Carreira

O alto preço da toxicidade: como chefes abusivos estão envenenando o ambiente corporativo brasileiro

Assédio moral, pressão excessiva e a glorificação da produtividade a qualquer custo - até quando vamos tolerar essa faceta da cultura do excesso?

Um estudo recente da Harris Poll revelou que 71% dos trabalhadores americanos já tiveram pelo menos um chefe tóxico ao longo de suas carreiras (foto/Thinkstock)

Um estudo recente da Harris Poll revelou que 71% dos trabalhadores americanos já tiveram pelo menos um chefe tóxico ao longo de suas carreiras (foto/Thinkstock)

Joaquim Santini
Joaquim Santini

Pesquisador, consultor e palestrante sobre a vida organizacional

Publicado em 4 de dezembro de 2024 às 16h51.

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A presença de chefes tóxicos no ambiente corporativo brasileiro, assim como a cultura do excesso, é uma realidade preocupante que molda nosso modo de existir e trabalhar. Embora ainda haja uma escassez de estudos específicos sobre o tema no país, relatos de funcionários e discussões nas redes sociais evidenciam que esse problema está longe de ser uma exceção. Em uma sociedade que parece valorizar a quantidade sobre a qualidade, o assédio moral, uma das faces mais perversas da toxicidade no trabalho, encontra terreno fértil para prosperar.

As denúncias de assédio moral aumentaram significativamente nos últimos anos, segundo dados do Ministério Público do Trabalho. As consequências desse tipo de abuso transcendem o ambiente profissional, impactando a saúde mental, a autoestima e até mesmo os relacionamentos pessoais das vítimas.

A toxicidade sobrevive de escala

A sociedade brasileira, marcada por uma estrutura hierárquica rígida e pela famosa cultura do "jeitinho", pode inadvertidamente perpetuar comportamentos tóxicos no ambiente de trabalho, glorificando a produtividade acima de tudo e permitindo que líderes abusem desse contexto para manipular, intimidar ou desrespeitar seus subordinados. Essas características, muitas vezes enaltecidas como positivas, acabam encontrando espaço em organizações que valorizam resultados acima de tudo, em uma busca incessante por mais que nos leva a questionar até que ponto conseguimos sustentar essa corrida.

Um estudo recente da Harris Poll revelou que 71% dos trabalhadores americanos já tiveram pelo menos um chefe tóxico ao longo de suas carreiras, evidenciando como essa cultura do excesso e da pressão por resultados se manifesta globalmente.

Embora muitos funcionários tolerem esses líderes abusivos por necessidade financeira, pesquisadores da Ohio State University Fisher College of Business descobriram que a percepção de sucesso desses chefes pode influenciar a disposição dos subordinados em suportar seus comportamentos negativos. Outro ponto relevante desse estudo é que os funcionários tendem a interpretar o abuso de chefes de alto desempenho como "amor duro", acreditando que trabalhar sob sua liderança pode impulsionar suas próprias carreiras, em uma perigosa distorção do que realmente importa no ambiente profissional.

No entanto, não há evidências concretas de que essa associação seja verdadeira. Líderes desrespeitosos e intimidadores podem corroer a cultura organizacional e prejudicar o desempenho da empresa a longo prazo. Conforme enfatizado pelo professor Donald Sull, do MIT Sloan School of Management, é possível estabelecer altos padrões de desempenho sem recorrer a comportamentos abusivos. Quando tolerada, essa conduta tóxica pode afastar talentos valiosos e comprometer a saúde da organização, em uma clara demonstração de como a busca incessante por mais pode, na verdade, levar a menos.

Identificando  o abuso

O abuso no ambiente de trabalho, uma das manifestações mais perversas da cultura do excesso, pode se apresentar de diversas formas, desde críticas excessivamente duras e sabotagem até assédio moral em grupo. De acordo com o grupo de defesa antibullying End Workplace Abuse, os abusos podem ser divididos em três categorias principais:

Abuso Verbal: O abuso verbal é uma das formas mais comuns de maus-tratos no local de trabalho. Isso pode incluir:

  • Culpar ou induzir culpa: O agressor pode atribuir a culpa ao funcionário por problemas que não são de sua responsabilidade, fazendo com que se sinta culpado e inadequado.
  • Desconsiderar e minimizar: O abusador pode desvalorizar as realizações, ideias ou preocupações do funcionário, fazendo com que se sinta insignificante e sem importância.
  • Críticas ou repreensões excessivamente duras: O agressor pode usar um tom condescendente, sarcástico ou até mesmo cruel ao fornecer feedback, deixando o funcionário se sentindo atacado e desmoralizado.
  • Tirar conclusões precipitadas sobre o que o funcionário pensa: O abusador pode fazer suposições sobre as intenções, motivações ou pensamentos do funcionário sem se envolver em um diálogo aberto, levando a mal-entendidos e conflitos.
  • Falta de disposição para dialogar: O agressor pode se recusar a ouvir as preocupações, ideias ou feedback do funcionário, criando uma atmosfera de desconfiança e alienação.

Sabotagem: A sabotagem é outra forma de abuso no local de trabalho que pode prejudicar seriamente a carreira e o bem-estar de um funcionário. Exemplos incluem:

  • Bloquear solicitações de treinamento, licença ou promoção: O abusador pode negar oportunidades de desenvolvimento profissional ao funcionário sem justificativa válida.
  • Exclusão de reuniões, eventos sociais e conversas relevantes: O agressor pode propositalmente deixar o funcionário de fora de eventos importantes, dificultando o desempenho eficaz de suas funções e levando a sentimentos de isolamento.
  • Microgerenciamento: O abusador pode constantemente supervisionar e controlar cada aspecto do trabalho do funcionário, sufocando sua criatividade, iniciativa e moral.
  • Avaliações de desempenho vagas e insatisfatórias ou acusações sem embasamento factual: O agressor pode fornecer feedforward impreciso ou fazer alegações infundadas sobre o desempenho do funcionário, deixando-o confuso e incapaz de melhorar.

Assédio moral: O assédio moral é uma forma particularmente grave de abuso que pode ocorrer quando um funcionário relata um comportamento abusivo. Isso pode envolver:

  • Denuncia um comportamento abusivo no local de trabalho: esperando que seus superiores tomem medidas para resolver a situação, mas, em vez disso, descobre que eles estão mais preocupados em se proteger de possíveis consequências legais do que em garantir o seu bem-estar, isso pode levar a uma intensificação do assédio moral que você está enfrentando.
  • Falha em remover o agressor ou alterar o ambiente de trabalho: O empregador pode não tomar medidas adequadas para lidar com a situação, deixando a vítima vulnerável a mais abusos e retaliação.

A responsabilidade das empresas

Diante desse cenário, é fundamental que as empresas brasileiras assumam um papel ativo no combate à toxicidade no ambiente de trabalho, buscando um equilíbrio entre a busca por resultados e o bem-estar dos funcionários. Isso demanda não somente a implementação de políticas robustas e canais de denúncia confiáveis, mas também um profundo processo de mudança cultural que coloque a transparência, o respeito e a compaixão no cerne de todas as interações, independentemente do nível hierárquico.

Essa metamorfose cultural, tão necessária para combater os efeitos nocivos da cultura do excesso, deve ser encabeçada pelos líderes e gestores, os quais têm o dever intrínseco de personificar condutas éticas e inclusivas, exibindo um autêntico comprometimento com o bem-estar e o crescimento de seus times, tanto no âmbito profissional quanto pessoal.

Outra medida essencial é o estabelecimento de uma cultura de feedforward construtivo e transparente, acompanhada da realização de pesquisas de engajamento periódicas e da promoção do diálogo em todos os níveis da empresa. Tais ações são fundamentais para a construção de um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, onde a qualidade das interações é tão valorizada quanto os resultados alcançados.

O papel dos funcionários

Os funcionários também têm um papel crucial nessa luta contra chefes tóxicos e a cultura do excesso no ambiente de trabalho. Além de denunciar comportamentos abusivos e buscar apoio junto a colegas e ao setor de Recursos Humanos, é importante que os trabalhadores se informem sobre seus direitos e não se calem diante de situações de assédio ou desrespeito. A união e a solidariedade entre os funcionários podem ser poderosas armas contra a perpetuação da toxicidade, permitindo que os indivíduos se apoiem mutuamente na busca por um ambiente de trabalho mais saudável e equilibrado.

Quebrando o ciclo

Para romper o ciclo de toxicidade e excesso no ambiente corporativo brasileiro, é necessário um esforço conjunto de empresas, funcionários e da sociedade como um todo. Isso significa fomentar uma cultura de respeito, valorizar a saúde mental no trabalho e desencorajar comportamentos abusivos, independentemente do nível hierárquico em que ocorram.

Somente assim poderemos construir um futuro em que o sucesso profissional seja alcançado sem comprometer o bem-estar e a dignidade dos trabalhadores, em um equilíbrio saudável entre a busca por resultados e a valorização da qualidade das interações humanas no ambiente de trabalho.

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