Por que esta pesquisadora de Harvard aposta no trabalho híbrido
Em entrevista à EXAME, Tsedal Neeley, especialista da Harvard Business School, explica por que a mudança no trabalho durante a pandemia foi grande demais para simplesmente sumir agora
Luísa Granato
Publicado em 21 de setembro de 2021 às 08h00.
Última atualização em 24 de setembro de 2021 às 15h21.
Após duas décadas de estudos sobre a tendência do trabalho, a americana Tsedal Neeley, professora da prestigiada escola de negócios Harvard Business School, ficou surpresa ao ver como as empresas mundo afora seguiram funcionando bem durante a pandemia.
Claro, sem levar em consideração alguns percalços aqui, outros ali, como conexões de Wi-Fi instáveis, filhos, pets ou obras de vizinhos atrapalhando a concentração, o home office saiu fortalecido na cultura de muitas empresas até então completamente avessas a esse modelo de organização do trabalho.
“E eu aprendi que, quando necessário, as pessoas mudam a forma de trabalhar e podem se manter criativas”, disse Neeley à EXAME. Boa parte das constatações de Neeley está em A Revolução do Trabalho Remoto, livro lançado em julho deste ano (Editora Benvirá) para reunir ensinamentos da gestão corporativa a ser tirados da pior crise sanitária da história moderna.
O que acontecerá no dia a dia das empresas daqui para a frente, num mundo já com vacinas eficazes no controle dos sintomas mais graves da covid-19 e, por isso, com negócios já começando a chamar os funcionários de volta ao escritório, ninguém sabe ao certo.
Na entrevista a seguir, a especialista da Harvard Business School explica à EXAME por que a mudança no trabalho durante a pandemia foi grande demais para simplesmente sumir agora que a circulação de pessoas está ficando mais ou menos segura.
Exame: Você pesquisa sobre o trabalho remoto há anos, quais são seus pensamentos sobre como as empresas lideram com a migração para o remoto no ano passado?
Tsedal Neeley: Tenho pesquisado sobre o trabalho remoto nos últimos 20 anos por causa da tecnologia. Eu vi que a tecnologia iria nos permitir alcançar mais pessoas e mudar a natureza do trabalho. Há 15 meses, boa parte dos trabalhadores migrou para o trabalho de casa. Claro, muitos não puderam fazer isso pela natureza do seu serviço.
Quem pode, foi para o remoto. E eu fiquei impressionada com a rapidez para se adaptar ao digital e procurar ferramentas para a colaboração remota, como vídeo conferências e ferramentas internas de comunicação. Essas eram apenas periféricas ao trabalho antes, um suplemento, e foram parar na linha de frente.
Em alguns lugares, a mudança foi em cinco dias. Muito rapidamente o trabalho e os times estavam distribuídos. E não apenas foram produtivos, mas muitos mostraram uma produtividade maior do que antes. Então eu acho que todos recebem nota 10 pela rápida transição, a adoção ágil de tecnologias. E eu aprendi que, quando necessário, as pessoas mudam como trabalham e podem se manter criativas.
Exame: E agora o grande tópico é o trabalho híbrido. Algumas pessoas querem voltar ao jeito que era antes, mas alguns preferem ficar certos dias em casa ou preferem jamais voltar ao escritório. Como encontrar o equilíbrio no cenário híbrido?
Tsedal Neeley: Vai ser desafiador. Primeiro, as empresas precisam compreender o porquê de as pessoas quererem o híbrido e então criar um modelo que acomode esse desejo. E as pessoas querem o que chamamos de flexibilidade entre a vida pessoal e o trabalho.
No Estados Unidos e em outros países, acredito que no Brasil também, já se falou muito de equilíbrio entre vida pessoal e o trabalho. No entanto, isso nunca é alcançado, você sempre perde um pouco de cada lado. Por isso o título do meu livro fala em “revolução”, fomos expostos a uma nova abordagem de trabalho em que um equilíbrio maior é possível, a produtividade aumenta e os atritos com a vida diminuem para termos uma harmonia maior.
Agora, a questão que trago é: quando voltarmos ao escritório no cenário híbrido é preciso ter clareza sobre o porquê. Se é para colaborar ou confraternizar, estar no mesmo ambiente ou inovar, você precisa pensar em formas em que isso fará sentido. Não adianta retornar ao escritório e replicar um dia de trabalho como antigamente, com todos sentados no computador fazendo coisas que poderiam realizar em casa. Muita gente não vai achar isso atrativo.
Exame: Que hábitos e ferramentas do modelo remoto você recomenda para os times manterem após a pandemia?
Tsedal Neeley: Vamos ter momentos em que alguns estarão presentes e outros, remotos. Esse formato não é novo, na verdade, organizações globais ou nacionais com times espalhados em mais de uma localização já operam assim há décadas. É necessário desenvolver novas práticas de comunicação para incluir quem não está na sala. Os líderes precisam garantir isso.
No fim, é uma responsabilidade de cada indivíduo e dos líderes para seguir regras de engajamento e de boa comunicação. E trago isso no meu livro. Mesmo após a Covid-19, muitos lugares não devem voltar a encher uma sala de conferência de pessoas. Muitos não se sentem seguros ainda para fazer isso e alguns lugares nem possuem mais a estrutura física para isso. Acho que existe um cenário em que certas conversas não precisarão acontecer no escritório.
Exame: Qual o maior desafio que a liderança deve focar para os times remotos ou híbrido?
Tsedal Neeley: A mudança pela qual os líderes precisam passar é entender que o seu maior inimigo será o sentimento das pessoas de estarem ‘de fora’. As pessoas vão se conectar com o trabalho e a companhia através do que o líder está falando, seja ao vivo ou por e-mail.
Segundo, em termos de como lideram e administram: o foco deve ser no resultado e não no processo. O segundo inimigo são os microgerenciadores. Essa é a pior coisa que pode ser feita. As pessoas já provaram que podem trabalhar fora do escritório. O foco deve ser no feedback e aprendizado, os líderes precisam garantir que estão dando retorno sobre a performance e dando oportunidades para as pessoas se desenvolverem e crescerem.
Outra coisa, o líder vira um facilitador que ajuda o time a trabalhar como uma unidade coerente. Ele deve ajudar as pessoas a usarem as ferramentas digitais corretas, seguir as normas e ajudá-las a trabalhar bem em conjunto.
Acho que o ponto principal é que a razão pela qual as pessoas se preocupam com esse futuro é que ele é mais difícil. Você precisa abrir mão do controle e estar mais presente para o seu time sem microgerenciar.
Exame: E qual o próximo passo da revolução remota?
Tsedal Neeley: As empresas inteligentes vão aprender que as pessoas mudaram. Os desejos de como as pessoas querem viver e trabalhar mudaram. A flexibilidade vai construir o futuro, pois mudar do remoto para voltar ao que era antes vai ser um retrocesso.
A Covid-19 é horrível e trouxe muita dor. No entanto, ela trouxe uma aceleração do avanço digital na sociedade. O equilíbrio entre vida e trabalho entrou na pauta das empresas, o acesso a talentos passou fronteiras e mais pessoas aprenderam a usar ferramentas digitais do que nunca. E os líderes têm que liderar o próximo progresso para formar o híbrido 2.0 ou 3.0.
Estamos discutindo sobre como os lugares físicos são ótimos para a colaboração no 2.0. E no 3.0 a transformação estará instalada e vamos começar a injetar inteligência artificial e robôs nessa mistura. Se parece complicado agora, espere até chegarem os robôs. Vamos abrir muito mais possibilidades. Quem falar não agora, vai perder competitividade.
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