Entrada do Irã no Brics preocupa comunidade judaica no Brasil
Confederação Israelista do Brasil disse que práticas do regime de Teerã não condizem com as propostas da diplomacia brasileira
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Agência de notícias
Publicado em 25 de setembro de 2023 às 16h39.
Última atualização em 25 de setembro de 2023 às 16h40.
O convite formal para que o Irã se torne membro do Brics , formalizado na quinta-feira, 24, junto com Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia, foi visto com ressalvas pela comunidade judaica brasileira, que questiona uma maior aproximação com o país persa em razão da tensão crescente entre Teerã e Israel. A república islâmica prega abertamente a destruição de Israel, que, por sua vez, considera o Irã uma das principais ameaças à sua segurança.
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"A Conib lamenta e vê com preocupação a eventual entrada do Irã no bloco do Brics. A teocracia iraniana defende abertamente a destruição de Israel, oprime sua população, persegue duramente mulheres e homossexuais e promove o terrorismo no Oriente Médio e além. Não são posturas nem valores que coadunam com os valores humanistas defendidos pela diplomacia brasileira", diz a entidade.
Desconforto
O desconforto da comunidade judaica com a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em relação ao Oriente Médio começou no segundo mandato do petista. Em 2009, durante o segundo mandato do presidente brasileiro, a comunidade protestou contra a vinda do então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad a Brasília.
Para a assessora acadêmica do Instituto Brasil-Israel e professora de relações internacionais da Universidade de Sorocaba, Karina Calandrin, a política externa dos governos do PT em relação a Israel sempre foi vista com muitas ressalvas.
"É o mesmo desconforto que ocorreu quando Lula se colocou à disposição para mediar uma negociação de um acordo nuclear com o Irã em 2010", avalia a professora.
Durante a administração de Dilma Rousseff, as críticas vinham das notas publicadas pelo Itamaraty, que na avaliação da comunidade judaica brasileira condenavam mais os israelenses do que o grupo Hamas pelos conflitos na Faixa de Gaza. "Existe uma crítica de que a posição do Brasil seria dura demais com Israel e muito branda com o Hamas, que é considerado um grupo terrorista pelos Israelenses", completa Calandrin.
Em nota enviada ao Estadão, a embaixada do Irã em Brasília apontou que o Brics fazem parte de uma transformação nas relações internacionais e que o aumento no número de países-membros do Sul Global vai contribuir para uma maior eficácia do bloco.
"A República Islâmica do Irã tem uma cooperação política e econômica significativa com todos os cinco membros do grupo Brics. Temos testemunhado claramente o reforço e o aprofundamento desta cooperação nos últimos anos. O Irã apoia fortemente os esforços bem sucedidos do Brics no sentido de fortalecer as relações econômicas entre os membros, bem como a utilização de moedas nacionais e o reforço dos mecanismos do bloco para pagamentos."
A embaixada também apontou que o país persa quer aproveitar as oportunidades para que empresas iranianas expandam a cooperação com o Brasil e com os demais países do bloco. "O Irã está pronto para participar ativamente de todas as áreas de atividade do Brics , devido aos seus recursos energéticos, bem como elevada capacidade científica e de engenharia em vários domínios."
A nota da embaixada também aponta que a relação entre Teerã e Brasília ainda não explorou diversos setores importantes para a parceria bilateral entre os países nos segmentos de tecnologia, mineração e indústria. "Existem enormes capacidades de negócio entre o Irã, um país asiático importante e o Brasil, como um país emergente em constante crescimento na América do Sul".
Em entrevista ao Estadão, o criador do acrônimo Bric e ex-economista do Goldman Sachs Jim O´Neill afirmou que está "quase a ponto de dizer que o Brics acabou" após a entrada de novos membros ao grupo.
"Se olharmos para os novos países, não é óbvio o que eles têm efetivamente, seja de maneira individual ou para adicionar ao grupo. Particularmente por causa do Irã, parece que o simbolismo do Brics está ficando mais e mais sem sentido. Porque obviamente olhando o status do Irã com relação ao Ocidente é uma situação bastante problemática", apontou o economista.
Oportunidade
Para o professor de política e relações internacionais da Universidade de Londres e especialista em Irã, Karabekir Akkoyunlu, o país persa buscou a entrada no Brics para quebrar o isolamento que enfrenta na arena internacional.
"O isolamento ocorre por conta das sanções econômicas de países ocidentais e lideradas pelos EUA, mas o regime tem enfrentado uma crise de legitimidade muito grande internamente e o Irã está tentando melhorar esta questão", aponta o analista. "A adesão do Irã ao Brics é um reconhecimento das potências não ocidentais, particularmente China e Rússia, de legitimidade a Teerã, o que pode melhorar a imagem do regime iraniano a nível interno e também globalmente, possivelmente aumentando o potencial para relações econômicas comerciais com o mundo não ocidental".
Na véspera da cúpula do Brics, o Irã pressionou o Brasil para que o País demonstrasse apoio ao pleito iraniano de entrar no bloco.
"Como país que apoia a multipolaridade, o Irã acredita que o Brics deve crescer e, por meio de nossas boas relações com os cinco países-membros, temos grande interesse em ingressar neste grupo", apontou no começo de agosto Ali Bagheri, enviado da diplomacia iraniana em visita ao Itamaraty. "Temos certeza de que a entrada de países como o Irã irá trazer mais força e estabilidade, efeitos positivos para o Brics, e nesse sentido temos uma visão comum com nossos amigos brasileiros."
Na quinta-feira, 24, o presidente Lula se reuniu com o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, e exaltou as relações comerciais entre os dois países. O Irã foi o maior importador de produtos brasileiros no Oriente Médio em 2022 e 18° na lista geral de importadores do ano passado. Já Israel, no mesmo período, foi o quarto maior comprador de produtos brasileiros no Oriente Médio e 35º no geral.
Akkoyunlu avalia que a entrada do Irã, assim como o ingresso de outros países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos faz parte de uma estratégia do Brics de abrigar alguns dos maiores produtores de petróleo e gás do mundo.
O professor de relações internacionais também destaca que a tentativa do Irã de sair do isolamento internacional ocorre há algum tempo. "Os laços diplomáticos restaurados com a Arábia Saudita e mediados pela China mostram essa tentativa iraniana. A entrada de Teerã na Organização para Cooperação de Xangai neste ano reflete este forte lobby da chancelaria do Irã."
Pragmatismo
Para a assessora acadêmica do Instituto Brasil Israel, a chancelaria israelense não deve se manifestar publicamente, optando pelo pragmatismo em relação ao Brasil.
"Israel quer resolver seus problemas internos e se pensarmos nos outros países que também foram convidados a entrarem no Brics, Israel não tem nenhuma objeção a isso. O diálogo com a Arábia Saudita está crescendo, o país também tem boas relações com a Etiópia, Egito, Emirados Árabes e Argentina", destaca Calandrin.
De acordo com Akkoyunlu, o governo brasileiro está tentando manter boas relações com o Ocidente e com os países não ocidentais. "O governo Lula segue sendo bastante pragmático em relação as relações internacionais, apesar da entrada do Irã e de outros países do Brics", completa.