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ESG: o que é e quais os desafios do selo Agricultura Orgânica Regenerativa

Em entrevista, vice-presidente executivo da Native nos conta o que é e os desafios do selo Agricultura Orgânica Regenerativa

Empresa possui o selo desde 1986, pelo projeto Cana Verde (Getty Images/Getty Images)

Empresa possui o selo desde 1986, pelo projeto Cana Verde (Getty Images/Getty Images)

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Publicado em 6 de setembro de 2022 às 18h30.

Última atualização em 6 de setembro de 2022 às 18h46.

Por Danilo Maeda*

Qual é o papel que o selo de Agricultura Orgânica Regenerativa pode ter no desenvolvimento sustentável?

Leontino Balbo Júnior: A maior contribuição será estabelecer critérios. Porque o conceito de agricultura sustentável ou regenerativa tem sido tratado como conceitos subjetivos. Uma vez que um ser humano interage com a natureza e derruba um hectare para produzir ele já devastou. A gente precisa entender que não existe nada 100% sustentável ou regenerativo.

Até então, a gente tinha muita dificuldade de se diferenciar em relação a outras organizações, pois não havia um critério. Na verdade, a empresa pode ser sustentável em diferentes graus. Nós tivemos a primeira certificação de orgânico há 27 anos, mas ao longo do tempo fui aprendendo que ninguém é 100% sustentável, mas que pode ter alto grau de sustentabilidade. E que os critérios que definem esses diferentes graus podem mudar ao longo do tempo.

Existem muitos movimentos e critérios no mercado e nós buscamos uma organização que tivesse credibilidade, para mostrar medidas para a sociedade com critérios consistentes, sem mudanças de prazo e influência das indústrias que não estão interessadas em fazer sustentabilidade de fato. Assim chegamos na ROC (Regenerative Organic Certified).

Quais são exatamente os critérios que definem esse selo de Agricultura Orgânica Regenerativa?

Os principais indicadores ambientais de sustentabilidade são preservação de recursos hídricos, saúde do solo, emissões de gases de efeito estufa ou sequestro de carbono e a biodiversidade, incluindo a biodiversidade do solo, que é fundamental para a disponibilidade de nutrientes.

Isso tudo é relevante porque temos um histórico da revolução verde, que foi marcada pelo alto grau de mecanização, que gera compactação do solo, aplicação sem precedentes de produtos químicos, a exemplo de fertilizantes e pesticidas e expansão da monocultura. Apesar do aumento exponencial da produtividade, hoje temos um total de 25% dos solos em estágio grave de degradação e 38% chegando nesse nível, segundo estudo da FAO.

Nessa realidade, a agricultura regenerativa tem a função de recuperar a bioestrutura do solo. Na nossa fazenda, quando chove o solo tem 35% de porosidade e retém a água da chuva. A produtividade da nossa cana certificada em agricultura regenerativa orgânica foi 24,5% superior à de outras fazendas que usam o mesmo tipo de cana no mesmo tipo de solo, mas no modelo não-regenerativo.

Esse solo, que a gente alimenta desde o nível dos microorganismos, poderá prestar o serviço ecossistêmico de participar do ciclo das chuvas, alimentando aquíferos, nascentes e o ciclo de chuvas, além de permitir o sucesso da biodiversidade local até o nível dos grandes vertebrados.

Como você avalia a maturidade do mercado neste tema? Existem boas práticas prontas para serem escaladas?

Nossa escala aqui é de 20 mil hectares. Nós passamos para as outras unidades do grupo tudo o que tem na agricultura regenerativa. São outros 35 mil hectares que também produzem 20% a mais que o método tradicional. O que não pode ser feito em larga escala é a agricultura orgânica de substituição, que se baseia apenas em substituir o adubo químico por esterco. O que a gente faz aqui é um modelo de produção que vai além disso, pois tratamos da qualidade do solo.

A gente também aplica esse modelo em outras culturas, como girassol, soja, milho e algodão, sempre com bons resultados. Temos visto que é possível reduzir consideravelmente a utilização de insumos químicos e inseticidas, que se não são suficientes para restaurar toda a cadeia alimentar da biodiversidade local, já contribui para a qualidade do solo para as próximas gerações.

Em que aspectos o agronegócio pode evoluir para uma abordagem de melhor integração entre biomas nativos e produção de alimentos em larga escala?

Foi dada a largada no processo. Vai ser uma corrida porque as experiências que têm acontecido apresentam sucesso. O padrão passará a ser a agroecologia e a agricultura regenerativa. Temos visto que a produção com adubos orgânicos aumenta a produtividade.

Esse movimento está acontecendo sem uma liderança específica. Os agricultores têm simplesmente percebido que dá certo. Quando isso se tornar mais relevante, o lixo das cidades e o esgoto irão valer ouro para alimentar os fungos e bactérias que protegem e qualificam o solo e aumentam a produtividade das fazendas.

Em que medida o mercado consumidor local já está disposto a pagar o prêmio pela sustentabilidade?

O consumidor está disposto a pagar um diferencial por produtos sustentáveis na medida que seja convencido que a marca entrega os serviços ambientais que diz produzir ou gerar ao longo da cadeia de valor. Estudos do BCG — Boston Consulting Group realizado nos EUA demonstraram que principalmente as mulheres (70% do público entrevistado) elegem a transparência como atributo principal de produtos sustentáveis, sendo que o preço vem em segundo lugar.

Por este motivo a Native direciona todos os recursos de marketing na demonstração da contribuição efetiva que damos à sociedade ao entregar serviços ecossistêmicos documentados e à educação do consumidor para o consumo consciente. É nisto que investimos toda a nossa verba, pois quase não existe ninguém mais fazendo.

E os outros stakeholders? Mercado financeiro, empresas na cadeia de valor e governo, por exemplo, já reconhecem o valor dessas práticas?

Reconhecem sim, mas só institucionalmente, pois fazem muito pouco ou mesmo nada para favorecer quem preserva e penalizar quem degrada. Simples assim. A exemplo, as grandes redes de supermercados reconhecem o valor que os produtos orgânicos têm para a saúde dos consumidores e também para o meio ambiente, mas paradoxalmente dão um tratamento incompatível com a narrativa deles em relação a suas ações acerca de sustentabilidade e/ou ESG.

As grandes redes periodicamente lançam programas de sustentabilidade e de alimentação saudável com o objetivo de engajar seus clientes, mas o que acontece na prática é que não dão um tratamento diferenciado aos produtos sustentáveis. Pelo contrário, nos casos de produtos orgânicos, reconhecidos pelo público como mais sustentáveis e saudáveis, praticam margens muito superiores às margens que praticam para os produtos convencionais. Além disso, impõem pesados acordos comerciais que, a título de enxoval e outras verbas, custam o equivalente a até 23% do produto faturado em algumas redes.

E finalmente, tomam muitas decisões unilaterais, impedindo que mantenhamos as prateleiras abastecidas. O nível de ruptura de produtos chega a 40 % em algumas redes, o que sugere que estão privilegiando as marcas próprias em detrimento de marcas como a Native. Isto tudo acontece num ambiente de loja onde as marcas é que mantêm promotores treinados para tomar conta dos seus produtos. Fica muito difícil investir no ponto de venda se seus supostos parceiros não fazem a parte deles.

Acho que isso dá uma boa ideia sobre como marcas de produtos orgânicos certificados são tratadas no Brasil. Por todos os motivos citados, a maioria das marcas de orgânicos faliram ou desistiram, uma após a outra. Não foi devido ao sistema de produção no campo que mais de duas dezenas de marcas desistiram, os problemas ocorreram na área comercial e no mercado.

E foi também por todos estes motivos que os consumidores passaram a fazer suas compras nos grandes atacarejos, que têm custos menores de lojas e não impõem acordos comerciais restritivos. Pelo contrário, atuam de forma a tornar os produtos mais acessíveis aos consumidores.

Mas nem sempre foi assim, houve um período de grande florescimento e expansão do consumo de alimentos orgânicos no mercado quando o Sr. Abílio Diniz deu grande impulso a esta categoria de produtos, tendo criado uma nova filosofia de consumo no seu negócio original de varejo. E outras redes varejistas passaram a copiar, mas só por um tempo. Agora, somos um dos poucos sobreviventes porque desde o início apostamos numa plataforma global para nosso negócio com orgânicos.

Fornecemos produtos orgânicos Native, a granel e de varejo, em 74 países diferentes. Acabamos de introduzir alguns de nossos produtos de varejo em mil lojas da prestigiosa rede Loblaw’s do Canadá. Enquanto isto teremos que cultivar a paciência e a serenidade interior, de forma a aguardar que as direções das grandes redes decidam o que realmente querem para seus negócios. Se não entendem a importância da agricultura regenerativa para o mundo, vamos vender onde realmente valorizam a agricultura regenerativa.

O lançamento de um produto orgânico certificado oriundo da agricultura regenerativa não é algo simples e rápido de se fazer como o lançamento de um produto convencional. Nós temos que encontrar agricultores dispostos a submeterem suas terras à conversão ao manejo orgânico, processo que demora 36 meses, além de terem de assimilar muitos novos conhecimentos e técnicas agroecológicas de produção. E para que não fiquem sem garantias de venda futura de seus produtos, fazemos um contrato de compra antecipada, mesmo sem sabermos qual será o comportamento de vendas do produto no futuro.

Assim, só podemos pensar em lançamento de produto após passados três anos, quando vamos idealizar a formulação, embalagens, plano de marketing e introdução no mercado etc. Como o conceito ainda é pouco difundido entre os consumidores brasileiros, colocamos demonstradoras dentro das lojas para promover os produtos, gerar experimentação e também distribuir material didático que leva informações acerca dos benefícios para saúde e meio ambiente.

Ou seja, atuamos desde a mudança do modelo de produção em terra de terceiros (beneficiando tais terras e a sociedade como um todo), até a educação do consumidor para o consumo consciente. Mas a cada troca de executivos das grandes redes, acontece que produtos são simplesmente eliminados sem nem mesmo nos comunicarem.

Simplesmente suspendem pedidos de produtos que vinham vendendo muito bem, sendo que toda a cadeia de valor é desmontada / destruída. O produtor que havia investido para mudar seu sistema de produção convencional para o da agricultura regenerativa certificada fica sem ter como vender seus produtos.

Muitas vezes temos que indenizá-los e acabam voltando a produzir convencionalmente. Nos últimos dois meses uma única rede varejista eliminou mais de 40 produtos nossos, mesmo que todos estejam vendendo bem. E isto tudo acontece sem que justificativas sejam oferecidas. Ou seja, os varejistas do Brasil estão limitando fortemente a expansão da agricultura regenerativa certificada no Brasil ao aplicar as técnicas de “sufoco” que costumam aplicar em fornecedores de produtos convencionais.

Como foi a trajetória da Native para se colocar como pioneira em Agricultura Orgânica Regenerativa?

Ao longo de sua história, a Native sempre tomou a dianteira no caminho da sustentabilidade.

Há mais de 35 anos a Native vem desenvolvendo e aplicando técnicas agroecológicas de produção que regeneram, revitalizam e impactam positivamente toda a sua área de produção, equilibrando, assim, a necessidade de produção de alimentos com a preservação ambiental.

Foram diversas décadas de pesquisas e grandes investimentos que ajudaram a criar o Projeto Cana Verde, sistema sustentável de produção de cana-de-açúcar sem uso de pesticidas ou fertilizantes sintéticos, pioneiro na realização da colheita da cana sem queimadas. A aplicação sistemática de tais técnicas agroecológicas de produção culminou com a obtenção da primeira certificação orgânica em 1997.

Dessa maneira, as terras cultivadas pela Native passaram por um processo de restauração que resultou em muitos benefícios para a natureza. A restauração da bioestrutura ativa do solo criou condições para a recolonização do mesmo pelos organismos vivos ancestrais (a biota) e para melhorar o ciclo da água, gerando água limpa, livre de centenas de contaminantes comuns à agricultura química intensiva.

A teia alimentar se reconstitui por si só onde há água e solo vivo, condições favoráveis que ajudaram a criar um ambiente perfeito para que diversas espécies de animais se estabelecessem na região. Uma pesquisa feita pela Embrapa Monitoramento por Satélite identificou mais de 340 espécies de mamíferos, aves, répteis e anfíbios, sendo 49 delas ameaçadas de extinção.

Assim, a obtenção da certificação de agricultura orgânica regenerativa (ROC) foi a consequência de uma busca permanente para produzir-se de forma mais limpa, autossuficiente e saudável, desde que iniciamos o Projeto Cana Verde em 1986.

*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do Grupo FSB

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