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Márcio de Freitas: a ilusão cognitiva eleitoral

Números e estatística sobre tendências de votação são levantados por institutos de pesquisas, mas questionados pela intuição nas mesas de bar

: Eleitor escolherá seu candidato em 2022 de olho no passado, ignorando o futuro, mas o presente pode interferir na equação (Heuler Andrey/AFP/Getty Images)

: Eleitor escolherá seu candidato em 2022 de olho no passado, ignorando o futuro, mas o presente pode interferir na equação (Heuler Andrey/AFP/Getty Images)

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Publicado em 7 de abril de 2022 às 16h00.

Última atualização em 7 de abril de 2022 às 17h03.

Por Márcio de Freitas*

“Frequência de atividade sexual menos frequência de brigas”. Esta é a fórmula irônica do psicólogo Robyn Dawes para um prognóstico sobre a estabilidade da relação conjugal. É muito mais simples que várias equações e algoritmos, mas o chiste serve de provocação à capacidade objetiva de se fazer análise política em tempos radicalizados.

Números, estudos e estatística sobre humores do eleitorado e tendências de votação são levantados por diferentes institutos de pesquisas, mas questionados e substituídos pela intuição nas mesas de bar. Podemos usar diferentes argumentos, alguns falaciosos, para prever resultados eleitorais sem levar em conta dados. E o fazemos porque usualmente baseamos nossas previsões do futuro… no passado, uma característica humana relatada em O Cisne Negro (Nassim Taleb) e pela forma de pensarmos, como avaliou o prêmio Nobel de Economia Daniel Kanehman, autor de Rápido e Devagar — duas formas de pensar. Exemplo desse tipo de construção mental:

- No Brasil, todos presidentes que disputaram a eleição, desde que ela foi permitida em 1998, venceram a disputa. Logo Jair Bolsonaro será reeleito.

Sem dúvida o presidente tem se mostrado resiliente em popularidade, com força política mobilizadora. Teve posição polêmica na pandemia sobre vacina e prevenção, apanha da mídia desde que se tornou um candidato viável em 2018, gosta de estar numa briga e, sempre que uma crise entra pela porta do Palácio do Planalto, sai de lá bem maior. Fala o que lhe vem pela cabeça. Talvez por isso apresente capacidade de atrair votos acima de 30%, hoje, e tem diminuído a diferença para Lula — o que se acentuou depois da desistência de Sérgio Moro.

O governo virou a chave para o modo eleitoral, e busca permanecer no comando do governo a partir de 2023. Programas sociais e políticas públicas para mulheres e classes C, D e E tornam-se prioridades na agenda de governo. Desde então, Bolsonaro cresce lentamente, mas ainda mantém um teto baixo, a rejeição.

Do outro lado, Lula da Silva é um político em reconstrução aos 76 anos. Ficou preso pela operação Lava Jato oito anos depois de deixar o Palácio do Planalto na categoria dos mitos políticos. Era entidade com mais de 80% de aprovação ao fim do segundo mandato. Escolheu a “técnica” Dilma Rousseff para ficar quatro anos esquentando seu lugar. Ela não o deixou voltar, se sentiu grande e foi candidata à reeleição, num golpe branco. Depois do desastre dilmista, Lula conseguiu anular as sentenças, viu o Supremo tornar o ex-juiz Sérgio Moro parcial. E recuperou os direitos políticos. Busca agora reconstruir a biografia.

Ainda na cadeia em 2018, Lula transferiu quase 30% dos votos para Fernando Haddad na disputa com Jair Bolsonaro no primeiro turno. E o ex-prefeito de São Paulo, que sequer foi reeleito, teve 44,8% de votos no segundo turno. Logo, se o reserva conseguiu esse placar, Lula livre da Justiça permitiria outro construto:

- Sem as condenações da Justiça e com o desgaste de Bolsonaro, Lula será eleito mais uma vez presidente da República.

Pode-se construir narrativa para qualquer eleitor, preferência ideológica ou gosto — de mortadela a churrasquinho com farofa. Só o caviar da terceira via micou nesta eleição, quando falta carne moída na maioria da mesa dos brasileiros. Mas seria apenas ilusão cognitiva.

“Sabemos que as pessoas podem manter uma fé inabalável em qualquer proposição, por mais absurda que seja, quando ela é sustenta por uma comunidade de crentes que pensam igual”, alertou Kanehman. Muitas vezes briga-se com números e dados de forma irracional. E não adianta desenhar, as crenças continuarão a definir a forma de pensar e o voto.

Kanehman mostra em seu livro que usamos muito mais o Sistema 1 — impreciso, instintivo, rápido e calcado em experiências comparativas simples — e menos o Sistema 2, analítico mas preguiçoso. O S1 garante a sobrevivência, mas erra muito. E permite construir mitos, como dos jogadores decisivos em final de jogos e fenômenos individuais em especulação na bolsa de valores. Longo tempo e dados destroem muitos desses mitos.

Por isso, é bom olhar para alguns dados estatísticos da eleição. E descer do salto. Lula é favorito porque Bolsonaro é rejeitado. Se o petista vencer, será menos por suas qualidades, mas pelos defeitos ostentados pelo segundo. Se o presidente diminuir o sentimento contrário da sociedade, e Lula continuar falando só para seu pequeno segmento convertido, e errando muito, o quadro ainda pode mudar, pois anulará a rejeição como fator decisivo.

O eleitor escolherá seu candidato em 2022 de olho no passado, ignorando o futuro — mas o presente pode interferir na equação. Se houver frequência do governo em satisfazer o cidadão, e brigar menos com Bolsonaro, oferecerá certa estabilidade à atual relação. É difícil diante da rejeição, mas Lula e o PT têm ajudado bastante o plano do governo nos últimos dias brigando com milhões de eleitores de diferentes segmentos sociais.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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