. Claro, quem nem chegou a embarcar para Orlando, como o Golden State Warriors, começa em vantagem para 2021.
Nessa volta de temporada, a NBA não arriscou não a dar bola para o movimento Black Lives Matter que tomou conta dos Estados Unidos no último mês, afinal, quase 75% dos jogadores da liga são negros.
A liga criou um comercial oficial que admite que sim, o racismo existe e está em “todo lugar”. O vídeo mostra jogadores em protestos e técnicos, brancos, falando que o racismo é um problema sério e que precisa ser combatido. Durante os jogos amistosos que ocorreram na “bolha”, a quadra contou com uma grande aplicação onde se lê “Black Lives Matter” e todos os técnicos usaram um broche na camisa que diz “Coaches for Racial Justice” (“Técnicos pela Justiça Racial”). Isso deve se manter agora.
Para os jogos da temporada, a liga chegou a um acordo com os jogadores e eles poderão, caso queiram, usar frases de protesto na parte de trás de suas camisas. Nos primeiros quatro dias de jogos, a frase poderá substituir o nome do jogador. Depois, ela terá de estar abaixo do nome. Há uma lista com mensagens pré-aprovadas: Black Lives Matter (Vidas negras importam); Say Their Names (Diga seus nomes); Vote (voto); I Can’t Breathe (Eu não consigo respirar); Justice (Justiça); Peace (Paz); Equality (Igualdade); Freedom (Liberdade); Enough (Chega); Power to the People (Poder para as pessoas); Justice now (Justiça agora); Say Her Name (Diga o nome dela); Sí Se Puede (Sim, podemos); Liberation (Libertação); See Us (Nos veja); Hear Us (Nos escute); Respect Us (Nos respeite); Love Us (Nos ame) Listen (Ouça); Listen to Us (Nos ouça); Stand Up (Se posicione); Ally (Aliado); Anti-Racist (Anti-racista); I Am A Man (Eu sou homem); Speak Up (Fale); How Many More (Quantos mais); Group Economics (Economia de grupo); Education Reform (Reforma da educação) e Mentor (Mentor).
Com o apoio direto da liga, times e jogadores, sem medo de represálias por “se envolverem em política”, não têm escondido seu engajamento no movimento. Atual campeão, o time Toronto Raptors customizou o ônibus do time com a cor preta e a frase “Black Lives Matter”. Jogadores como Jaylen Brown, do Boston Celtics, Giannis Antetokounmpo, do Milwaukee Bucks, Russell Westbrook, do Houston Rockets, e Stephen Curry, do Golden State Warriors, já foram em marchas gritar “Vidas Negras Importam”. LeBron James, considerado o melhor jogador da atualidade, atualmente no Los Angeles Lakers, disse em entrevista que, para uma pessoa negra como ele, “Black Lives Matter” não é um movimento, mas um estilo de vida.