Sergio Moro e o ex-governador de São Paulo provam que não se dá para fazer jogo antipolítico. (Bloomberg/Getty Images)
Bússola
Publicado em 1 de abril de 2022 às 15h52.
Última atualização em 1 de abril de 2022 às 16h12.
Por Márcio de Freitas*
Dois surfistas da antipolítica mostraram que se paga preço por fazer a negação da política: o ex-juiz Sergio Moro e o ex-governador de São Paulo, João Doria, que renunciou na quarta-feira ao cargo depois de quase renunciar à renúncia. Moro é um candidato à procura de foro, um cargo para chamar de seu e blindá-lo diante dos muitos questionamentos feitos às práticas heterodoxas da Operação Lava-Jato. Doria é um candidato em busca de garantias e certezas no partido do muro das dúvidas mais sólidas e incertezas mais abrangentes.
Desde o ano passado, Moro singrou o país nas asas do Podemos para ser candidato a presidente da República. Chegou a ostentar dois dígitos em algumas pesquisas, minguou um pouco e parou entre terceiro e quarto lugar entre 6% e 9%. E antes da coisa evoluir para sua primeira disputa eleitoral, já mudou de partido e se rebaixou a candidato a deputado federal. Fez isso por falta de apoio externo, de alianças e de empolgação interna. Os políticos retribuíram o tratamento que ele lhes deu quando os julgava em Curitiba. Agora, será um puxador de votos de outros candidatos que sequer conhece bem pelo União Brasil.
A noite de quarta-feira Doria encerrou discursando aos empresários como candidato a presidente. Era quase meia-noite. O ex-governador dorme pouco. E já no fim da madrugada de quinta começaram os vazamentos de uma possível desistência, numa mudança de 180 graus. Abrupta, mas projetada em reação a traições propaladas abertamente pelos correligionários de Doria. Aparentemente feito sem combinação. Baratas voavam mais que tucanos pelos céus de São Paulo no amanhecer. Boatos de rompimento com o vice Rodrigo Garcia. Ameaças de impeachment em reação, em pura revanche.
Doria revitalizou a frase gaiata de Tancredo Neves: “Em política, ninguém é paulista impunemente”. Ao ameaçar retirar a candidatura, ele sinalizou o fim de um projeto espremido pelas preferências eleitorais depositadas majoritariamente em Jair Bolsonaro e Lula. Pareceu um jogador de truco blefando. Saiu do episódio com uma carta de apoio do presidente do PSDB, Bruno Araújo, que já o apoiava. Tem em mão agora uma garantia documental num terreno onde isso costuma ter valor relativo.
No movimento, Doria abalou a candidatura do vice, Rodrigo Garcia (PSDB), confundiu empresários, políticos, aliados e deixou adversários em êxtase. Durou algumas horas, mas será lembrando por muito tempo e explorado por toda a campanha.
Tudo jogado nas redes sociais, na mídia, nas rodas de conversa dos iniciados em política. Todos tentando decifrar o intraduzível. Surgiram até teorias de que seria tudo pensado para dar visibilidade ao anúncio do projeto nacional de Doria. Um teatro para obter exposição. Se foi esse o objetivo, várias emissoras de rádio e TV transmitiram o anunciado pronunciamento do ainda governador para confirmar sua candidatura. E muito se analisou o gesto não concretizado de renúncia na mídia nacional.
Se foi teatro, não houve ensaio. Doria conseguiu o apoio de Bruno Araújo (que o apoiava), mas passou a impressão de não conseguir conversar com seus próprios correligionários, um ativo fundamental em política. Manteve os adversários internos entrincheirados e mais otimistas com o cenário de implodir sua candidatura em futura convenção nos vindos de agosto, mês do desgosto. Gerou incerteza sobre a continuidade da gestão do PSDB em São Paulo, saga de quase 30 anos. Somado tudo, foi matemática que resultou em mais subtração a uma candidatura que já começa deficitária.
Doria pode até mudar tudo e reverter o quadro de desagregação sinalizado até por aliados. Pode vencer a convenção, agora mais dura ainda, e se lançar candidato pelo PSDB. Mas elevou as dúvidas sem dar uma só declaração, mas deixando correr muitos boatos ou interpretações — e em política a versão conta muito. Continua com dificuldade de furar o bloqueio dos dois líderes, Bolsonaro e Lula. Doria tem um bom governo, bem avaliado, mas descolado de sua imagem política pessoal. Seu desafio aumenta na proporção ainda maior da terceira via, até agora sem votos, e, portanto, sem força para se impor na eleição de outubro. E isso exigirá mais que truco e alguma carta na manga.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.
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