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Ela vendia bijuterias na infância e hoje tem uma empresa que já atendeu clientes como Magalu e Heinz

Aos 21 anos, Naiá Tupinambá lidera uma agência de marketing digital e mostra que a comunicação também é uma habilidade do seu povo

Naiá Tupinambá, fundadora da BND: “Quero que mais jovens indígenas se vejam nesse lugar. Que a comunicação também é um território nosso. E que, para sermos respeitados, não precisamos estar pintados. Precisamos ser ouvidos” (Naiá Tupinambá/Divulgação)

Naiá Tupinambá, fundadora da BND: “Quero que mais jovens indígenas se vejam nesse lugar. Que a comunicação também é um território nosso. E que, para sermos respeitados, não precisamos estar pintados. Precisamos ser ouvidos” (Naiá Tupinambá/Divulgação)

Publicado em 1 de abril de 2025 às 08h00.

Última atualização em 1 de abril de 2025 às 13h38.

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Antes de saber o que era marketing e empreendedorismo, a baiana Naiá Tupinambá já entendia de comunicação, mas aprendeu a se conectar com o outro e com o mundo de uma forma diferente das pessoas da cidade.

Entre a aldeia no sul da Bahia, a zona rural e as cidades que cresceu, ela aprendeu que o tempo de brincar era da natureza, ela aprendeu que tempo do brincar era o tempo da natureza. O rio era playground, a roça era sala de aula e antes de entrar na floresta, precisava pedir licença. Foi lá que Naiá aprendeu a “barriar” a casa com barro, a plantar mandioca, a respeitar os seres invisíveis da mata e, sobretudo, a ouvir.

“A gente não precisa de uma brincadeira para inventar a infância. Todo o ambiente já permite que a criança aprenda e se divirta”, diz.

Essa visão, profundamente enraizada no modo de vida do seu povo Tupinambá de Olivença, também moldou sua percepção sobre trabalho. “O nosso tempo é o tempo da natureza. Essa lógica de trabalhar das 9h às 18h todos os dias, de forma mecânica, não condiz com o que a gente acredita. É preciso respeitar os ciclos, os ritmos, o coletivo”, afirma a indígena que teve que se moldar aos processos da cidade quando decidiu empreender.

“A pressão da cidade é diferente. Foi preciso me adaptar ao horário corporativo para que o negócio desse certo”, afirma.

Naiá Tupinambá trabalhando home office de São Paulo. "A gente fala como indígena, com indígenas e para indígenas" (Naiá Tupinambá/Divulgação)

Uma empresa criada com propósito

Hoje, aos 21 anos, Naiá vive em São Paulo e lidera a BND, agência de marketing e comunicação especializada em projetos com propósito e na valorização de saberes indígenas. Criada oficialmente em 2018, a empresa nasceu da urgência: Naiá e a mãe estavam recomeçando a vida na capital paulista e precisavam se reinventar. Com R$ 6 mil investidos em um curso de marketing, deram o primeiro passo.

O que parecia um projeto pequeno virou ponte para um novo mercado. A BND atende atualmente dez clientes e já prestou serviços para grandes organizações como Unicef, Heinz, Siemens, Magalu e Mynd (agência de marketing).

“A gente faz construção de marca, planejamento de conteúdo, copywriting e consultoria em diversidade. Mas, acima de tudo, a gente entrega sensibilidade cultural. A gente fala como indígena, com indígenas e para indígenas”, afirma Naiá.

A menina que vendia bijuteria virou empresária

A primeira experiência empreendedora de Naiá foi aos 11 anos, quando começou a produzir bijuterias com a irmã para ajudar nas contas de casa. A mãe, grávida, havia acabado de ser demitida, e o padrasto ainda era presente.

O primeiro passo aconteceu quando as duas irmãs criaram um perfil no Instagram - e viralizaram. Chegaram a 16 mil seguidores e conseguiram atrair nomes como Whindersson Nunes, Marina Ruy Barbosa e Carlinhos Maia.

“Eu ia para os shows de madrugada para contar nossa história aos influenciadores. Fazíamos tudo sozinha,” afirma Naiá.

Mais tarde, após uma série de perdas familiares e mudanças, Naiá decidiu sair da linha de frente das redes e mergulhar na produção estratégica. “Eu já tinha me exposto demais. Sempre fui introspectiva. Queria ficar nos bastidores, ajudando outras vozes a aparecerem.”

Foi assim que nasceu a BND - uma sigla que já teve significados variados, mas que no geral significa Bijuxdabru Negócios Digitais. Mais do que um nome, é um símbolo de continuidade: “O que começou com artesanato virou estratégia de marca para empresas e organizações sociais”, afirma.

De cases corporativos a glossários sociais

Um dos primeiros marcos da BND foi o trabalho de gestão de redes sociais para Mirtes, mãe do menino Miguel, que morreu após cair do nono andar de um prédio enquanto a patroa fazia as unhas. A BND ajudou a transformar o luto em plataforma de denúncia e ativismo.

Depois disso, vieram as consultorias para Netflix, PwC, e a criação de um glossário social indígena para a agência Mynd. “Na época, eu era a única funcionária indígena. Me perguntavam se eu era índia ‘de verdade’, de que ‘tribo’ eu vinha. Faltava base, sensibilidade. Então resolvi criar um material educativo”, conta Naiá.

Com o tempo, Naiá passou a ser chamada para palestras sobre diversidade e ESG. Foi a São Paulo Fashion Week, esteve no RD Summit, e se reuniu com Luiza Helena Trajano para propor um núcleo de mulheres indígenas no Grupo Mulheres do Brasil.

Empreender com ancestralidade

Hoje, Naiá e a mãe tocam a BND com o apoio de freelancers indígenas - todos com vínculo direto com seus povos. “Não contrato alguém só porque é indígena. Contrato porque é bom no que faz e também porque sei que precisamos abrir caminhos,” afirma Naiá.

A agência ainda opera no modelo home office e fatura por projeto. O valor mínimo cobrado já não é mais os R$ 50 ou R$ 100 do começo - uma mudança que veio com autovalorização e clareza de propósito. “Percebi que estavam me oferecendo menos por ser mulher indígena. E que era hora de dizer não.”

O crescimento da empresa tem vindo também por meio de editais, parcerias com o Ministério da Cultura e o Ministério dos Povos Indígenas, e da crescente demanda de empresas por comunicação com mais representatividade.

Apesar disso, Naiá não pensa em crescimento linear. Seu caminho é outro. “O movimento indígena é circular. O que eu vivo hoje, meus ancestrais viveram no passado. Se a BND crescer, será pela realização que começou com os meus ancestrais, só estou dando continuidade.”

"Quem pratica a igualdade não precisa de utopia"

Entre os ensinamentos que carrega, Naiá cita a matriarca Amotara Tupinambá, liderança que iniciou o processo de repatriação do manto Tupinambá - artefato sagrado que esteve por mais de 300 anos na Dinamarca e retornou ao Brasil em 2024. “A Amotara dizia: ‘Quem pratica a igualdade não precisa de utopia’. Isso me guia.”

Com apenas 21 anos, Naiá já traça um caminho raro no empreendedorismo brasileiro: lidera uma empresa autoral, que busca impacto social e cultural, e atua como ponte entre mundos - o digital e o tradicional. E segue com um objetivo claro:

“Quero que mais jovens indígenas se vejam nesse lugar. Que saibam que podem ser designers, redatores, estrategistas. Que a comunicação também é um território nosso. E que, para sermos respeitados, não precisamos estar pintados, de cocar. Precisamos ser ouvidos.”

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