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Gustavo Foz: Desbancarização, tendência ou desafio para o agronegócio?

Cerca de R$ 371 bilhões deixam de ser movimentados na economia formal por uma simples falta de adequação à tradição bancária

Agronegócio sempre contou com financiamento bancário (Alexis Prappas/Exame)

Agronegócio sempre contou com financiamento bancário (Alexis Prappas/Exame)

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Publicado em 13 de dezembro de 2022 às 18h00.

Historicamente, os serviços bancários foram um dos principais alicerces para o financiamento da atividade agrícola mundial e brasileira. Antes fortemente alavancado pelo Estado, o crédito agrícola cresce ano a ano na área privada - uma competição saudável é crucial dentro do mercado de grãos, técnicas rurais e máquinas agrícolas – com foco nos ganhos do produtor. No entanto, na medida em que inovações tecnológicas ganham terreno, fica cada dia mais patente que a longa espera para aprovação e obtenção de crédito são mais uma página virada na história.

A chegada dos novos tempos, apoiados por mentalidades e tecnologias nunca vistas, não apenas transformou a maneira como agricultores, pecuaristas e aquicultores estabelecem atividades produtivas, como também repaginou o papel desses produtores na venda dessas culturas. De acordo com a série de estudos Visão do Futuro do Agro Brasileiro, realizada pela Embrapa durante a pandemia, os desafios para o setor agro brasileiro estão embasados por uma série de eixos que, até 20 anos atrás, nem eram considerados como prioridade mundiais. Alguns exemplos: adaptações à mudança de clima, intensificação tecnológica e concentração de produção (aumento de produtividade).

Dito de outra maneira, o cenário em que a cultura bancária floresceu no passado e ajudou a transformar as paisagens brasileiras de um continente desconhecido, de distâncias longínquas, em uma rede produtiva integrada por terra, água e ar, ficou no passado. Como bem ressalta a 8ª pesquisa ABMRA Hábitos Produtores Rurais, produzida pela Associação Brasileira Marketing Rural e Agro, hoje mais de 90% das fazendas e propriedades possuem cobertura de internet e quase 75% dos produtores realizam negócios ou adquirem crédito diretamente na extremidade da ponta, ou seja, não precisam de mercados, bancos ou quaisquer outros intermediadores para concretizar negócios ou incrementar a produção.

Uma chance para sanar problemas históricos

Se por um lado a bancarização foi uma via para a pavimentação do agronegócio nacional como um dos maiores mercados exportadores de grãos, carnes e derivados animais, por outro, a democratização do crédito e transparência nos termos do financiamento agrícola nunca foram um trunfo da atividade. De acordo com um levantamento realizado pelo Instituto Locomotiva em 2021, atualmente cerca de 34 milhões de brasileiros não possuem acesso a serviços bancários, ou seja, não podem acessar  contas-correntes, depósitos, conta-salário e, sobretudo, linhas de financiamento para projetos urbanos e investimentos no campo.

Ainda de acordo com a pesquisa, aproximadamente R$ 371 bilhões deixam de ser movimentados na economia formal por uma simples falta de adequação à tradição bancária. Não à toa, nos últimos anos, o Banco Central, por meio de novas regras de transparência e transferência de crédito, lançou o programa do Open Banking, cujo principal trunfo foi democratizar e facilitar o fluxo de recursos. O resultado não poderia ser mais imediato: 115 milhões de contas abertas em instituições financeiras só em 2021. Segundo dados da pesquisa Análise de Mercado: Bancos Digitais, produzida pela regtech Idwall, atualmente o ecossistema de banco digitais configura 250 milhões de cadastro aberto, ou 117% do total da população brasileira.

A cifra é impressionante quando temos em vista a ainda baixa qualidade da internet brasileira se comparada às maiores potências globais. Não obstante as dificuldades de acesso do consumidor, o protagonismo de instituições financeiras, nativas do mundo digital, tem sido um dos grandes fatores ao estímulo de uma cultura financeira desbancarizada, na qual os dois lados do balcão têm um acesso amplo às condições da atividade que estão contratando.  Não é para menos que segundo o relatório Global Digital Banking, realizado pela N26 com a assessoria Accenture, entre 2018 e 2020, houve um aumento de 73% no número de clientes brasileiros que apenas possuem contas em bancos digitais.

A exemplo do que acontece no Brasil de maneira ampla, o agronegócio também tem se beneficiado da chegada de instituições financeiras destinadas exclusivamente à disponibilidade de crédito rural. Dados da plataforma Radar Agtech Brasil 2020/2021 registram mais de 1.550 startups centradas na apresentação de propostas e respostas para o desenvolvimento da economia agrícolas, das quais 53 oferecem alternativas financeiras para produtores e empreendedores do universo agrícola que vão desde tecnologia e inovações dentro das propriedades até soluções da porteira para fora, reunindo logística, planificação de negócios e planejamento financeiro.

Em tempo, o florescimento dessas inovações no campo não é mero acaso. Segundo dados da AgTech Pocket Report 2022, lançada pela startup de inovações Distrito em junho, entre 2017 e 2022 as agritechs tiveram um salto de investimentos na casa dos 600%, com destaque para o ano passado, no qual empresas baseadas tecnologia agrícola receberam aportes de U$ 109,2 milhões. No caso específico da agfintechs, ou seja, empresas que oferecem soluções de financiamento, o investimento foi da ordem de quase U$ 82 milhões nesses últimos anos, culminando em um aquecimento do mercado crédito para pequenos, médios e grandes produtores em todo o país.

Democratizar crédito para o produtor é semear a justiça na terra

Um dos facilitadores para termos uma ampla safra de agritechs foi, sem dúvida, a aprovação de dois dispositivos jurídicos que aumentam a competitividade do setor agrícola. Apelidada de Lei do Agro 1 e Lei do Agro 2 — respectivamente, lei 13.986/2020 e lei 1.104/2022 —, ambas propiciam importantes transformações no funcionamento e financiamento agronegócio: se de um lado aumentam o leque de soluções para o produtor rural, reduzindo impostos e criando modalidades de investimentos como as Cédulas de Produtor Rural  (CPRs) 3.0; por outro, incentivam a participação de novas instituições de crédito, como agfintechs, no custeio de safras e desenvolvimento agrícola.

Embora essas medidas tenham um impacto disruptivo e possam, no longo prazo, frutificar em transformações duradouras para o agronegócio, ainda é cedo para avaliarmos seu verdadeiro impacto na inclusão de agricultores e pecuaristas no mercado de crédito. O que podemos dizer, com absoluta certeza, é que a inclusão desses novos agentes do mercado vem alterando progressivamente o apetite de produtores. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no fim de junho, na edição 2022|2023 do programa foram disponibilizados R$ 340,8 bilhões, dos quais R$ 53,61 bilhões destinados para apenas pequenos e médios donos de terra, um acréscimo de 36% em relação à edição passada.

Em outras palavras, mesmo com alertas do FMI sobre uma possível recessão global, no contexto da pandemia e da guerra entre a Rússia e a Ucrânia – especialmente na área produtiva — nunca presenciamos um volume tão grande de crédito ao setor agrícola. É possível que essas mudanças de mindset levam anos ou mesmo décadas para a consolidação em um país continental como o Brasil, mas uma coisa é certa: os atributos de resiliência, engenhosidade e liderança, próprios da cultura do agronegócio, serão cada vez mais enaltecidos conforme ondas de desbancarização cheguem para irrigar o mercado.

*Gustavo Foz é CEO e cofundador da Culttivo, startup que garante financiamento 100% online para produtores de café em um prazo muito menor que os bancos tradicionais.

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