Prazo menor e emendas reformuladas: entenda o acordo para votar PEC de Transição
PEC da Transição na Câmara deve ter manutenção do valor de R$ 168 bi, mas com duração de só um ano e Centrão mantendo controle sobre parte das emendas
Da redação, com agências
Publicado em 20 de dezembro de 2022 às 17h02.
Última atualização em 20 de dezembro de 2022 às 19h06.
Após uma série de reuniões nas últimas horas, a equipe do governo eleito do presidente Lula (PT) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegaram a um acordo para votação da chamada PEC de Transição, que garante recursos para programas como o Bolsa Família a R$ 600. Com isso, a expectativa é que o texto possa ser votado ainda na noite desta terça-feira, 20, ou ao menos até quarta-feira, 21.
Pela manhã, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), teve uma reunião com Lira e parlamentares na residência oficial do presidente da Câmara. Pelo acordo, o valor total da PEC, de R$ 168 bilhões adicionais no Orçamento de 2023, fica mantido.
Além disso, parlamentares que participaram da reunião confirmaram que o período de efeito da PEC cai de dois anos (como queria o governo eleito) para apenas um ano.
A mudança é uma vitória de parlamentares do PP e do PL, que vinham articulando formas de desidratar a PEC que foi aprovada no Senado. Com o prazo mais curto, o governo do PT terá que novamente negociar com o Congresso para garantir os recursos de 2024. Além disso, as partes costuram um acordo para reformulação da distribuição de emendas, após o Supremo Tribunal Federal derrubar as emendas de relator, que ficaram conhecidas como "orçamento secreto" (veja abaixo os detalhes da negociação).
Pelo lado do governo, a vitória foi ter conseguido manter o valor da PEC em R$ 168 bilhões, o suficiente para não só pagar o Bolsa Família, mas recompor o orçamento de programas vistos como importantes e de investimentos públicos.
A redução do prazo, ainda assim, foi bem recebida no mercado financeiro. O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, subia mais de 2,4% nesta tarde.
"Vai ser por um ano. Vai ser retirado os empréstimos internacionais e ficará para a PEC o valor de R$ 145 bilhões mais os R$ 23 bilhões para investimentos e os PIS/Pasep. Um ano de validade", disse o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que participou da reunião e foi designado a falar sobre o assunto.
Dos R$ 168 bilhões totais, a PEC aprovada no Senado prevê aumentar o teto de gastos em R$ 145 bilhões e mais R$ 23 bilhões fora do teto para investimentos, valores mantidos pela Câmara. No acordo para votação na Casa, também fica mantida a permissão para usar R$ 24 bilhões de contas extintas do PIS/Pasep para investimentos.
Com acordo, PT tem os votos para aprovar PEC
A expectativa entre parlamentares é de que a votação seja rápida, com 320 votos favoráveis na Câmara. São necessários 308 votos.
Apesar de ser um texto desidratado em relação ao aprovado por senadores, o PT avalia que a PEC desata nós do Orçamento, como a falta de dinheiro para investimentos públicos e retomada de programas como Minha Casa, Minha Vida.
O corte no prazo não fará a PEC voltar para o Senado, porque a mudança é considerada como um supressão no texto.
O relator do Orçamento de 2023, Marcelo Castro (MDB-PI), disse que o rito da votação dos textos foi acertado entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O PL de Jair Bolsonaro deve votar contra o texto. A PEC vai incluir mudanças nas emendas de relator e apenas essa parte voltará para o Senado.
O PT aceitou reduzir o prazo da PEC para um ano para garantir a votação da medida. O assunto foi discutido entre o partido numa manhã desta terça-feira, com a presença também do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.
Lira teria garantido aos parlamentares que, se o governo eleito cedesse sobre o prazo de um ano da PEC, ele trabalharia para ajudar na mobilização para a votação. O PT acredita que, com isso, pode chegar a 330 votos para aprovar a PEC ainda hoje, no mais tardar amanhã. Para uma alteração na Constituição ser aprovada na Câmara, são necessários pelo menos 308 votos.
O governo eleito do PT corre contra o tempo: o Congresso só tem até quinta-feira, 22, fim do período legislativo, para aprovar a PEC. À aprovação da proposta está condicionada também a tramitação do Orçamento para 2023.
O Orçamento inicial foi enviado ainda no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas alterações para comportar os novos gastos já foram feitas para acomodar as propostas do PT. Porém, sem a aprovação da PEC, não há recursos para aprovar o Orçamento com essas mudanças.
Em troca, reformulação nas emendas de relator
Dentre os acordos para aprovar a PEC, a equipe de Lula e líderes no Congresso negociaram também um pagamento extra de R$ 16,3 milhões em emendas parlamentares para cada deputado e senador em troca da aprovação da PEC ainda hoje.
O valor é o preço colocado por líderes do Centrão para aprovar a PEC e deve vir dos recursos que estavam reservados ao orçamento secreto, após o Supremo Tribunal Federal derrubar o mecanismo. Na prática, a negociação mantém domínio dos congressistas sobre ao menos parte dos repasses mesmo após a decisão da Corte.
- VEJA TAMBÉM: Orçamento secreto: decisões do STF beneficiam Lula. Como se comportarão os parlamentares?
Antes da decisão do Supremo, estavam reservados R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator (RP9), a base do orçamento secreto em 2023. Agora, Lula e líderes do Congresso negociam o futuro desses recursos no Orçamento do ano que vem.
O acordo costurado é que metade dos R$ 19,4 bilhões sejam destinados às emendas individuais, que contemplam todos os deputados e senadores de forma igualitária, e a outra metade fique vinculada aos ministérios do governo.
Se o acordo prosperar, o valor que cada deputado e senador terá direito por meio das emendas individuais em 2023 subirá de R$ 19,7 milhões para R$ 36 milhões (devido à adição dos R$ 16,3 milhões acordados), atingindo uma quantidade histórica para esse tipo de recurso.
As emendas individuais são impositivas pela Constituição, ou seja, o governo é obrigado a bancar e direcionar os recursos para onde o parlamentar definir.
A "herança" do orçamento secreto virou condição exigida pelo grupo de Lira para aprovar a PEC de Transição.
Inicialmente, a equipe de Lula queria usar os recursos do orçamento secreto para adicionar R$ 9,7 bilhões em ações de saúde, educação e assistência social e outros R$ 9,7 bilhões em investimentos de infraestrutura, obras e compra de equipamentos.
A intenção do futuro presidente é controlar o direcionamento desses repasses, mesmo admitindo a negociação com parlamentares. Líderes do Centrão, no entanto, não abrem mão do poder sobre a verba, que estava reservada para o orçamento secreto e é considerada intocável pelo grupo que hoje domina esses recursos, sob comando de Lira. Diante do impasse, a negociação envolve agora um acordo para ratear o dinheiro.
O que é a PEC de Transição
A Proposta de Emenda à Constituição para a equipe de transição, que ficou batizada de "PEC da Transição", foi apresentada com apoio do governo eleito e abre espaço no teto de gastos para recomposição de programas sociais e promessas de campanha, como o Bolsa Família a R$ 600. A PEC já foi aprovada no Senado, mas tem tido dificuldade para passar na Câmara.
A discussão da PEC ocorre após o Supremo Tribunal Federal encerrar na segunda-feira, 19, votação que tornou inconstitucional o chamado "orçamento secreto". O mecanismo é a distribuição de emendas de relator a parlamentares, que foram base da troca de apoios no Congresso sobretudo desde 2020.
Além da PEC, o ministro do STF Gilmar Mendes decidiu na noite de domingo, 18, retirar do teto de gastos parte dos recursos necessários para o pagamento do Bolsa Família — o que era um dos objetivos da PEC. A decisão de Mendes garante os recursos do programa independentemente da aprovação da PEC, dando maior margem de manobra ao governo Lula. Apesar disso, petistas seguem defendendo que a PEC seja votada o mais rápido possível, pois é mais abrangente do que a decisão de Mendes ao incluir recurso para outros programas.
"O plano A, B e C é a aprovação da PEC", disse nesta semana o futuro ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA).
A análise do orçamento secreto pelo STF tem embolado a tramitação da PEC há duas semanas e havia um temor entre petistas de uma decisão contrária ao mecanismo acabar azedando as relações com o Congresso.
Outro dos complicadores foi o alto índice de renovação das cadeiras da Câmara, de 40% — o equivalente a 219 parlamentares não foram reeleitos e não têm qualquer compromisso com o futuro governo.
(Com informações de Estadão Conteúdo e Agência O Globo)