Bússola Poder (GESIVAL NOGUEIRA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO/Reprodução)
Bússola
Publicado em 13 de janeiro de 2023 às 14h51.
Não houve um grande líder presente na baderna promovida no dia 8 de janeiro em Brasília. Vândalos em horda ocuparam o destruíram patrimônio de todos brasileiros, com raiva brutal de manada atentando contra mobiliário histórico indefeso, quadros belíssimos desguarnecidos e estátuas inofensivas. Chegaram, ocuparam, destruíram e foram embora quando a polícia se organizou minimamente, sem a cesariana a fórceps de um novo regime.
Ao final, alguns foram presos, outros fugiram apagando os vídeos de suas participações na depredação. O movimento não teve cérebro, um cabeça, um líder de fato no comando. Foi acéfalo. Literalmente.
Ninguém ocupou o poder no Congresso, nem no Supremo ou no Palácio do Planalto. Ao golpe faltou a tomada de poder: não havia líder para mudar a história. E as instituições voltaram a seu devido lugar. O movimento traduziu neste detalhe sua covardia destrutiva, muito além da tentativa imbecil de feminicídio das Mulatas de Di Cavalcanti.
Ao deixarem a detenção provisória em carcomidos ônibus requisitados ao transporte público do Distrito Federal, os baderneiros ainda gritavam aos odiados (por eles) jornalistas: “A vitória é nossa!” Que vitória? A batalha de Brasília foi uma derrota amarga do Brasil.
Ao término do drama, a democracia prevaleceu à desorganização generalizada da oposição tresloucada e aos erros em série do aparelho de segurança da capital federal. A reação foi de união dos Poderes contra os ataques antidemocráticos, numa das belas páginas da política nacional no mesmo ultrajado Palácio do Planalto, de onde se caminhou ao violentado STF no dia seguinte.
É o equilíbrio dessa reação que precisa agora ditar como serão os próximos passos da frágil democracia brasileira. E vejam que a falta de condenação moral ampla, geral e irrestrita dos atos bárbaros é sinal claro dessa fragilidade, pois há defensores da quebradeira na sociedade. Na outra face, há uma sanha pela condenação jurídica sem julgamento, sem provas, sem o devido processo legal que compreende o ato de se fazer justiça sob o Estado de Direito.
É preciso responsabilizar os envolvidos que destruíram o patrimônio de todos nós, descobrir quem os financiou e os incitou a caminhar fora das quatro linhas. Para tanto, é preciso inquirir e documentar o processo de investigação. Há muitos elementos em redes sociais, há fortes evidências no pagamento do transporte, há estrutura nos acampamentos que pediam golpe e não aceitavam o resultado das eleições.
Tudo isso deve ser unido com depoimentos, quebras de sigilos telefônicos, bancários etc. Provas feitas devem ser levadas a juízo. E colocados na cadeia aqueles que forem os responsáveis sob o devido processo legal, no Estado Democrático de Direito. A punição precisa ser exemplar, assim que comprovada a culpa.
Mas a história brasileira recomenda cautela com a condenação política, quando a paixão, a raiva e o sentimento de revide se tornam norte para os agentes públicos. Essa condenação definitiva pode ter o condão de unir grupos sociais sob o manto da insanidade coletiva - a negação como visto recentemente. Há dados preocupantes na primeira pesquisa de opinião sobre o movimento, onde cerca de 10% indicam apoio total aos atos destrutivos, outros 27% concedem apoio parcial para justificar os danos incomensuráveis – segundo o instituto Atlas. É um contingente a se considerar como sinal de alerta. O Datafolha trouxe números melhores para inibir a repetição dessa manifestação covarde, com 93% condenando a destruição.
Errar na forma do processo, mesmo que o conteúdo seja justificável, pode vitimizar outros personagens. O principal deles é Jair Bolsonaro, apontado como o culpado número um no discurso político. Ainda sem uma conexão cabal até agora. Apontam até agora, claro, seus discursos incentivando o questionamento do resultado eleitoral no ano passado inteiro. Não basta. E a pesquisa Datafolha mostra essa divisão de opinião sobre esse o ex-presidente. Para a culpa, é essencial colocar o responsável como agente dos fatos, executor ou mandante. É preciso que se prove sua eventual culpa. De forma irrefutável. De interpretações o purgatório está mais lotado que os presídios brasileiros.
A história recente do país mostra que usar os meios jurídicos para fins políticos pode ser um tiro no pé. O presidente Lula foi impedido de disputar a eleição em 2018, com base em um processo, que depois foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal pelas irregularidades registradas para se conseguir a condenação. O juiz que o condenou entrou para a política e as digitais foram apontadas para denunciar a manobra. Lula pagou por quase dois anos, mas sempre manteve a coesão de sua base político-eleitoral, liderou sempre as pesquisas em 2018 e em 2022. Saiu da prisão para voltar meses depois ao Palácio do Planalto.
Como se sabe, o mundo é redondo e dá voltas – não é plano. Querer acertar contas políticas com o fígado pode gerar união dos oposicionistas em torno de seu líder ausente, que se tornará “vítima” da vindita. E conseguirá manter seu grupo político plenamente convicto de suas teses. Mesmo que a realidade entre elas e os fatos seja maior que os quilômetros que separam a Disney da Praça dos Três Poderes. Essa armadilha está armada ainda.
*Márcio de Freitas é Analista Político da FSB Comunicação
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube
Veja também
Márcio de Freitas: As lições de Pelé para Lula