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Transição democrática é crucial para não paralisar o país, dizem analistas

Desde a redemocratização, o Brasil já teve cinco gabinetes de transição, três desde a regulamentação da lei

 (Marcos Corrêa/PR/Divulgação)

(Marcos Corrêa/PR/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 31 de outubro de 2022 às 10h18.

Última atualização em 31 de outubro de 2022 às 11h14.

Após uma eleição tensa e acirrada que fraturou a sociedade brasileira, uma transição democrática e transparente é considerada essencial para que o País não paralise nos próximos 60 dias. O período de transição é regulamentado em lei — ela determina que o governo que sai forneça para o que entra todas as informações sobre as ações de cada órgão da administração federal, inclusive as confidenciais.

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Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que, apesar da lei, a cooperação do governo de Jair Bolsonaro, derrotado nas eleições de ontem, é crucial para o bom trabalho da equipe de transição. Os 50 integrantes do grupo, que recebem salários de até R$ 17 mil, serão decididos pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, mas precisam ser nomeados pelo atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente do PP.

Ex-ministro de Minas e Energia no governo de Michel Temer e assessor de Fernando Henrique Cardoso, Wellington Moreira Franco acredita que a transição precisa acontecer com um "espírito harmônico" e trabalho conjunto, para melhorar a situação do País. "É urgente que as lideranças políticas compreendam, seja do Executivo, Legislativo ou do Judiciário, como essa polarização não contribui para tirar o Brasil dessa crise econômica, que já dura uma década."

Moreira Franco ajudou na equipe de transição do governo Fernando Henrique em 2002, após a primeira vitória de Lula, considerada um exemplo de colaboração. Foi a primeira realizada após a regulamentação da lei, que ocorreu no mesmo ano. Na época, a equipe do presidente eleito visitou ministérios e secretarias. Fernando Henrique encarregou seus ministros de nomearem interlocutores para o grupo de transição.

Entre as regras definidas, está a que diz que decisões cujos efeitos extrapolem 31 de dezembro seriam discutidas com o governo eleito. Segundo Moreira Franco, o processo foi "absolutamente humanizado, colaborativo e solidário". Apesar disso, houve críticas da equipe do governo Lula, na época comandada por Antônio Palocci, sobre políticas adotadas até então pela gestão de FHC.

Moreira Franco considera declarações recentes de Bolsonaro para afirmar que ele tem dado indícios de que "não irá criar problemas" durante a transição para o petista. "Lula também deve trabalhar para uma transição pacífica. E é urgente que nosso País seja pacificado. As pessoas continuarão tendo suas posições políticas ideológicas, mas respeitando a opinião das outras. O que é fundamental, porque a ideologia não gera emprego nem promove crescimento."

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História

Desde a redemocratização, o Brasil já teve cinco gabinetes de transição, três desde a regulamentação da lei. Em 1985, ficou para a história a saída do general João Figueiredo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto, sem participar da posse do então vice-presidente eleito José Sarney. Era uma transição também para um novo período democrático no País. Tancredo Neves estava hospitalizado e morreu sem nunca assumir a Presidência.

Durante a transição do governo Sarney para Fernando Collor, em 1990, o presidente eleito se instalou com sua equipe no anexo do Itamaraty, conhecido como "Bolo de Noiva". Um dos objetivos do grupo de 70 técnicos era já adequar programas para os idealizados por Collor. Mesmo quando Dilma Rousseff substituiu Lula, houve um gabinete de transição em 2010, coordenado por Temer.

Segundo a lei, o governo eleito deve ter acesso a informações sigilosas disponíveis no Portal da Transição e no chamado Livro Branco do Planejamento, que faz um resumo das principais ações realizadas pelos ministérios.

Apesar de não estar expressamente previsto na lei, se o atual governo se recusar a fornecer alguma informação para o novo eleito os servidores públicos podem ser punidos pela Justiça por desobediência, diz a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, Cristiana Fortini.

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"A lei foi feita em um momento de antagonismo entre PT e PSDB, pensando no momento de transição mais civilizado, para evitar a ruptura e a descontinuidade entre governos distintos, tornando possível o acesso de informações importantes para que o presidente que assuma consiga exercer o cargo", disse.

Professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, Carlos Ari Sundfeld aponta que, caso haja qualquer impasse da atual administração, como recusa em nomear os servidores, a equipe de transição pode entrar na Justiça. "O descumprimento de ordem judicial é crime e pode levar a prisão em flagrante daqueles que se recusem a cumprir, segundo o regime em relação à transição de governo previsto na lei."

Os integrantes do grupo de transição recebem salários que variam de R$ 2.701,46 a R$ 17.327,65, a depender da complexidade do posto. O custo total do gabinete é de até R$ 995 mil. Eles devem ser nomeados até amanhã e podem trabalhar até dez dias após a posse.

Esboço

Na prática, essa equipe funciona como esboço do que será o governo eleito. Os grupos são divididos em áreas técnicas e temáticas, que variam de acordo com o governo eleito. A tendência é de que esses técnicos assumam os órgãos da mesma área. Na transição entre Temer e Bolsonaro, o ex-juiz Sergio Moro — hoje senador eleitor pelo União Brasil — foi coordenador do grupo técnico de Justiça; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; e Ricardo Salles, do Desenvolvimento Sustável. Todos se tornaram ministros depois.

Essa equipe não pode compartilhar as informações recebidas. A lei diz que eles "deverão manter sigilo dos dados e informações confidenciais a que tiverem acesso, sob pena de responsabilização". É possível ainda existirem voluntários, sem remuneração. Bolsonaro teve a ajuda de 217 pessoas. Um deles foi o diretor da Fatec de São José dos Campos Luiz Antônio Tozi, que depois se tornou secretário executivo do Ministério da Educação em 2019. Ele conta que havia muitos militares na equipe, o que não foi frequente em outras transições. "Os militares tentavam fazer uma blindagem para não haver indicações políticas, mas nem sempre dava certo."

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