Insegurança alimentar: o que é e por que o IBGE passará a medi-la anualmente
Quando famílias relatam escassez de comida até para crianças, é classificada no nível mais grave da escala
Agência de notícias
Publicado em 25 de abril de 2024 às 17h14.
O IBGE divulgou nesta quinta-feira a pesquisa sobre segurança alimentar no país, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC). O levantamento classifica os lares de acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia).
Nela, há quatro critérios que definem a situação dos brasileiros em um domicílio: segurança alimentar; insegurança alimentar leve; moderada ou grave. Há ainda outras pesquisas que mensuram o acesso aos alimentos pelas famílias - por isso há divergências entres números. Entenda a seguir os critérios utilizados em cada uma delas:
IBGE
O IBGE utiliza a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia). Esta escala foi sistematizada nos anos 2000, a partir de um modelo usado pelo governo americano para medir a segurança alimentar em seu censo demográfico. A sistemática foi adaptada à realidade brasileira.
São realizadas 14 perguntas sobre a situação alimentar do domicílio nos últimos 90 dias que antecederam a entrevista. A insegurança alimentar, por exemplo, só é considerada grava quando falta comida para as crianças em casa.
- Segurança alimentar: A família/domicílio tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
- Insegurança alimentar leve: Preocupação ou incerteza quanto acesso aos alimentos no futuro; qualidade inadequada dos alimentos resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos.
- Insegurança alimentar moderada: Redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre os adultos.
Insegurança alimentar grave: Redução quantitativa de alimentos também entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores, incluindo as crianças. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.
ONU
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura ( FAO, na sigla em inglês) realiza anualmente o relatório global do Mapa da Fome. A pesquisa utiliza a Escala de Experiência de Insegurança Alimentar (Food Insecurity Experience Scale, FIES), na tradução livre.
Ela é composta por oito perguntas que medem o fenômeno da insegurança alimentar em diferentes países - entre elas, há questões como "Você estava preocupado por não ter comida suficiente para comer?" "Comeu apenas alguns tipos de alimentos?", "Teve que pular uma refeição?" ou "Ficou um dia inteiro sem comer?". A pesquisa mais recente, divulgada em 2023, observou a situação crônica de falta de alimento em 111 países.
- Insegurança alimentar moderada: As pessoas não tinham certeza sobre a capacidade de conseguir comida e, em algum momento, tiveram de reduzir a qualidade e quantidade de alimentos e/ou pular refeições.
- Insegurança alimentar grave: As pessoas ficaram sem comida e passaram fome e chegaram a ficar sem comida por um dia ou mais.
- Prevalência de subalimentação: Leva em conta o consumo médio de caloria, ou seja, a quantidade necessária de calorias para que uma pessoa tenha bem-estar.
Diferente da Ebia, a FAO não tem a categoria insegurança alimentar leve - portanto, seus números não são comparáveis com os da pesquisa do IBGE.
Investigação anual da insegurança alimentar
Compromisso número 1 do presidente Lula, o combate à fome está sendo reforçado pelas instituições públicas do país. O IBGE vai passar a investigar anualmente a situação de segurança alimentar no Brasil. Até agora, o levantamento que dimensiona a situação da fome no país foi apurado pelo órgão com certos intervalos: 2004, 2009, 2013, 2017-18 e 2023.
Além disso, o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) passará a ter, até junho, quase 80% de seus dados georreferenciados com base no Censo Demográfico 2022.
Em coletiva com jornalistas para divulgação dos dados sobre insegurança alimentar em 2023 nesta quinta-feira, autoridades celebraram a queda da fome no país, mas firmaram novos compromissos para os próximos meses.
— Ao mesmo tempo que a gente celebra com muita emoção o resultado (de 2023), reste claro que a gente não vai parar. O trabalho só começou. A pesquisa (sobre insegurança alimentar) ocorrerá anualmente para que possamos avaliar os resultados, corrigir rotas e celebrar se for o caso. Mas manter a transparência do trabalho que tem sido feito — afirmou Letícia Bartholo, secretária de avaliação, gestão da informação e cadastro único, a jornalistas.
Segundo Letícia, georreferenciar os dados de pobreza e vulnerabilidade o Cadastro Único permitirá aprimorar o atendimento aos mais pobres. O CadÚnico é o principal instrumento do governo para identificar famílias brasileiras de baixa renda e permitir a elas acesso aos programas sociais.
— Agregar o setor censitário aos dados possibilita melhorar o acerto de foco e a própria gestão. Vamos poder não só agir naqueles locais, mas também observar diversas dimensões de pobreza.
Lacuna de dados
O nível de insegurança alimentar no país não foi investigado pelo IBGE durante o período da pandemia de Covid-19, por exemplo. Pesquisadores da Rede Penssan utilizaram a Escala Brasileira de Segurança Alimentar (Ebia) do instituto e, com amostra e questionário menor e não diretamente comparável com as pesquisas do órgão, conseguiram trazer informações sobre o nível de insegurança alimentar das famílias durante a pandemia.
Agora, o IBGE quer trazer mais periodicidade à pesquisa. A mais recente foi realizada em 2023 por meio da Pnad Contínua, que voltou a mensurar a fome e a insegurança alimentar no país após cinco anos sem dados do IBGE - a anterior, que mediu insegurança alimentar, foi a Pesquisa de Orçamentos Familiares em 2017-2018.