Plenário do Senado: embora não tenham envolvimento na decisão, deputados também articulam possível saída de Campos Neto (Ana Volpe/Agência Senado)
Agência O Globo
Publicado em 8 de fevereiro de 2023 às 05h40.
Última atualização em 8 de fevereiro de 2023 às 07h23.
Senadores avaliam que não há clima para a troca do presidente do Banco Central, apesar das críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra os juros altos terem respaldo no Congresso. A avaliação entre os congressistas ocorre depois de o presidente ter dito nesta terça-feira, em meio a críticas a Roberto Campos Neto, que cabe ao Senado destituir o economista da autoridade monetária.
Conversas com os senadores indicam que, no momento, não haveria disposição nem da troca do presidente do BC como de mudar a regra de autonomia da autoridade monetária.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), líder do partido, interpretou a fala de Lula como uma constatação de que não possui competência legal para destituir Campos Neto, e que ela funciona como um meio de pressão:
"É preciso desarmar essa bomba (alta taxa de juros) e isso passa pela harmonização das políticas fiscal e monetária, e não por choques institucionais que só trariam solavancos e mais incertezas a esse cenário desafiador. Creio que o Senado não embarcaria nessa hostilidade por uma razão muito simples: o presidente Lula é um homem de diálogo e jamais requisitará esse gesto à sua coalizão", defendeu ao GLOBO.
O líder do PSB, senador Kajuru (GO), diz que — embora legalmente exista espaço para questionar a permanência ou não de Campos Neto à frente do BC na Casa — acredita que esta é uma possibilidade remota. No entanto, ele defende a convidar Campos Neto para se explicar sobre os juros altos:
"Vou entrar com um pedido urgentemente para convidá-lo, ele tem que ser questionado por nós. Ele não é presidente do PL, não é ministro do Bolsonaro, ele é o presidente do Banco Central. Independência é não ter lado", criticou.
Uma troca de presidente de BC não é uma manobra tão simples: uma eventual destituição precisa ser iniciada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), formado por Campos Neto, Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), após ao menos dois anos de inflação fora da meta, para então ser encaminhada a uma votação no Senado. O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) defende que Campos Neto precisa ser respeitado pelo Congresso:
"A indicação feita ainda no governo anterior foi aprovada pelo Congresso Nacional, devido ao notório saber e comprovada experiência de Campos Neto. Jamais, pela formação técnica que detém, iria se deixar levar por qualquer viés político."
Carlos Portinho (PL-RJ), que foi líder do governo Bolsonaro no Senado, não quis comentar: "Não comento bravatas. Hora do governo governar."
Renan Calheiros (MDB-AL) defendeu que as partes busquem consenso. "É muito importante encontrar um denominador comum e ver como aproximar essas posições. Previsibilidade e tensão implicam no resultado. A independência (do BC) tem que ser exercitada antes de revogada, se for o caso. Eu defendi a independência do BC", disse.
O governo não deve endossar, neste momento, movimentos feitos por parlamentares da base para convidar Campos Neto a falar ao Congresso. A avaliação de líderes governistas é de que precisa haver um fato concreto para ensejar uma convocação e que o movimento sozinho poderia agravar a crise.
Embora não tenha papel em uma eventual destituição de Campos Neto, deputados também se articulam nas discussões sobre o BC. Enquanto PT e Psol querem que Campos Neto vá se explicar sobre juros altos e inflação, parlamentares de outras siglas atuam para diminuir a temperatura.
"As falas de Lula contra o Banco Central não ajudam o país nesse momento. Isso tensiona o mercado, gera efeitos contrários na economia e termina atrapalhando o país, aumentando a taxa de juros e correndo risco de aumento na inflação. Isso prejudica o ambiente que construímos. Precisamos de muita prudência e tratar esse tema descontaminado de ideologias", disse o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), que relatou o projeto de autonomia do BC.
Parlamentares da base governista já se articulam para aumentar a pressão contra Campos Neto. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) protocolou ontem um requerimento de convocação de Campos Neto para que ele preste esclarecimentos sobre a condução da política monetária e o erro contábil no fluxo cambial apresentado pelo BC no ano passado.
"O Campos Neto é um infiltrado no governo Lula. É um infiltrado do Paulo Guedes, do Bolsonaro. É um cara que não deixa a taxa de juros baixar. Na minha opinião, tem um interesse de boicote à economia, à geração de emprego, à retomada do crescimento econômico", afirmou o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP)
Deputados da oposição não veem possibilidade de mudanças na autonomia do BC, tampouco na presidência de Campos Neto. O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), costuma se referir à autonomia do BC como parte de seu legado, e um dos principais projetos aprovados na Casa. Interlocutores de Lira reforçam que ele defende a autonomia, mas não deve se manifestar sobre essa nova crise entre governo e BC.