Andrea Fernandes: nomadismo digital e o mundo do trabalho
Em meio à imposição do retorno presencial em muitas empresas, a discussão sobre o anywhere office se torna cada vez mais fundamental
Bússola
Publicado em 24 de março de 2022 às 12h27.
Por Andrea Fernandes*
Tema fundamental do mundo do trabalho, o nomadismo digital voltou à pauta com força. E o motivo é o retorno ao trabalho presencial ou híbrido, nas últimas semanas, em muitas empresas aqui no Brasil. O assunto vem tendo participação importante nas minhas conversas com muitos amigos, talvez porque eu seja apaixonada pelo tema. Por isso, resolvi dividir com vocês, meus leitores, algumas reflexões.
Ao longo da minha carreira, tive diversas experiências profissionais. Atuei em grandes empresas em que o trabalho presencial era uma regra, mas também já fui produtora de eventos freelancer, tive consultorias, e em uma delas decidi não ter um escritório fixo. De certa forma, posso dizer que o espírito nômade sempre esteve dentro de mim.
Esse fenômeno, antes mais restrito a quem vivia como freelancer ou em casos bem particulares, ganhou impulso com a pandemia, quando uma boa parte das pessoas se viu obrigada a trabalhar de casa. Com o passar dos meses, o que era meio provisório foi se prolongando e, para muita gente, o home office deu lugar ao anywhere office.
E eu pude viver um pouco dessa experiência. Nestes últimos dois anos trabalhei de São Paulo, onde é minha casa, de Avaré, Juquehy, São Roque (casa dos meus pais), de Trancoso, Nova York, da Itália, de Portugal. Claro que existiam adequações na rotina, até mesmo em função do fuso horário, mas os benefícios foram bem maiores. Nessas andanças, tive a chance de trabalhar de Londres.
Houve dias em que me conectava do Hyde Park e outros em que fiz reuniões no interior do Tate Modern! A oportunidade de mudar de ambiente traz uma perspectiva de mundo diferente e me faz ter uma visão mais interessante da vida.
E tem muita gente que pensa dessa forma e que está fazendo a mesma coisa! Estima-se que existam hoje no mundo 35 milhões de nômades digitais e que esse número possa chegar a 1 bilhão em 2035. Isso mostra a importância desse assunto para o mundo do trabalho. Estudos feitos por consultorias de recursos humanos revelam que já não há mais candidatos interessados somente em vagas presenciais. As pessoas buscam flexibilidade. Desejam trabalhar como e onde julgam mais interessante. E estão dispostas a deixar de lado empresas que não ofereçam essa possibilidade.
Há um ano e meio sou CEO do T.Group, um ecossistema de tecnologia e inteligência de e-commerce para negócios, que conta com quase 250 colaboradores e é 100% digital. Hoje temos no time pessoas do Acre até o Rio Grande do Sul, passando por Alagoas, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo… No exterior, temos gente em Portugal, na Alemanha e uma pessoa está se mudando para a Holanda. E isso traz uma diversidade cativante de histórias, experiências e vivências.
Posso dizer que essa tem sido uma experiência maravilhosa, e que vem provando que a conexão no mundo do trabalho se dá entre pessoas e que a cultura de uma companhia se constrói muito além do espaço físico. Uma pesquisa de clima feita internamente mostrou resultados surpreendentes. Uma das dimensões com melhor pontuação foi justamente a da colaboração. Pensar que estamos com notas próximas de cem, em um ambiente em que muitas pessoas nunca se viram pessoalmente, colaborando de forma remota e online, é muito estimulante.
E o fato de sermos digitais tem se mostrado uma vantagem competitiva. Quando abrimos vagas, e elas são 100% online, estamos atraindo candidatos super qualificados. Temos um caso de uma pessoa que se mudou para Natal (RN) e a empresa na qual ela trabalhava anunciou o retorno presencial. E ela decidiu deixar esse emprego de lado e agora está conosco.
Esses dias no Whatsapp, falava com um amigo justamente sobre muitas pessoas que conhecemos, talentos em suas companhias, que mudaram suas vidas na pandemia e não querem mais voltar ao antigo modelo. É triste constatar, mas isso tem sido motivo de crise em muitos lugares, além de motivo de alerta sobre a isonomia de condições. Aqui no T.Group, por exemplo, onde você mora não é determinante de quanto você ganha e nem dos seus benefícios.
Esse já é o presente do mundo do trabalho. E acredito que o futuro vai nos trazer formas cada vez mais fluidas, e até uma evolução do modelo remoto, com a possibilidade do trabalho no metaverso (esse foi um tema de uma coluna que fiz recentemente e que você pode ler aqui ). A tecnologia, sem dúvida, vai nos ajudar a trazer de volta coisas das quais sentimos falta, com a possibilidade de olhar para o lado, com um par de óculos de realidade aumentada, e ver alguém virtualmente sentado perto de você, mesmo que essa pessoa esteja do outro lado do mundo.
Sei que o contato humano é importante — e adoro esse diálogo próximo com as pessoas. Até por isso estamos planejando a realização de encontros presenciais semestrais ou anuais de todo o time. Mas toda a experiência que vivemos até aqui no T.Group mostra que as relações digitais — sejam de qualquer esfera — são capazes de criar vínculos baseados em afeto, admiração, respeito e confiança.
*Andrea Fernandes é CEO do T.Group
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