TCU forma maioria para aprovar privatização da Eletrobras
Vital do Rêgo pediu que o julgamento fosse interrompido e apontou seis pontos que considera ilegalidades no processo. Para ele, são previstos “prêmios ocultos” ao comprador da Eletrobras.
Alessandra Azevedo
Publicado em 18 de maio de 2022 às 17h36.
Última atualização em 18 de maio de 2022 às 19h04.
O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, nesta quarta-feira, 18, a continuidade do processo de privatização da Eletrobras. O placar foi de 7 votos a favor da venda da estatal e 1 contra, do ministro Vital do Rêgo.
O processo estava no tribunal desde setembro de 2021. Em 15 de fevereiro, o TCU aprovou a primeira etapa da análise sobre a privatização da estatal, após avaliar o bônus de outorga que a empresa deverá pagar à União pela renovação de contratos das usinas.Nesta quarta-feira, os ministros aprovaram a segunda e última etapa, após análise do modelo e do valor para a venda de ações da empresa.
A capitalização da Eletrobras será feita pela venda de ações ordinárias na bolsa de valores, de forma a diluir a participação da União, que deixará de ser acionista majoritária. A participação do governo na empresa passará dos atuais 72% para 45%. Pelos cálculos do governo, a privatização renderá 67 bilhões de reais.
O ministro Vital do Rêgo, no início da sessão, pediu que o julgamento fosse interrompido, sugestão que não foi acatada pelos outros ministros. Ele também apontou seis pontos que considera ilegalidades no processo e afirmou que são previstos “prêmios ocultos” ao comprador da Eletrobras.
“Estamos diante do desfazimento do patrimônio público por valor muito menor do que ele representa”, afirmou. A primeira ilegalidade diz respeito a problemas nas demonstrações contábeis da Eletrobras e da subsidiária Eletronuclear. Ele apontou que há 2,7 bilhões de reais em dividendos acumulados pela Eletronuclear e não pagos à Eletrobras desde 2010, valor que deveria aparecer nos balanços contábeis das empresas.
Os dividendos, segundo Vital do Rêgo, impendem que a ENBPar,que passará a gerir as atividades da Itaipu Binacional e da Eletronuclear com a privatização, assuma o controle acionário da Eletronuclear. Isso porque, por lei, ações preferenciais passam a ter direito a voto, caso a companhia deixe de pagar dividendos.
“Com isso, ao final da reestruturação orçamentária, quando já estiver com capital majoritariamente privado, a Eletrobras será titular da maioria das ações ordinárias e preferenciais, todas com direito a voto, enquanto não houver o pagamento dos dividendos acumulados desde 2010”, disse Vital do Rêgo.
Ou seja, enquanto não for resolvida a questão dos dividendos, a Eletrobras privada terá a maior participação orçamentária votante na Eletronuclear, “desvirtuando a premissa de que a Eletronuclear deve seguir controlada pelo poder público”, disse. “Vai ser uma festa para a iniciativa privada controlar a política nuclear brasileira”, acrescentou.
Para Vital do Rêgo, trata-se de uma “afronta à Constituição”, com consequências “imprevisíveis” para a política nuclear brasileira e para a segurança nacional. “Quer dizer que a política nuclear brasileira vai ser privatizada”, sustentou.
Vital do Rêgo acrescentou que os 2,7 bilhões de reais de dividendos a receber devem ser prioritariamente usados para integralizar ações da Eletronuclear, mas, se isso não ocorrer, parte do montante será distribuída aos demais acionistas da empresa após a alienação do controle. Isso equivale a R$ 734 milhões, que representam a diferença na participação acionária da União, que é de 72,22% e passará a ser de 45% após a diluição.
O ministro pede que sejam reapresentadas as demonstrações financeiras da Eletronuclear e da Eletrobras para reconhecer os dividendos e que seja feito o efetivo pagamento, antes da transferência do controle da Eletrobras para a iniciativa privada.
Vital do Rêgo também afirmou que há ilegalidade na valoração da usina hidrelétrica de Itaipu. A ENBPar deverá, por lei, pagar um “valor justo” para a Eletrobras pela aquisição de Itaipu. Esse valor foi fixado em 1,2 bilhão de reais, que o ministro afirmou estar muito abaixo do valor real. “Não existe, na legislação regente, essa forma de cálculo que chegou ao total de 1,2 bilhão de reais”, disse.
A metodologia que deveria ser aplicada, segundo o ministro, leva em conta a projeção do fluxo de caixa operacional trazido a valor presente, como foi feito para demais subsidiárias da Eletrobras e para a Eletronuclear. “O VPL (valor presente líquido) poderia superar a casa da dezena de bilhões de reais, se compararmos com outros fluxos de caixa de outras usinas que integram o processo”, afirmou.
Essa diferença tem impacto direto no valor da ação. A cada erro de 1 bilhão de reais que deixa de ser computado no VPL consolidado da Eletrobras, diminui-se o valor da ação em R$ 0,63, afirmou Vital do Rêgo. “R$ 10 bilhões geram um impacto direto de nada mais, nada menos do que R$ 6,30 no valor mínimo da ação”, ressaltou. O valor fixado para Itaipu está “evidentemente subavaliado”, disse Vital do Rêgo. “Ela está sendo quase dada”, afirmou.
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A terceira ilegalidade tem a ver com diferenças nas conclusões dos dois serviços de avaliação contratados pelo BNDES para avaliar a precificação das ações da Eletrobras. Segundo o ministro, háerros na estimativa de preço de venda de longo prazo de energia elétrica, o que afeta o preço da Eletrobras.
Vital do Rêgo também apontou que não houve nenhuma consulta à CVM sobre golden shares, as ações preferenciais de classe especial, de propriedade exclusiva da União, que darão o poder de veto nas deliberações sociais especificadas. Por lei, a desestatização da Eletrobras fica condicionada à aprovação em assembleia da criação das golden shares.
Além disso, relatório de mapeamento jurídico do BNDES menciona a possibilidade de fazer uma consulta à CVM sobre a existência de direito de retirada e necessidade de assembleia especial em razão da criação da golden share. No entanto, essa consulta não foi feita.
Além disso, Vital do Rêgo apontou ilegalidade no conflito entre o percentual de cláusula de poison pill (instrumento usado para evitar que um acionista assuma o controle da empresa de forma hostil) e a participação acionária da União na Eletrobras, de 45%, após a capitalização da empresa.
Se o acionista ultrapassar 50% ou 30% do capital, deverá adquirir o restante das ações com os ágios definidos. “Não constam justificativas sobre os critérios adotados para fixar percentuais”, disse o ministro. Segundo ele, o dispositivo gera conflito com a União, na medida em que ela poderá ter até 45% do capital votante da Eletrobras após o processo de desestatização. Vital do Rêgo também afirmou que não houve consulta à CVM a respeito da poison pill.
A quinta ilegalidade tem a ver com a política nuclear. Os órgãos responsáveis pela Política Nacional Nuclear não foram ouvidos sobre modificações acionárias da Eletronuclear, afirma Vital do Rêgo.Com a diluição acionária da União, a Eletrobras, uma empresa de capital majoritariamente privado, será acionista da Eletronuclear, apontou.
Segundo o ministro, o projeto de privatização, como está, "favorece o acesso da iniciativa privada a informações tecnológicas nucleares afetas às atividades da Eletronuclear".
Por fim, Vital do Rêgo apontou uma sexta ilegalidade: adiferença de R$ 30,64 bilhões entre os cálculos do endividamento líquido ajustado da Eletrobras feitos pelos dois serviços de consultoria. O ministro sugeriu uma determinação ao BNDES para que faça os ajustes necessários quanto à repercussão do valor.
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