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Uma década depois, é hora de rever normas de acessibilidade na aviação civil

Mais do que nunca parece ser importante diferenciar pessoas com deficiência de pessoas com mobilidade reduzida (PCMR) para a oferta de tratamento isonômico

Companhias aéreas se adequam ao futuro e à diversidade (Youtube/Reprodução)

Companhias aéreas se adequam ao futuro e à diversidade (Youtube/Reprodução)

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Publicado em 19 de janeiro de 2023 às 16h05.

Última atualização em 19 de janeiro de 2023 às 16h38.

Com a chegada das férias, é  hora de preparar as malas e escolher o destino de viagem que mais atenda ao perfil do viajante. E, pensando em perfil de viajante, há um grupo que chama atenção e merece tratamento diferenciado do setor aéreo: os passageiros com necessidades de assistência especial (PNAE).

Em que pese não sejam poucos os passageiros que se enquadrem dentro desta rubrica, muitos desconhecem o seu real significado e sua extensão, bem como as leis e regulamentos que lhes garantem direitos e prerrogativas diferenciadas.

Atualmente, os procedimentos relativos à acessibilidade de PNAE ao transporte aéreo são disciplinados, sobretudo, pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) por meio da Resolução nº 280/2013.

Contudo, passada quase uma década da vigência da mencionada norma, suas disposições já parecem não atender ao tema de forma satisfativa e um vazio regulatório passa a ser sentido tanto por passageiros como pelas companhias, aeroportos e demais agentes do ramo aeroportuário.

A título de ilustração, a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência e traz consigo uma visão mais atualizada e que rechaça o capacitismo antes verificado em algumas normas e políticas públicas, ampliando o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais para pessoas com alguma deficiência.

Não por acaso, a revisão da Resolução nº 280/2013 passou a ser tema prioritário para a ANAC, estando incluído em sua Agenda Regulatória para o biênio 2021-2022 (Tema 07 Acessibilidade de PNAE ao transporte aéreo).

Mas afinal de contas, quem são os PNAE? Nos termos da resolução indicada alhures, são PNAE “pessoa com deficiência, pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, gestante, lactante, pessoa acompanhada por criança de colo, pessoa com mobilidade reduzida ou qualquer pessoa que por alguma condição específica tenha limitação na sua autonomia como passageiro” (art. 3º).

Além de não se tratar de um rol taxativo (haja vista os termos finais do dispositivo), fica a dúvida sobre a extensão de cada um desses conceitos, os quais não são pormenorizados na norma regulamentar. Assim, e para viabilizar a aplicação da norma de forma completa e em conformidade com o arcabouço jurídico vigente, devem ser observados outros instrumentos legais que tratam sobre o assunto.

À luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência, são pessoas com deficiências “aquelas que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com algum obstáculo, pode impedir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 2º).

A deficiência de natureza física pode ser definida como alguma característica que dificulta a mobilidade da pessoa. Já na deficiência intelectual, a pessoa tem algum grau de comprometimento ou perda da capacidade intelectual, estando esta aquém do esperado para sua idade.

Já a deficiência visual se caracteriza pela perda da capacidade de visão, completa ou parcial. Por sua vez, a deficiência auditiva passa a ser constatada quando a perda da audição é de no mínimo 41 decibéis.

Para além das pessoas com deficiência, também são PNAE os idosos, os quais, diante das previsões do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) são as “pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos” (art. 1º).

Conforme visto, as gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas com crianças de colo também são enquadradas como PNAE, tendo direito ao atendimento especial e prioritário nos processos no aeroporto, como despacho de bagagem, inspeção de segurança e embarque. Reforçando o caráter indicativo do rol regulamentar, menores de idade viajando desacompanhados (entre 07 e 12 anos de idade), pela sua limitada autonomia como passageiros, são também PNAE. Assim, e em atenção à sua peculiar condição de desenvolvimento (art. 225, da Constituição Federal, e art. 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), fazem jus a um tratamento diferenciado no cumprimento do seu contrato de transporte.

Em vista dos novos desafios e necessidade de um melhor direcionamento quanto ao tema, a reavaliação dos termos da Resolução nº 280/2013 está na Agenda Regulatória da ANAC para o biênio em curso, sendo que, atualmente, se encontra na fase de Análise de Impacto Regulatório (AIR).

Muito embora a ANAC e as companhias aéreas venham atuando no sentido de uma melhor adequação da aviação a este público, como visto, a própria definição de PNAE já não parece a mais adequada, eis que, considerados os avanços na qualidade de vida das pessoas com deficiência (PCD), a autonomia e independência destas já não é a mesma de outrora. Com efeito, as pessoas deste grupo seguem fazendo jus a um tratamento diferenciado, contudo, mais do que nunca parece ser importante diferenciar pessoas com deficiência de pessoas com mobilidade reduzida (PCMR), até para que se possa oferecer o devido tratamento isonômico.

Outro aspecto quanto à norma vigente é a ausência de clareza quanto a quem cabe o dever de informar sobre a condição de PNAE quando da aquisição dos bilhetes.

Pela redação atual, cabe ao próprio passageiro informar sobre sua necessidade de atendimento diferenciado, inclusive esclarecendo o tipo de assistência a ser permitida/oferecida. Contudo, a falta de clareza nos procedimentos para lançamento dessas informações e nos prazos para solicitação do atendimento especial e resposta aos mesmos deixam passageiros e operadores aéreos em situação delicada.

Também o conceito de acompanhante, tal como lançado na norma regulamentar, não parece atender à finalidade pretendida. Isso porque, a ideia por detrás da expressão “acompanhante” não é a de ser uma pessoa que faz companhia ao PNAE, mas sim de alguém que lhe dê a devida assistência e o ajude a suprir a sua limitação enquanto passageiro.

A medida regulatória a ser porventura adotada cuide de esclarecer a diferença entre acompanhante e assistente, inclusive para fins de reserva de assento e desconto de passagens (situações estas que, sem sombra de dúvidas, impactam na logística de organização dos voos e na vida financeira das companhias aéreas).

Da mesma forma, a definição de ajudas técnicas, pelo texto da Resolução nº 280/2013 (art. 22), parece ser vaga pouco elucidativa quanto à demonstração de indispensabilidade do equipamento para a integridade física e/ou locomoção do passageiro. Sem uma clarificação da extensão do conceito, até políticas públicas de gratuidade ou desconto para embarque/despacho das ajudas técnicas fica inviabilizada, o que decerto prejudica o público que se pretendia proteger pela concessão de um tratamento diferenciado.

A ausência de sincronia entre os conceitos e procedimentos regulatórios acabam por dificultar o exercício de um direito garantido ao PNAE, bem como por deixar as companhias aéreas, aeroportos e demais agentes do setor sem um norte definido sobre como agir diante de casos nos quais um tratamento diferenciado se faz indispensável.

De se notar que as companhias aéreas já há muitos anos têm investido largamente no atendimento dos PNAE, com atendimento diferenciado na comercialização de passagens e atendimento ao consumidor, assistência nos aeroportos, aeronaves adaptadas e atendimento de bordo voltado às necessidades especiais dos passageiros.

A necessidade de um esforço sempre constante na melhora do tratamento àqueles que por algum motivo, temporário ou permanente, não conseguem exercer sua autonomia como passageiros de forma plena é inquestionável e, ao regulamentar o tema, a ANAC – em conjunto com as associações representativas das companhias aéreas – mostrou-se ciente do seu papel como agente regulador e, mais do que isso, de promotor de modificação social.

Vale, entretanto, dizer que a inclusão não é missão somente dos órgãos legislativos ou da administração pública, mas sim da sociedade como um todo e de cada um de nós, na busca por uma existência digna e equânime.

*Heitor Batelli é advogado do /asbz especialista em Aviação, Consumidor, Contencioso, Prevenção e Resolução de Conflitos. Graduado pela Universidade Paulista – UNIP, Letícia Csengeri Morelli é advogada do /asbz especialista em Aviação, Consumidor, Contencioso, Prevenção e Resolução de Conflitos. Graduada por Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Natália Dozza é advogada do /asbz especialista em Aviação. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Renan Melo é advogado especialista em Aviação e Direito do Consumidor no /asbz, é formado em Direito pela (PUC-SP), pós-graduado em Direito Internacional pela Escola Paulista de Direito e em Direito Contratual pela (PUC-SP).

 

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