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Lombardo, da Unesco: a gestão da água vai além das obras

Para oficial da Unesco, políticas públicas bem articuladas e bem desenvolvidas, investimento e troca de experiências são essenciais para gestão da água

LOMBARDO: “estima-se que 80% de toda a água despejada na natureza não é tratada no mundo”  / Divulgação

LOMBARDO: “estima-se que 80% de toda a água despejada na natureza não é tratada no mundo” / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2018 às 08h15.

Última atualização em 31 de março de 2018 às 12h35.

O Fórum Mundial da Água, em Brasília, terminou na semana passada, mas deixou um legado de conhecimento e de discussões sobre a necessidade de se compartilhar a responsabilidade para o melhor uso dos recursos hídricos. Esta é a opinião de Massimiliano Lombardo, oficial de Meio Ambiente do setor de Ciências Naturais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil.

Para o porta-voz da Organização, os investimentos financeiros e tecnológicos são os fatores-chave na melhoria do saneamento básico, e no uso da água sem desperdício. O documento Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2018, publicado durante o Fórum, apontou para a necessidade de governos e empresas olharem para as Soluções baseadas na Natureza (SbNs) como um novo protagonista na gestão eficaz do recurso hídrico.

Qual é o balanço do Fórum Mundial da Água? Qual foi a participação da Unesco?

Foi um evento positivo. O oitavo Fórum foi o mais bem-sucedido, tanto em participação quanto em estrutura. Mais de 100.000 pessoas passaram pelo fórum e pelo espaço gratuito, e mais de 10.000 especialistas participaram dos debates. Além deles, grupos diversos participaram das discussões sobre os outros aspectos da água. Grupos indígenas, por exemplo, que participaram da discussão sobre o valor social e cultural da água. A Unesco esteve presente em mais de 100 sessões, foi a única representação da ONU e foi uma das co-organizadoras do conteúdo no Fórum. Participou do processo preparatório, no que diz respeito aos aspectos políticos e coordenou a discussão sobre compartilhamento da água.

No relatório publicado durante o Fórum, a Unesco aponta a necessidade de governos e empresas pensarem em Soluções baseadas na Natureza (SbN). O que são?

 As Sbns demonstram um novo padrão para pensar o futuro da gestão da água. Antes, os projetos estavam voltados para obras de estrutura da engenharia civil. E o relatório mostra que precisa haver maior equilíbrio em soluções verdes – a infraestrutura verde, como é conhecida -, que conta com a participação de agentes da natureza na conservação do recurso. Estudos apontam para o fato de que a água está cada vez mais escassa e cada vez mais exposta a risco. Além disso, sabemos que a água é distribuída de forma desigual. Aqui no brasil, 80% da água está na bacia da região amazônica, onde vive uma parcela muito pequena da população. Como podemos utilizar e desenvolver soluções para compartilhar a água entre regiões diferentes? As SbNs mostram que não precisamos necessariamente de obras de engenharia pesada. Elas são necessárias, é claro, mas junto com projetos que incluam os processos naturais do recurso hídrico. Em áreas pantanosas ou nos arredores de cidades, por exemplo, é necessário deixar espaço para os rios transbordarem naturalmente nas estações de mais chuva. Se nessas áreas onde o rio naturalmente deveria transbordar os governos permitem a ocupação urbana ou o cultivo de espécies que provocam danos ao próprio rio, estamos trabalhando contra a natureza. Ou seja: são intervenções no sentido de conversar ou de regular o uso do território para não poluir os recursos hídricos e achar soluções de engenharia civil que sejam integradas aos princípios da natureza.

O saneamento básico ainda é o grande problema do uso sustentável da água?

Este não é um problema só do Brasil, e há a necessidade de investir em tecnologias de saneamento. Estima-se que 80% de toda a água despejada na natureza não é tratada no mundo. No Brasil a porcentagem varia entre 20% a 70%, dependendo da região. De forma geral, mais de 50% de toda a água das cidades não recebe tratamento adequado. O tratamento de água permitiria uma reutilização e evitaria a contaminação de recursos hídricos que são cada vez mais ameaçados e poderia trazer água para populações que trabalham e vivem em áreas que não têm acesso a água doce.

Nesta semana o presidente Michel Temer aprovou o orçamento de 2 bilhões de reais para investimentos em saneamento básico. Dinheiro vai solucionar o problema do saneamento básico?

Claro que ter dinheiro é uma parte importante, mas outros aspectos são essências para a boa gestão da água e sua limpeza. Os países precisam de quadros regulatório e legislativo adequados, políticas públicas bem articuladas e bem desenvolvidas, e uma lei bem articulada e bem implementada. Às vezes, a política pode ser muito boa na teoria, mas na prática não existem ferramentas adequadas para realizá-las. Em relação ao saneamento, os recursos financeiros e investimento em tecnologias são os mais importantes a se considerar. Além de tudo isso temos a questão de práticas inadequadas, de hábitos e cultura. Alguns maus usos da água de esgoto começam a partir do cidadão comum, que às vezes não cuida da estrutura necessária para interligar sua residência com a rede de esgoto. Ou às vezes constrói um poço artesiano sem consultar a autoridade ambiental.

De que forma os cidadãos poderiam atuar nesse desenvolvimento?

Precisamos investir em tecnologias sociais. A Fundação Banco do Brasil é um exemplo de que tem trabalhado muito com populações do Nordeste e com outras entidades para disseminar tecnologias de baixo custo de dessalinização e para limpar água extraída da natureza.

E isso também contribuiria para a questão da eficiência hídrica…

A eficiência hídrica é uma questão que tem a ver com uma responsabilidade compartilhada. Não é só do governo, dos proprietários privados ou das concessionárias que atuam na distribuição da água. É uma questão de poder pensar como um todo. A sociedade deve olhar para a situação dos recursos hídricos e identificar onde está acontecendo o desperdício, o uso não adequado. Se existe uma torneira na rua pingando e ninguém for avisar a autoridade, a pia pode pingar por dias. Este é somente um caso de perda pela rede que pode ser monitorado pela população. Alguns problemas, porém, só podem ser percebidos e solucionados pelas empresas. As tubulações que correm por dentro dos prédios, do asfalto. Aí cabe às empresas e ao governo fiscalizar e solucionar.

Então é necessário compartilhar a responsabilidade…

O compartilhamento da responsabilidade e do uso da água, que foi o tema central do fórum, é o aspecto mais importante da discussão sobre o uso sustentável da água. Compartilhar a água não é apenas compartilhar o recurso, mas também compartilhar soluções para melhor gestão. A Unesco também preza pela necessidade de compartilhar o conhecimento (popular) no que se refere à gestão e conservação dos recursos hídricos. A ideia é promover a gestão mais integrada e participativa dos recursos hídricos, que são importantes para tudo que é desenvolvimento humano e sustentável. Não apenas para a conservação, mas para o desenvolvimento social, e cultural das sociedades.

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