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A marca de Von Furstenberg enfrenta dificuldades

A estilista que por décadas foi o rosto da moda americana de repente corre o risco de se tornar o exemplo mais reconhecível da crise

Diane von Furstenberg em evento da UNICEF (Krista Schlueter/The New York Times)
DS

Daniel Salles

Publicado em 17 de outubro de 2020 às 06h10.

No fim de fevereiro, quando o coronavírus estava começando a se espalhar pela Europa, um grupo de pessoas da elite que incluía gente como Anna Wintour, Jeff Bezos e Seth Meyers se reuniu nos salões dourados do século XIX do Ministério da Europa e das Relações Exteriores em Paris para ver Diane von Furstenberg ser premiada com a Légion d'Honneur.

"A mulher que veste Diane von Furstenberg tem liberdade de movimento e liberdade para controlar a própria vida", disse Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, que usava um terninho DVF vermelho e que prendeu a medalha no vestido de veludo de von Furstenberg.

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Ela observou que von Furstenberg, de 73 anos, merecia a honra por seu serviço à libertação das mulheres, por arrecadar US$ 100 milhões para a renovação da Estátua da Liberdade e pelo que ela significava para a moda.

Em quatro meses, as operações britânicas e francesas da empresa de von Furstenberg haviam pedido falência para se reorganizar. Pouco mais de 60 por cento da equipe corporativa e de varejo nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França foi demitida, os credores reclamavam de contas não pagas e von Furstenberg estava fazendo planos para fechar 18 de suas 19 lojas diretamente operadas nos EUA. Ela está transformando sua empresa física em um negócio focado no valor da propriedade intelectual de sua marca, que pode ser anexado a produtos e iniciativas de e-commerce.

Sua glamorosa marca pessoal mascarava o fato de que sua linha de moda estava perdendo dinheiro havia anos. Sua empresa, como muitas marcas do setor, contava com um modelo de negócio antigo. Quando a pandemia chegou e as lojas foram fechadas, não houve escapatória. "O coronavírus é muito mais prejudicial se houver uma condição pré-existente", disse Von Furstenberg.

Os efeitos da pandemia, que levou à falência redes de varejo como a Neiman Marcus e a J.C. Penney, além de empresas como a J.Crew, chegaram ao setor de estilistas. E von Furstenberg, que por décadas foi o rosto da moda americana, tanto como inventora do vestido envelope quanto como líder do Conselho de Designers da Moda dos EUA por 13 anos, de repente corre o risco de se tornar o exemplo mais reconhecível da crise.

Manequins em loja da Diane Von Furstenberg em Nova York (Brittainy Newman/The New York Times)

A questão é se ela pode reestruturar seu negócio ao mesmo tempo que evita a falência nos Estados Unidos, mantendo seu nome e passando por esse período com sua reputação intacta o suficiente para se tornar o rosto da recuperação da indústria. Ela está tentando criar um modelo de negócio que possa ser transmitido, como ela sonhou, para uma nova geração por meio de sua neta de 21 anos, Talita von Furstenberg.

"Não há vergonha em admitir que você está em apuros. Isso me mata, mas mata todo mundo. Todos os estilistas estão me ligando. Quero dizer às pessoas que isso acontece com todo mundo", afirmou Diane von Furstenberg.

Mas há muitas pessoas infelizes, desde funcionários que foram dispensados sem indenização até vendedores que não foram pagos, para quem essa explicação pode não ser suficiente.

De acordo com von Furstenberg, os problemas financeiros da empresa começaram por volta de 2015 – logo depois do 40º aniversário de seu vestido envelope e da publicação de seu livro de memórias, "The Woman I Wanted to Be". A estilista estava pensando em seu legado e, segundo ela, ouviu conselhos de que seu objetivo deveria ser "construir um grande negócio operacional" seguindo a cartilha de marcas de luxo desenvolvida pela Gucci e pela Dior: abrir lojas em distritos da moda nas capitais ao redor do mundo. Entre 2013 e 2015, ela quase dobrou seu número de lojas próprias.

Esse movimento impôs aluguéis caros e longos ao negócio, numa época em que marcas digitais mais ágeis cresciam. A empresa também estava em turbulência criativa, tendo trocado cinco estilistas em dez anos.

"Começou a haver uma verdadeira inconsistência na direção criativa, e isso saiu muito caro, porque começamos a perder clientes", explicou Sandra Campos, diretora executiva da marca até sua saída no mês passado.

A empresa foi mantida à tona pela riqueza de von Furstenberg e de seu marido bilionário, Barry Diller. Em 2016, von Furstenberg contou ter percebido seu erro e começou a se retirar do varejo, mas só em 2018 ela contratou Campos como executiva-chefe e um plano de reestruturação foi criado.

No Instagram, no qual von Furstenberg tem 232 mil seguidores, ela postou cenas luxuosas de viagem, conselhos e mantras motivacionais, além de fotos de si mesma quando jovem e como avó dedicada. Um plano de sucessão foi iniciado com a introdução de uma pequena coleção de sua neta Talita no ano passado. Chamada de "TVF for DVF", foi celebrada em um almoço em outubro, repleto de jovens socialites no bairro do SoHo, em Nova York.

Mas, quando a pandemia começou a atingir o setor varejista, os problemas da DVF se transformaram em crise. Em janeiro, quando o vírus forçou um bloqueio na China, a empresa começou a adiar os pagamentos aos fornecedores, lutando contra uma grande perda de receita dos consumidores chineses, que representavam 20 por cento das vendas globais da marca. À medida que o vírus se espalhava pela Europa, as coisas pioraram. No início de junho, a DVF supostamente devia mais de US$ 10 milhões em aluguel de lojas e milhões a mais aos fornecedores. A empresa se recusou a comentar o assunto.

Diane von Furstenberg em Washington, nos Estados Unidos (Anna Moneymaker/The New York Times)

"Uma retomada, em épocas normais, leva de três a cinco anos, exige paciência e consistência de design e estratégia. Então a Covid chega no meio do processo. Você pode ter de tomar decisões que não tomaria em outras circunstâncias", resumiu Campos.

Von Furstenberg, Diller e os filhos dela, Alex e Tatiana – a maioria do conselho de seis pessoas da empresa –, decidiram "encolher tudo e voltar ao básico", contou Diane von Furstenberg. Eles querem cortar o supérfluo e preservar a marca até que a DVF possa crescer novamente, ou até que Talita assuma. Mais da metade dos empregados foram demitidos, muitos sem indenização.

A DVF fechou um acordo com uma parceira chinesa, a ZBT Ltd., para não apenas operar todas as 38 lojas de franquias no país, mas também para lidar com produção, fornecimento e desenvolvimento de tecidos, além de gerenciar o relacionamento com o fabricante de longa data da DVF na China. As lojas restantes fora dos Estados Unidos são todas franquias. Campos se tornou consultora de meio período depois de pedir demissão no mês passado. "Eu não podia pagar o salário dela", disse von Furstenberg.

A existência física da DVF nos Estados Unidos será limitada ao térreo de sua sede no bairro Meatpacking District, em Nova York.

Se o plano funcionar, marcará a terceira iteração da empresa, que começou em 1972, quando von Furstenberg chegou a Nova York com seu marido na época, o príncipe Egon von Furstenberg. Acordos de licenciamento excessivamente zelosos em tudo, desde óculos até bagagem, marcaram o fim da era original da DVF. Von Furstenberg se distanciou da marca, mas em 1992 foi atraída de volta à moda pela QVC, e cinco anos depois se iniciou a próxima etapa da DVF.

Agora, as demissões e problemas com os fornecedores colocaram von Furstenberg em uma posição delicada.

Em 13 de abril, ela postou uma foto de si mesma no Instagram com a legenda: "Esta pausa forçada está nos dando tempo para pensar... tirar vantagem disso, para uma redefinição final... Tenham uma boa semana e cuidem-se."

Alguém respondeu em um comentário, agora apagado, que circulou via captura de tela entre funcionários atuais e antigos: "Durante essa pausa forçada e pensativa, você teve alguma ideia de como os funcionários da @DVF (que foram postos em licença sem salário) aproveitariam esse tempo de inatividade? Alguns estão lutando para pagar contas, alimentar a família e aproveitar esse tempo de redefinição que você menciona."

Alguns fornecedores da marca ainda estão esperando pagamentos do fim do ano passado. Emily Thompson, dona de uma empresa de flores em Manhattan, contou que ainda não recebeu os mais de US$ 20 mil pelo almoço de outubro, realizado para a coleção de Talita von Furstenberg.

Diane von Furstenberg disse não culpar Thompson por estar chateada e tinha toda a intenção de pagar o que era devido – ou pelo menos o máximo que pudesse – tanto a seus fornecedores quanto à sua equipe. "Seremos o mais justos possível. Os fornecedores menores definitivamente serão pagos. Assumo – claro que sim", afirmou.

Ela observou que isso é necessário, pois está escrevendo um novo livro, chamado "Own It" (Assuma/Faça por Merecer).

Ela acrescentou que o que estava fazendo com a marca era "o que eu provavelmente deveria ter feito há algum tempo" e que tinha uma sensação cada vez mais positiva em relação ao futuro. "Posso ver a luz no fim do túnel, mas as coisas mudam do dia para a noite. Então, quem sabe? Uma grande onda poderia vir e estaríamos novamente com problemas."

 

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