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Em uma década, proporção de crianças que aderem ao tráfico dobrou no RJ

Estudo faz radiografia dos jovens e adolescentes que atuam no comércio de drogas nas favelas fluminenses

Criança brinca em laje de casa na favela de Pavão-Pavãozinho no Rio de Janeiro (Mario Tama/Getty Images)

Criança brinca em laje de casa na favela de Pavão-Pavãozinho no Rio de Janeiro (Mario Tama/Getty Images)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 2 de agosto de 2018 às 10h06.

Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 10h38.

São Paulo - A proporção de jovens e adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro que admitem que entraram para o crime quando tinham entre 10 e 12 anos dobrou nos últimos dez anos. Em 2006, 6,5% dos jovens que atuavam na rede admitiam que tinham sido recrutados nessa faixa etária. No ano passado, o percentual saltou para 13%, segundo estudo do Observatório de Favelas lançado nesta semana.

A pesquisa “Novas Configurações das Redes Criminosas após a implantação das UPPs” ouviu 261 jovens e adolescentes com idade entre 16 e 30 anos envolvidos no mercado de drogas ilícitas no Rio de Janeiro entre maio de 2017 e abril de 2018.

De acordo com a sondagem, a maior parte dos entrevistados (54,4%) começou a atuar no setor quando tinham entre 13 e 15 anos de idade.  Quase 30% do total entrou no crime com mais de 16 anos.

A idade de ingresso no tráfico coincide com a faixa etária em que esses jovens abandonaram a escola e começaram a consumir drogas. Segundo o estudo, 47% dos entrevistados começaram a usar substâncias ilícitas com idade entre 13 e 17 anos e quase 30% quando tinham entre 10 e 12 anos.

“A falta de atratividade do contexto escolar, aliada à precariedade das condições de trabalho às que tiveram acesso, e a possibilidade de acesso a um maior rendimento na rede ilícita favorecem que o tráfico de drogas seja identificado como uma atividade mais atrativa”, resume a pesquisa.

Dinheiro, amigos e adrenalina

No geral, a maior parte desses jovens afirma que ingressaram nessa atividade por razões puramente econômicas: 62% disseram que queriam ajudar a família e outros 47,5% por conta da possibilidade de se “ganhar muito dinheiro”. Quase metade dos entrevistados (45,5%) tem filhos - o que mostraria, segundo a pesquisa, a pressão para ter mais recursos e sustentar a família.

Há também quem tenha entrado para o crime por causa das relações com amigos (15,3%) ou pela adrenalina que a atividade oferece (14,6%). Outros 9,2% disseram que não conseguiram outro emprego e 6,5% afirmaram que, na verdade, o problema era encontrar um emprego com a mesma renda.

“A principal motivação para o ingresso nessa atividade diz respeito à possibilidade de receber um volume de recursos financeiros que dificilmente seria possível para esses jovens, seja no mercado formal ou mesmo informal”, afirma o estudo.

Cerca de metade dos entrevistados ganhava, em média, entre mil e 3 mil reais por mês com essa atividade. Para a maior parte deles (63%), a carga horária de trabalho superava as 10 horas diárias em regime de plantão - sem dia de folga para cerca de 48% dos entrevistados.

Metade dos entrevistados se dividia entre as funções de vapor”, que é quem realiza a comercialização de drogas, e “soldado”, que atua nos confrontos armados. Ao todo, 15,3% atuavam como em cargos de gerência, 8,8% como abastecedores e 8% como embaladores.

Evasão escolar

Quase 80% dos jovens envolvidos com o tráfico não estão mais na escola. Para a maioria deles, a evasão acontece entre o quinto e o sétimo ano do Ensino Fundamental. 34,5% tinha entre 15 e 16 anos quando parou de estudar.

Novamente, as razões econômicas aparecem como o principal motivo para a evasão escolar: 40,4% dos entrevistados afirmaram que precisava de dinheiro para ajudar a família ou para conseguir bens de consumo desejados. Outros 14,8% admitem que deixaram a escola por que não gostavam de estudar ou por que não gostavam do ambiente escolar (7,5%).

Pouco mais de 20% dos entrevistados ainda continuam estudando. Segundo a pesquisa, essa continuidade, geralmente, está relacionada ao tipo de trabalho que esses jovens exercem no mercado de drogas e a carga horária de trabalho.

Violência e risco

Para 82,8% dos jovens questionados pelo estudo, o risco de morte é a pior parte da atividade na rede ilícita de drogas. Metade teme ser preso e 17,6% apontaram a extorsão de policiais como um dos principais problemas do trabalho.

“A forma como se dá a relação com a polícia, de maneira irregular, onde através da corrupção policial se encontram meios diversos para lucrar com essa atividade, seja através do 'arrego' ou de extorsões produz, em contrapartida, um sentimento difuso de revolta que muitas vezes acaba sendo o fator que sustenta essa manutenção do vínculo e a continuidade da participação e mesmo o grau de engajamento nessa atividade”, afirma o estudo.

Mais da metade dos entrevistados já participaram de, no mínimo, cinco confrontos com a polícia. 76% dos entrevistados afirmaram que já foram vítimas de violência policial - 38% por cinco vezes ou mais. Apenas 24% nunca foram submetidos a esse tipo de ação e 30% nunca vivenciou confrontos com a polícia, provavelmente, devido ao tipo de atividade que exercem na rede.

Na pesquisa atual, 53,3% admitem que já vivenciaram, em no mínimo cinco momentos, situações de confrontos com grupos rivais. Há dez anos, 46,5% dos entrevistados disseram que nunca tinha participado desses conflitos. Isso se explica pela intensificação das disputas por território recentemente no Rio de Janeiro.

Como deixar o tráfico

Pouco mais da metade dos entrevistados afirmou que arrumar um emprego formal (54%) e ganhar muito dinheiro (49,4%) são fatores que contribuíram para tirá-los do tráfico. Quase 24% deles, por outro lado, afirmaram que “namorar uma menina legal” também ajudaria nesse processo - vale lembrar que apenas 6,7% da base entrevistada era composta por mulheres.

Um quarto dos jovens entrevistados afirma que está plenamente satisfeito com a vida atual e 37,5% diz que a o grau de satisfação com sua realidade é médio. Mesmo assim, quando questionados sobre o que sonham para o futuro, a ideia de “sair dessa vida” foi repetida com regularidade.

“A maior parte dos sonhos expressos pelos entrevistados dizem respeito ao abandono da trajetória no crime e ao retorno ou a construção de uma vida que envolve trabalhar, se dedicar à família, ter uma profissão reconhecida, com boas condições de vida e em paz”, afirma o relatório.

Segundo os pesquisadores, os resultados da pesquisa apontam a necessidade de políticas públicas que previnam a entrada do jovem e adolescentes no tráfico por meio de programas que, por um lado,  favoreçam o vínculo com a escola ou  que, por outro, fomentem a geração de trabalho e renda para os indivíduos nessa faixa etária.

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