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Análise do Alon: Políticas semelhantes, cenários bem diferentes

Lula foi aos EUA e disse coisas agradáveis aos anfitriões, depois dirigiu-se a Beijing para falar coisas que fizeram bem aos ouvidos dos chineses

Lula pôde implodir o projeto norte-americano da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) (AFP/AFP)

Lula pôde implodir o projeto norte-americano da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) (AFP/AFP)

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Publicado em 17 de abril de 2023 às 16h27.

Última atualização em 17 de abril de 2023 às 16h28.

Toda tentativa de justificar política exterior com base em princípios tão bonitos quanto absolutos costuma terminar em impasse, quando não em comédia; ou tragédia. Pois os interesses frios sempre acabam prevalecendo, restando aos ideólogos dar aquela maquiada básica para salvar a face. Um exemplo recente é o conflito da Ucrânia. 

Dois princípios nas relações internacionais são o direito à autodeterminação e o direito à integridade territorial. No conflito da hora, Kiev esgrime com o segundo, mas Moscou argumenta com o primeiro para as repúblicas do Donbass e as regiões sulistas do vizinho, Crimeia inclusive, que decidiram se desligar. 

Na dissolução e fragmentação da Iugoslávia, duas décadas atrás, os Estados Unidos e a OTAN invocaram o direito à autodeterminação, enquanto uma enfraquecida Rússia argumentava, impotentemente, em defesa da integridade territorial da Iugoslávia. No final, quem pôde mais chorou menos. 

O observador razoavelmente atento notará que os EUA e a União Europeia retiraram dos arquivos o playbook da Guerra Fria 1.0 para conter a ascensão da China. Impor crescentes constrangimentos econômicos, deflagrar uma corrida armamentista e dar o golpe final por meio das tensões étnico-nacionais e do separatismo. 

Entre as dificuldades na tentativa de repetir o roteiro, uma frequenta mais amiúde os pesadelos do Ocidente. Quando a URSS declinou e finalmente desapareceu, havia tempo que não era mais aliada da China, que na geopolítica estava até mais próxima dos EUA. Hoje, a ameaça existencial comum empurra chineses e russos a aliar-se estrategicamente. 

Na economia e na esfera militar são nações que se complementam num encaixe quase perfeito. 

Eis por que o Ocidente não pode nem pensar em conter a China, o objetivo central na Guerra Fria 2.0, sem atrair a Rússia para sua esfera de influência ou desmembrá-la, a exemplo do que foi feito com a URSS. 

Ou as duas coisas. 

A Federação Russa permanece um dos poucos estados de fato plurinacionais no planeta, com potenciais tensões separatistas permanentes. Enquanto o Ocidente argumenta com o direito à integridade territorial da Ucrânia, usa a Ucrânia para desestabilizar a integridade territorial russa. 

O que, aliás, somado à crescente simpatia ocidental pela tese de Taiwan independente e pelas pressões separatistas em Hong Kong e Xinjiang, ajuda a amalgamar a aliança entre Moscou e Beijing. 

E o Brasil com isso? O cenário internacional para nós, também pelos motivos expostos, é incomparavelmente mais complexo do que quando Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Planalto pela primeira vez, em 2003. 

Naqueles tempos, 1) os EUA tinham o foco na guerra ao terror; 2) uma enfraquecida Rússia estava saindo do catastrófico governo de Boris Ieltsin; e 3) ainda prevalecia a esperança ocidental de que o desenvolvimento econômico chinês, orientado ao mercado e à globalização, faria entrar em colapso o poder comunista. 

Assim, Lula pôde implodir o projeto norte-americano da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) sem maior consequência, teve espaço para projetar poder econômico-financeiro regional e o Brasil ajudou alegremente a construir os Brics. 

Mas os ventos começaram a mudar lá pelo final da década, acelerados pela crise de 2008/09, e quem acabou pagando o pato da insatisfação de Washington com o expansionismo e o independentismo brasileiros foi Dilma Rousseff. 

Os EUA estão crescentemente nervosos diante da ameaça de um ocaso em seu reinado de única superpotência. E bem quando a história parecia ter chegado ao fim, dando razão a Francis Fukuyama, e quando o breve século XX, na definição de Eric Hobsbawm, tinha ficado para trás. 

Mas as duas teses balançam. Fukuyama e Hobsbawn estão em xeque. O século XXI está cada vez mais parecido com o anterior. 

Como Lula vai descascar o abacaxi? Até agora, recorreu aos velhos truques, de eficácia comprovada. Foi a Washington e disse coisas agradáveis aos anfitriões, depois dirigiu-se a Beijing para falar coisas que fizeram bem aos ouvidos dos chineses. Nas duas viagens, procurou extrair o melhor da relação. 

Não deixa de ser inteligente como aposta para não queimar pontes. 

Só é preciso saber até quando isso será suficiente. Pois de vez em quando chega uma hora em que os princípios, como tratado no início deste texto, e as declarações genéricas de intenções não dão mais para o gasto. 

E 2023 não é 2003. 

*Alon Feuerwerker é Analista Político da FSB Comunicação 

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame. 

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