Relação Brasil-EUA: Lula aposta no diálogo enquanto Trump revisa acordos (AFP)
Agência de notícias
Publicado em 22 de janeiro de 2025 às 07h35.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê com preocupação os atos e declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre temas prioritários para o Brasil, como mudanças climáticas, adoção de sobretaxas e a relação entre Brasília e Washington. No entanto, por enquanto, a estratégia do Planalto é manter a cautela e aguardar ações práticas, como a nomeação da equipe do novo chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, que foi aprovado na última segunda-feira como secretário de Estado dos EUA.
De acordo com um interlocutor do Palácio do Planalto, o governo brasileiro quer evitar reações que possam ser interpretadas como hostis no início do segundo mandato de Trump. Um exemplo disso foi a recente declaração de Trump, em que ele afirmou que os EUA “não precisam do Brasil e da América Latina”. A resposta brasileira? Apostar na diplomacia para manter a relação “mais produtiva possível”.
Nesta terça-feira, a secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura Carvalho, que substitui o chanceler Mauro Vieira durante sua viagem ao exterior, afirmou que Trump pode dizer “o que quiser”. Ela destacou que o Brasil buscará convergências, e não divergências, na relação com os EUA. O comentário foi feito em resposta à declaração de Trump de que “o Brasil precisa mais dos EUA do que os EUA precisam do Brasil”.
Além disso, o embaixador André Corrêa do Lago, anunciado como presidente da COP30, admitiu que a saída dos EUA do Acordo de Paris terá um impacto significativo. A COP30, que será realizada em novembro, em Belém (PA), terá como uma de suas principais pautas o compromisso dos países desenvolvidos em liberar mais recursos para combater o aquecimento global.
Técnicos do governo Lula apontam, no entanto, que há espaço para cooperação com governadores americanos dispostos a manter medidas de redução de emissões de carbono. Contudo, há um temor de que esse esforço seja limitado, considerando o apoio do empresariado americano a Trump.
Diplomatas brasileiros destacam que o país manterá sua agenda na presidência do Brics, mesmo diante das ameaças de Trump. Entre os eixos prioritários está a criação de um sistema de moedas locais, que busca reduzir a dependência do dólar.
Na avaliação de especialistas, o impacto das sobretaxas americanas às importações sobre o Brasil será menor no setor do agronegócio, já que as exportações brasileiras para os EUA se concentram em produtos manufaturados. Além disso, uma possível guerra comercial entre EUA e China poderá beneficiar o Brasil, pois o país asiático tende a aumentar suas compras de alimentos brasileiros.
Outra decisão polêmica de Trump foi retirar os EUA do pacto tributário global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O acordo, do qual o Brasil é signatário, propõe a tributação de big techs e multinacionais em países onde geram receita. Contudo, fontes do governo brasileiro minimizam essa decisão, destacando que os EUA nunca estiveram plenamente envolvidos na iniciativa.
O Congresso americano já vinha bloqueando a adesão ao pilar 1 do acordo, que determina a tributação de gigantes digitais como Google e Amazon. Já no caso do pilar 2, que prevê uma tributação mínima de 15% para multinacionais, o governo americano já possui um sistema próprio.
No Brasil, a legislação local foi ajustada no final do ano passado para se alinhar a essa tributação mínima. A avaliação no governo é que a saída de Trump do pacto global não afeta diretamente essa agenda, já que a adesão ao pilar 2 é vista como uma forma de proteção contra possíveis medidas unilaterais.
As ordens executivas e discursos de Trump continuam sendo analisados por diplomatas brasileiros. Especialistas alertam para o tom messiânico do ex-presidente, especialmente em citações ao conceito do Manifest Destiny (“destino manifesto”), que reforça a visão de supremacia americana no cenário global. Esse discurso preocupa o governo Lula, que espera que a relação entre os dois países possa seguir um caminho mais pragmático.
Apesar das tensões, interlocutores do governo reforçam que os EUA continuam sendo um dos maiores investidores no Brasil, um ponto que pode ajudar a equilibrar a balança na relação bilateral.