Daniel Knopfholz, vice-presidente de Gente e Tecnologia do Grupo Boticário: Não dá para padronizar o regime de trabalho. Se avaliarmos por média não vamos agradar ninguém (Tulio Vidal/Divulgação)
Repórter
Publicado em 3 de março de 2024 às 11h46.
Última atualização em 4 de março de 2024 às 11h12.
Enquanto muitas empresas estão voltando para o regime de trabalho presencial, o Grupo Boticário está na contramão do mercado: com cerca de 70% dos funcionários administrativos no modelo remoto, a empresa aposta em estratégias para manter todos os regimes de trabalho, de acordo com a necessidade de cada área.
“Não decidimos se a gente é uma empresa híbrida, remota ou presencial. A gente é tudo, da mesma forma que somos tudo em várias frentes do negócio. Decidimos apenas qual é o nosso modelo de gestão de pessoas”, afirma Daniel Knopfholz, vice-presidente de Gente e Tecnologia do Grupo Boticário.
A empresa que foi criada na década de 70 em Curitiba, Paraná, passou de 12 mil funcionários em 2019 para 18 mil em 2024, que estão divididos entre 46% presencial, 35% remoto e 19% híbrido. Apesar desse número de funcionários no híbrido e remoto ter se intensificado com a pandemia, o Grupo já apostava nesta cultura antes mesmo da crise sanitária global.
“No início dos anos 2000 chegamos a liberar funcionários de algumas áreas a trabalharem um dia de casa. Também já era muito comum fazer reuniões online, até porque nossa presença é muito nos escritórios físicos que são Curitiba e São Paulo”, diz Knopfholz.
O executivo lembra a mudança de comportamento que viu acontecer durante a pandemia. Além da necessidade de ficar em casa por causa do risco de contágio da Covid-19, olhando do ponto de vista de valor, viram os funcionários gostando de ficar mais tempo em casa, de escolher melhor a alimentação e ganhar o tempo de trânsito para outras atividades pessoais, como atividades de saúde, atividades com a família e atividades culturais.
“Percebemos que as pessoas estavam valorizando o remoto. Isso nos levou a naquele momento a olhar o home office como um valor, como parte do nosso pacote de diferencial competitivo para excelentes profissionais”, afirma o vice-presidente de Pessoas.
Desde então, a companhia tem realizado alguns estudos internos e testado diferentes formas de fazer home office sem desconsiderar a cultura e a paixão que possuem com o relacionamento corporativo.
“O Grupo Boticário é uma empresa relacional. Relacionamento é uma palavra que está nos nossos valores, na nossa essência”, diz Knopfholz. “Somos apaixonados pelo olho no olho, do se ver e se conectar, seja entre equipe, cliente, franqueados, distribuidores, farmácias, fornecedores, mas vimos que cada área funciona de uma forma e é nessa particularidade que estamos atuando”.
Para manter o funcionário cada vez mais produtivo e engajado, seja no formato remoto, híbrido ou presencial, a companhia tem implantado diferentes estratégias.
Para o remoto, a companhia começou buscando respostas para receios como: Será que as pessoas conseguem aprender e entender a empresa com a mesma clareza de quando você convive? Será que conseguimos aprender só com trabalho à distância? Será que as relações serão tão fortes e humanas para manter uma relação de confiança? Será que você consegue ser visto e reconhecido na empresa e não fique só no seu núcleo de trabalho?
“Começamos a fazer essas perguntas durante a pandemia e com uma visão de evolução fomos testando e aprendendo qual que era o modelo ideal que nos poderia trazer o melhor desse benefício de trabalhar de casa”, diz Knopfholz que reforça a importância de valorizar a cultura. “Amamos a nossa cultura, não queremos desvalorizar o trabalho presencial, mas queremos que as pessoas aprendam, evoluam e sejam produtivas.”
Para criar um trabalho remoto de sucesso, o Grupo criou três versões, sendo a mais recente implantada neste ano. “O modelo de home office foi mudando pós pandemia, ano após ano”, diz o executivo.
Primeira versão: foi criada uma visão geral sobre quais as áreas seriam totalmente remotas, presenciais e híbridas. “A ideia era tentar ter uma natureza de trabalho logo após a pandemia e assim dividimos as áreas por regime de trabalho”.
Segunda versão: mesmo quem estava totalmente remoto precisaria ter encontros, pelo menos 4 vezes no ano. “Vimos a necessidade dessas pessoas trocarem, de terem uma relação de confiança mais acelerada. A ideia desses encontros presenciais era para a equipe e líderes ficarem boa parte do tempo juntos, fazendo coisas que não poderiam fazer no presencial.”
Terceira visão: Com o calendário anual, as equipes tinham semanas muito densas de encontros e outras muito vazias. Com este cenário começaram a avaliar quais reuniões presenciais seriam necessárias acontecer. “Hoje vivemos o modelo de recomendação, estudamos bastante, vimos artigos e falamos com muitas pessoas para avançar com esse passo”, afirma Knopfholz que explica que entre algumas práticas que entra nesse novo modelo está a “regra da primeira vez”.
“A pessoa que chega na empresa normalmente está insegura, ela não conhece as pessoas, a cultura, os sistemas, os jargões, e nesse momento é importante ter alguém do seu lado mostrando como fazer”, diz Knopfholz que reforça que a regra também é aplicada na transição de líderes que precisam ter uma reunião presencial com a nova equipe, assim como para profissionais recém-chegados no mercado, como é o caso de estagiários e trainees que precisam de um acompanhamento mais de perto.
Ainda dentro do modelo de recomendação, foi criado um guia orientador para que os líderes possam checar qual modelo de trabalho adotar para determinada ação. Há perguntas como. Na sua reunião você terá mais ligação ou mais apresentação? Vai ter troca ou simplesmente uma passagem de informação? Com base nas respostas, é criado um indicativo de que provavelmente esse encontro deveria ser remoto ou presencial. “Não é uma obrigatoriedade, mas é um teste que ajuda a entender a recomendação da empresa.”
Apesar do principal negócio do Grupo Boticário ser na criação de produtos, Knopfholz afirma que o Grupo Boticário é uma empresa verticalizada, por ter também canais proprietários, e-commerce, franquias e farmácias.
“Não tem uma regra que funciona para todos. Não dá para padronizar o regime de trabalho. Se avaliarmos por média não vamos agradar ninguém”, diz Knopfholz.Por acreditar que o relacionamento na companhia é importante e para atrair e reter os profissionais que precisam trabalhar no presencial, e para isso a companhia também tem investido em um ambiente de trabalho mais agradável.
Para isso, investiram na reforma dos escritórios de São Paulo e Curitiba. “Mesmo com tanta gente no remoto, estamos ampliando espaço em Curitiba para atender as demandas atuais”.
Ao invés de ter bancadas, estão colocando mais salas de reunião, mais auditórios e mais espaços livres de convivência. “Em um dos escritórios que estamos reformando vai ter uma praça central, porque queremos que as pessoas se encontrem, se conectem”, diz o executivo. “As pessoas querem ter uma boa comida e um ambiente acolhedor para trabalhar”.
A aposta no presencial tem atraído inclusive quem pode trabalhar de casa: mais de 60% dos funcionários remotos e híbridos foram ao escritório pelo menos uma vez nos últimos 90 dias, enquanto isso as salas de reuniões em São José dos Pinhais (PR), Curitiba (PR) e São Paulo (SP) estão com mais de 90% de ocupação média, segundo o executivo de RH.
Por acreditar que tudo está sempre em evolução contínua, Knopfholz afirma que todas essas mudanças em gestão de pessoas foram adotadas por meio de uma mentalidade que está sendo aprimorada ao longo dos anos.
“Entendemos a necessidade de desenvolver cultura e entendimento. Na prática, o que acontece é uma relação baseada em comportamentos e confiança. Acreditamos que o nosso modelo de gestão de pessoas é de uma cultura muito forte, temos um jeito específico de se comportar e acreditamos que isso que nos diferencia.”
Dados internos comprovam a afirmação do executivo. Na avaliação de performance, conhecida como eNPS, a companhia apresenta valores altos, que passam de 86%. “Realizamos toda semana o ambiente corporativo para saber como está a qualidade da equipe em relação ao engajamento com o trabalho”.
Outro indicador que está mostrando que a companhia está no caminho certo é a diversidade com a equipe, tanto a diversidade que atende aos critérios do ESG quanto de regiões - 57% dos funcionários corporativos não moram mais nas cidades de São Paulo ou Curitiba, e cerca de 3.500 pessoas moram em um raio maior de 100 Km de São Paulo ou Curitiba.
“Aumentamos muito a diversidade da equipe desde que ampliamos o modelo remoto. A dispersão geográfica possibilitou ao Grupo ampliar seu pool de recrutamento. Em 2019, 36% dos contratados não moravam em Curitiba ou São Paulo. Em 2023, este número chegou a 62%. O aumento de contratação também aconteceu com PCDs.”
Outro dado positivo está ligado à atratividade e retenção de talentos. O tornouver de tecnologia, segundo Knopfholz, normalmente é alto no mercado, mas no Grupo é abaixo.
“Não tenho como dizer que o híbrido e o remoto trouxe milhões de reais para a companhia, mas tenho como dizer que ele dentro do nosso mecanismo traz um fator importante que as pessoas valorizam hoje no mercado de trabalho”.
O Grupo Boticário alcançou resultado histórico em 2022. As vendas totais (GMV) ultrapassaram R$ 23,6 bilhões em 2022, crescimento de 31% em relação a 2021 e de 50% nos últimos dois anos. Sobre 2023 a companhia ainda não tem os valores.
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