Rodovia Raposo Tavares, em São Paulo (Reprodução/Wikimedia Commons)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 30 de novembro de 2023 às 06h08.
Última atualização em 30 de novembro de 2023 às 11h41.
O mercado de concessões de estradas no Brasil passa por um período de reacomodação, avalia Carolina Rocha, diretora de operações da Perfin, empresa de investimentos que atua em infraestrutura. Essa fase de mudança é uma das razões para a falta de interessados em leilões recentes de estradas. Em novembro, o governo federal adiou o leilão de um trecho da BR-381 por falta de propostas.
"Alguns players estão mais alavancados e ficam mais seletivos, com razoabilidade de selecionar o que mais faz sentido para carteira e para que não se comprometa com um monte de coisa e depois não consiga cumprir. Existe uma racionalidade nesse processo todo é e uma adaptação. Em algum momento deverá ter mais players, mas a gente está nesse meio do caminho", disse, em entrevista à EXAME.
Apesar das ponderações, Rocha avalia que 2024 trará várias novas oportunidades de investimento. Para aproveitar o momento, a Perfin lançou um novo fundo em novembro, chamado Infra II, que tem a perspectiva de captar em torno de 2 bilhões de reais, mas que pode chegar a 5 bilhões, junto a investidores qualificados, até abril de 2024. Os recursos serão usados em novos projetos a serem disputados em leilões.
"Temos a visão de investir nos próximos três anos alguma coisa entre 2 e 5 bilhões de reais, e aí a gente vai vendo como vai caminhar. No ano que vem, vemos mais leilões de rodovias, mais até do que nesse ano. Em saneamento, esse ano a gente teve pouca coisa acontecendo. Então ano que vem deve ter aí também uma atração maior para o setor. A gente queria estar preparado para isso", afirmou.
A Perfin tem atualmente cerca de 9 bilhões de reais investidos em projetos de infraestrutura, boa parte na área de energia. Em estradas, faz parte do grupo EPR, que opera estradas em Minas Gerais e que venceu o leilão do lote 2 de rodovias federais do Paraná, realizado em setembro.
Na entrevista, Rocha fez mais comentários sobre o momento do mercado de concessões e as perspectivas para 2024.
Em leilões de estradas federais, tem havido pouca procura. Na semana passada, o leilão de um trecho da BR-381 foi adiado por falta de interessados. A que se deve essa falta de propostas?
Não é que tem algo errado na estrutura do setor. Pelo contrário: a gente vê evolução na forma de fazer os contratos e nas habilitações. É muito mais a adaptação do próprio ambiente competitivo. Alguns players estão mais alavancados e ficam mais seletivos, com razoabilidade de selecionar o que mais faz sentido para carteira e para que não se comprometa com um monte de coisa e depois não consiga cumprir. Existe uma racionalidade nesse processo todo é e uma adaptação. Em algum momento deverá ter mais players, mas a gente está nesse meio do caminho.
Lá atrás, no começo dos anos 2000, o setor teve players participando com alguns incentivos do BNDES, mas que acabavam gerando um compromisso acima do que o BNDES conseguia captar. No fim do dia, gerava um endividamento para o Estado que não é adequado. Isso foi sendo resolvido ao longo do tempo, então não tem mais essa parcela que dava mais incentivo. Há também um cenário em que as construtoras começaram a deixar de participar. Há uma acomodação da competitividade. Os players que ficaram são excelentes no setor de rodovias, mas talvez não tenham capacidade de fazer frente a esses investimentos.
Pode ser que um ativo ou outro tenha especificidades que não seja o melhor para esse momento de mercado, com menos players. Dependendo do ativo, eles podem não parar de pé e aí não vai fazer sentido em nenhum cenário. Tem algumas situações que o ativo em si até pode ser muito positivo, mas embute riscos desproporcionais. Nesse caso, precisa voltar para casa, entender melhor e voltar com uma outra consideração. Isso acontece em diversos leilões. Na Cedae, foram quatro blocos e três não tinha uma viabilidade tão adequada, que voltaram depois. Não dá para generalizar.
Uma das ideias do governo é fazer leilões com trechos menores de rodovias. Como avalia esta ideia?
É parte de uma solução, porque provavelmente vai atrair mais players. Dependendo da situação, pode fazer sentido, mas em outras, nem tanto. Você pode acabar fatiando e um concessionário prejudicar outro. Também não adianta atrair uma competição que possa não trazer solução efetiva. Vai atrair players muito menores que podem não ter capacidade de fazer tanta coisa.
Outro ponto de governo defende também é fazer contratos com regras mais flexíveis e com novidades, como a adoção do pedágio free flow e cobrança de preços diferentes ao longo do dia. Acha que essas mudanças podem atrais mais investidores?
Acho que sim. Ao final, é uma equação entre o capex, as necessidades de mudança daquela concessão, a forma de faturamento que vai ter e os custos atrelados. Se a gente mexe de forma que as coisas fiquem mais atrativas, vai ser positivo, mas sempre com o cuidado de que não se faça algo que lá na frente prejudique a concessão como um todo. Dado nosso cenário de necessidade muito grande de investimentos, talvez soluções no meio caminho sejam o melhor que possamos ter nesse momento.
A questão contratual é o ponto crucial de uma concessão. A gente sempre bate muito nesse ponto de que ela precisa ser perene a qualquer governo e qualquer cenário. Tem pontos da matriz de risco que precisam ser consideradas para reequilíbrio caso mudem de forma substancial, porque senão você não tem previsibilidade sobre o investimento. A pessoa tá investindo aí quatro anos depois, ‘ah, acho que esse pedágio não é adequado, tem que mudar’. Tem que se pensar de forma que estabeleça um equilíbrio econômico. O combinado não sai caro.
O governo federal está em um processo de renegociação de contratos estressados de concessões de rodovias. Como avalia este processo?
É complexo de opinar. Talvez traga uma solução, pois é uma coisa que se arrasta há muito tempo e é ruim para todos nós como cidadãos. Mas por outro lado, tem o quanto você acaba tendo de abrir mão por causa de players que lá atrás fizeram bids [ofertas] talvez não apropriados.
É um trabalho do poder concedente de ver o que faz mais sentido ao Brasil, mas é preciso cuidado, para que não se passe a mensagem de que ‘lá na frente a gente pode rediscutir de novo”, o que pode trazer uma irracionalidade para bids quando havia players que estavam dispostos a fazer aquilo com racionalidade.
O governo tem buscado deixar claro que não haverá renegociações futuras.
Mas é aquela mensagem igual a gente com filho. “Ah, é só desta vez”. Somos seres humanos, todo mundo trabalha diante de expectativa, e se a gente tem uma sinalização como essa, pode não ser o melhor para o setor como um todo.
Com a mudança climática, tem havido mais queixas do consumidor em relação ao setor elétrico, como na pressão sobre a Enel, em São Paulo. Isso muda os planos de vocês de alguma forma no setor, como ter mais cautela?
Isso nos deixa até mais animados, de quanto tem necessidade ainda. A gente vem batendo o martelo de que ainda tem muita coisa para ser feita, do ponto de vista de geração e transmissão para poder colocar tudo isso de pé. Na questão da mudança climática e da transição energética, o setor elétrico será mais demandado. Com a eletrificação [de veículos], vai ter uma demanda maior por energia. Ano que vem, vai ter um leilão para térmicas a gás. Elas ajudam a dar um pouco mais de estabilidade ao sistema, obviamente com o compromisso que já existe sobre a saída do carvão.
Sobre saneamento, quais as perspectivas pro ano que vem?
Tem uma série de coisas no pipeline. Tem Sergipe por vir, Pernambuco sendo discutido, outras possibilidades de PPPs. Em relação a Sabesp e Copasa, são discussões mias complexas, porque dependem um pouco do ponto de vista político. Mas já está meio claro que o setor como um todo precisa da iniciativa privada, cuja entrada tem mostrado aumento da eficiência. É um setor de investimento de longo prazo e de capital muito intensivo. Ainda tem muito o que ser feito no Brasil.
Na Argentina, o novo presidente Javier Milei promete fazer muitas privatizações ao tomar posse. Como vê este movimento? Ele pode atrair investidores que hoje se concentram no Brasil?
É cedo para falar. Do olhar do estrangeiro, claramente vai abrir um pouco mais, mas nesse momento ainda talvez para um capital que busca mais risco. Mas é preciso entender a evolução disso. Nos países emergentes, você tem muita volatilidade no sentido político. Isso pode concorrer de alguma forma com o capital que viria ao Brasil, mas o tamanho do Brasil e o quanto o país está preparado em setores como energia, alimentos, agro, coloca a gente em situação melhor.