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Nos Estados Unidos, famílias montam fundos 'hedge' na despensa de mantimentos

Muitas famílias americanas utilizam o excesso de dinheiro disponível para apoiar hábitos de compras que geram altos retornos financeiros

Uma forma alternativa de fazer poupança: nos Estados Unidos, muitas famílias “investem” dinheiro excedente em estoques de produtos consumíveis domésticos comuns — desde enlatados e cereais para café da manhã até caixas de lenço de papel e rolos de papel higiênico (nattanan23/Pixabay/Reprodução)

Uma forma alternativa de fazer poupança: nos Estados Unidos, muitas famílias “investem” dinheiro excedente em estoques de produtos consumíveis domésticos comuns — desde enlatados e cereais para café da manhã até caixas de lenço de papel e rolos de papel higiênico (nattanan23/Pixabay/Reprodução)

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Publicado em 16 de junho de 2024 às 08h20.

Última atualização em 17 de junho de 2024 às 10h43.

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Se surgissem US$ 500 extras em sua conta corrente, o que seria racional fazer com esse valor? Segundo o bom senso, muitos especialistas recomendariam investir esse valor no mercado de ações, onde o retorno médio anual de 10% facilmente supera as lamentáveis taxas de juros oferecidas pela maioria das contas de poupança bancárias. Porém, poucas famílias realmente fazem isso- especialmente as de renda mais baixa. Elas estão agindo de forma irracional?

Dificilmente, diz Scott Baker, professor associado de finanças da Kellogg School. Uma nova pesquisa de Baker e seus colaboradores Stephanie Johnson e Lorenz Kueng (Rice University e Swiss Finance Institute, respectivamente) mostra que muitas famílias “investem” dinheiro excedente em estoques de produtos consumíveis domésticos comuns — desde enlatados e cereais para café da manhã até caixas de lenço de papel e rolos de papel higiênico.

Ao gerenciar o estoque de maneira inteligente, essas famílias realmente obtêm "retornos" acima de 20% e, às vezes, em até 50% sobre o investimento (na forma de economia de custos). Isso é comparável com fundos de hedge de alto desempenho. Em outras palavras, quando uma família consegue pagar um dólar a menos em uma caixa de cereal de uma grande loja hoje, pode se traduzir em uma grande economia em comparação com a compra do mesmo produto no armazém da esquina por um preço mais alto no mês seguinte.

É óbvio que a gestão de estoques familiares não produzirá o tipo de retorno real que permite que as pessoas comprem iates ou deem conta de pagar mensalidades em universidades. Porém, de acordo com Baker, esse estoque forma uma “classe de ativos” significativa — e, até agora, quase invisível — que contribui para a riqueza mensurável das famílias.

“Não é que isso signifique grandes quantias de dinheiro - estimamos uma faixa de US$ 1.000 ou mais", diz Baker. “No entanto, para muitas dessas famílias, esse é um valor muito grande em relação aos seus ativos financeiros observáveis. Assim, mesmo que não estejam investindo em ações na bolsa de valores, estão agindo de maneira bastante sofisticada, visando obter altos retornos para maximizar seu consumo”.

Trocas invisíveis

Os pesquisadores começaram examinando o total de ativos financeiros de uma família como analisariam os ativos de uma empresa. Da mesma forma que uma empresa depende de capital de giro - não apenas de receita e investimentos — para manter sua solvência, as famílias comuns têm sua própria versão desse paradigma. Baker e seus colegas definiram esse "capital de giro familiar" como a combinação de ativos líquidos e estoques de bens de consumo.

O primeiro é simples o suficiente para medir em um balancete, assim como o de uma empresa. "É dinheiro em caixa — uma reserva na minha conta bancária que me permite, se eu for a uma loja e encontrar ofertas realmente boas, ou [decidir] que faria sentido estocar alguns itens, posso fazer isso", diz Baker.

No entanto, tudo o que as pessoas guardam em suas despensas e armários de banheiro  os bens de consumo mantidos como estoque familiar — não são tão fáceis de observar quanto o dinheiro em espécie. “No caso das empresas, a quantidade de estoque que mantêm é [relatada] por ser um grande componente de valor. Porém, para as famílias, esse fato é meio invisível”, diz Baker. “As pessoas não têm consciência sobre isso. E, nas pesquisas, é difícil dizer: ‘Abra a despensa de sua casa e enumere tudo que está contido nela’”.

Baker e seus colegas criaram estimativas de estoque familiar usando dados da Nielsen, que rastreiam os padrões de compra de cerca de 60 mil famílias; "itens de mercado, itens de farmácia, basicamente a maioria dos itens que possuam código de barras", diz ele. Esses dados apenas medem diretamente o que as pessoas compram, não o que acontece com os produtos depois de serem adquiridos. No entanto, ao agregar os padrões de consumo ao longo do tempo e combiná-los com outros dados financeiros, como a renda familiar, os pesquisadores conseguiram criar uma imagem razoável de quais tipos de produtos foram “investidos” como estoque.

“Isso não significa que as famílias consumam a mesma marca exata de cereais ou tipo de fruta todos os dias, mas sempre consomem algumas frutas e alguns cereais”, explica Baker. “Baseado no fluxo desses produtos, podemos basicamente [reconstruir] o estoque a qualquer momento e, ao mesmo tempo, considerar uma depreciação razoável. Obviamente, uma pessoa terá um maior estoque de produtos enlatados ou produtos de higiene pessoal do que carne ou frutas e verduras frescas”.

Em seguida, os pesquisadores tiveram que definir como a gestão desse estoque gera “retorno” para as famílias na forma de economia de custos. Seu modelo, diz Baker, pressupõe que as famílias usam duas estratégias de gestão de estoque.

A primeira se baseia em fazer menos viagens de compras e comprar em grandes quantidades para reduzir o custo. “O investimento antecipado é maior, mas esses [bens] serão usados ao longo do tempo e, portanto, terá pago um preço mais baixo ao longo do tempo”, explica Baker.

Na segunda estratégia, uma família vai com mais frequência a várias lojas para aproveitar liquidações ou ofertas temporárias que possam estar disponíveis. “Muitos e muitos tipos de mercadorias estarão sujeitos a cortes periódicos de preços”, diz Baker, “assim, se for à loja todos os dias, poderá simplesmente comprar os itens que estão em liquidação e guardá-los. Em média, pagará um preço mais baixo por um determinado produto do que se fosse à loja apenas uma vez por mês".

Cada estratégia de gestão de estoque tem desvantagens que restringem os possíveis retornos. Comprar em grandes quantidades requer um maior capital inicial e impede que as famílias tirem proveito de ofertas. “Não posso estocar carne e vegetais por meses a fio, então se esses produtos não estiverem em promoção no dia em que faço compras, é muito ruim para mim”, explica Baker. Enquanto isso, a estratégia focada em ofertas incorre em custos extras de viagens de compras mais frequentes. De acordo com Baker, as famílias “fazem um intercâmbio entre esses mecanismos de poupança” para otimizar o retorno sobre o estoque familiar.

Ganhar do mercado

Baker e seus colegas descobriram que, em média, a qualquer momento, as famílias mantêm cerca de US$ 725 em estoque em mãos. As famílias mais ricas tendem a manter maiores quantidades de estoque, mas os ativos financeiros também representam uma parte muito maior da riqueza geral. As famílias de baixa renda, por sua vez, "podem não ter basicamente nenhum ativo financeiro, mas US$ 1.000 em estoque familiar", diz Baker. “Isso é valor bastante considerável em relação aos seus gastos totais”.

Na verdade, alguns dos maiores retornos da gestão de estoques familiares foram alcançados por famílias com níveis mais baixos de capital de giro. Por exemplo, se uma família de baixa renda gasta cerca de US$ 5.000 por ano em bens de consumo e mantém US$ 250 em dinheiro em espécie e estoque como seu "capital de giro familiar" a qualquer momento, o retorno marginal, ou seja, o retorno sobre o investimento do dinheiro adicional usado para estoque, é de cerca de 55%, de acordo com o modelo de Baker.

“Quando essa reserva doméstica é realmente baixa, o retorno sobre o relaxamento das restrições orçamentais para [estocar] é realmente alto”, explica ele. “Às vezes você está na loja e as ofertas são realmente boas, e se gastar um pouco mais agora para aproveitá-las, isso pode dar um bom lucro”.

Os retornos médios no estoque familiar são muito altos, cerca de 50% para o agregado familiar comum, na amostra dos pesquisadores. Repetindo, o efeito foi ampliado nas famílias com menores níveis de capital de giro. De acordo com o modelo, se uma família que gasta US$ 7.500 por ano em bens de consumo mantiver um estoque de capital de giro de US$ 725 em dinheiro e estoque, a economia anual seria equivalente a um retorno de 100% sobre o investimento.

“Isso favorece mais as famílias que não dispõe de muita riqueza financeira", diz Baker. “Pode-se pensar nisso em relação ao que se obtém no mercado de ações. Seria melhor pegar mil dólares de estoque e investir no mercado de ações, onde se ganharia 8%? Ou devo mantê-lo aqui, ‘ganhando’ muito mais? Vemos que as famílias estão fazendo isso e que realmente vale a pena”.

Pessoas comuns

Baker observa que ele e seus colaboradores não estudaram ninguém a quem fosse solicitado escolher entre investir em ações ou em estoque familiar. Ao contrário, ele diz que a pesquisa fornece evidências empíricas de que as famílias comuns "otimizam [seus recursos econômicos] de maneiras muitas vezes bastante sofisticadas e bastante detalhadas", mesmo que esses ativos não sejam literalmente de natureza financeira.

“Há muitos artigos que mostram os erros que os consumidores estão cometendo com vários tipos de produtos financeiros", diz Baker. “Nosso artigo está mostrando uma direção diferente. E talvez possamos tentar rastrear algumas dessas coisas de uma forma mais inteligente, especialmente com relação às famílias de baixa renda, uma vez que faz uma grande diferença compreender sua saúde financeira em geral”.

 

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