Brasil

Em artigo escrito da prisão, Lula distorce dados

O ex-presidente critica situação atual do país, sem revelar que parte dos problemas começou no segundo mandato de Dilma Rousseff

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Patricia Monteiro/Bloomberg)

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Patricia Monteiro/Bloomberg)

Valéria Bretas

Valéria Bretas

Publicado em 28 de maio de 2018 às 11h11.

Última atualização em 28 de maio de 2018 às 17h30.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém o desejo de se candidatar nas eleições deste ano. Condenado pelo juiz Sérgio Moro, ele cumpre pena de 12 anos de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula escreveu da prisão um artigo publicado pelo jornal francês Le Monde em 16 de maio, em que diz não ter cometido nenhum crime e manifesta o seu desejo de voltar a comandar o país. No texto, cujo título é “Por que eu quero ser presidente do Brasil de novo”, ele relembra sua biografia, lista resultados positivos dos seus dois mandatos e da administração de Dilma Rousseff (PT) e critica o governo de Michel Temer (MDB).

O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública, que tem verificado o discurso dos presidenciáveis – analisou oito frases do artigo. Foram identificadas distorções em três delas, falta de contexto em outras duas e um exagero. Uma das falas é discutível e a outra traz um dado impossível de provar. O ex-presidente já havia sido verificado em novembro do ano passado, ao discursar em Belo Horizonte no encerramento da Caravana de Minas Gerais. A assessoria de imprensa de Lula informou as fontes das afirmações, mas optou por não comentar os selos da checagem.

“Terminei meus mandatos com 87% de aprovação popular.”

É verdade que Lula terminou o segundo mandato com aprovação recorde de 87%, segundo levantamento encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao Ibope em dezembro de 2010. Foi o maior resultado obtido por um presidente. Mas essa e outra pesquisa da época, feita pelo Instituto Datafolha, chegaram a um número inferior sobre o índice de aprovação do seu governo. A checagem dessas informações mostra que o ex-presidente escolheu o número mais favorável possível sobre o seu desempenho pessoal, omitindo outros resultados. Faltou contexto.

Os 87% de aprovação da pesquisa CNI/Ibope foram obtidos a partir da resposta à seguinte pergunta: “O(A) sr(a) aprova ou desaprova a maneira como o presidente Lula está governando o Brasil?”. Foram ouvidas 2.002 pessoas em 140 municípios. Como a pesquisa tem margem de erro de 2 pontos porcentuais, para mais ou para menos, a aprovação ficou na faixa de 85% a 89%. Além do resultado positivo, 10% disseram que desaprovavam e 2% falaram que não saberiam responder.

Quanto ao desempenho do governo, os números foram inferiores. Dentre os entrevistados, 26% classificaram o segundo mandato do ex-presidente como “ótimo” e 54% das pessoas ouvidas acharam “bom”, somando um total de 80% (78% a 82%, considerada a margem de erro). A parcela dos que consideraram a administração “regular” foi de 16% (14%-18%). O período recebeu a classificação de “ruim” para 2% (0-4%) e de “péssimo” também para 2% (0-4%).

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha na mesma época chegou a dados semelhantes. O levantamento ouviu 11.281 pessoas, e a margem de erro é de 2 pontos porcentuais. O governo Lula foi considerado “ótimo/bom” por 83% dos entrevistados (81%-85%), “regular” para 13% (11%-15%) e “ruim/péssimo” para 4% (2%-6%). Assim como ocorreu no caso da pesquisa CNI/Ibope, foi o melhor resultado obtido pela administração de um presidente em levantamentos desse tipo.

“Tiramos 36 milhões de pessoas da miséria extrema.”

Dados oficiais apurados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, entre 2002 e 2012, o número de brasileiros na faixa de extrema pobreza caiu de 14,9 milhões para 6,5 milhões. O número apresentado por Lula no artigo para o Le Monde provavelmente deriva de um discurso feito por Dilma Rousseff (PT) em 2014. Na ocasião, a presidente afirmou que 36 milhões de brasileiros saíram da miséria na última década. Uma estatística similar foi apresentada pela pré-candidata da Rede, Marina Silva, em entrevista ao programa Pânico!, da rádio Jovem Pan.

O dado usado por Dilma, no entanto, é relativo apenas aos beneficiários do programa Bolsa Família que estariam na extrema pobreza se não recebessem o benefício em 2012. Já o do Ipea utiliza a renda real da população para o cálculo, com todos os benefícios incluídos, analisando o período entre 2002 e 2012. Por isso, o número apresentado por Lula é exagerado – aponta uma tendência correta de diminuição da miséria, mas utiliza um valor incorreto.

Os dados do estudo “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” mostram que, de 2002 a 2012, o número de brasileiros considerados extremamente pobres caiu de 14,9 milhões para 6,5 milhões. O período abrange os oito anos de mandato do presidente Lula, além de dois anos do governo Dilma. O cálculo baseia-se nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1992, 2002, 2011 e 2012, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles permitem verificar a incidência de pobreza e extrema pobreza com base em estatísticas de renda calculadas a partir do salário mínimo.

As contas do Ipea seguem os parâmetros adotados na maioria da estatísticas oficiais, como a classificação de pobreza e extrema pobreza do Plano Brasil Sem Miséria, ajustada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Definido em 2011, o estudo considera como miséria ou pobreza extrema uma renda mensal individual que vai até R$ 70. Mesmo na faixa de renda mensal até R$ 140, que caracteriza o grupo de pobreza, o contingente cai de 41 milhões para 15,7 milhões de brasileiros no período, número também muito diferente do apresentado por Lula.

O cálculo do Ministério do Desenvolvimento Social, que chegava a 36 milhões, vem de uma situação hipotética para a renda dos beneficiários de programas e não de uma comparação entre a quantidade de brasileiros na miséria antes e depois do Bolsa Família. O dado do Ipea, por sua vez, utiliza como base a renda real da população, com todos os benefícios incluídos, para o cálculo de extrema pobreza, o que resulta em um número bem menor e mais realista.

“Levamos mais de 40 milhões para a classe média.”

Entre os avanços sociais do governo Lula (2003-2010) está o crescimento da chamada classe média. O problema é que os critérios adotados para a definição desse grupo variam entre diferentes pesquisas, e não é possível dizer que uma delas está mais correta do que a outra. Por isso, a afirmação foi considerada discutível.

A assessoria de imprensa do ex-presidente informou que a origem da informação é a pesquisa “O Observador – Brasil 2012”, realizada pela empresa de crédito bancário Celetem BGN. Os dados mostram que, de 2005 para 2011, a proporção de brasileiros na classe C aumentou 20 pontos porcentuais – de 34% para 54% –, o que representa 40,3 milhões de pessoas. Foram realizadas entrevistas com 1.500 famílias e o critério adotado para determinação das classes sociais foi a posse de bens e escolaridade dos membros da família.

Outra pesquisa, “Os Emergentes dos Emergentes: Reflexões Globais e Ações Locais para a Nova Classe Média Brasileira”, realizada pelo professor Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), teve resultados ligeiramente menores. O estudo aponta que 39,5 milhões de brasileiros ingressaram na classe C entre 2003 e 2011, levando-a a totalizar 105,4 milhões de pessoas – 55,35% da população pelo Censo 2010. Nas classes A e B foram 9,1 milhões de pessoas.

O estudo utiliza microdados de 2002 e 2003 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para estabelecer a renda de famílias da Classe C. A distribuição de renda foi dividida em três recortes de modo que os grupos fossem o mais diferentes entre si e mais homogêneos internamente. Assim, foi estabelecido que famílias com renda mensal entre R$ 1.200 e R$ 5.174 (valores de 2011) estariam na classe média. Acima disso estão as classes A e B, e abaixo, D e E.

Já a Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal determinou, em pesquisa de 2012, o critério para definição de pessoas de classe média. Seriam aquelas com renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.019, ou renda familiar entre R$ 1.164 e R$ 4.076 – intervalo menor que o adotado pela pesquisa da FGV. Segundo o órgão, entre 2003 e 2011, a parcela da população nessa situação aumentou 15 pontos porcentuais – de 37% para 52%. Foram 28,6 milhões de pessoas que entraram na classe média durante os oito anos de governo Lula.

A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) utiliza critérios parecidos com os da Celetem BGN para determinação de classe média, mas conseguiu resultados diferentes. Em 2011, famílias que foram consideradas de classe C por essa pesquisa tinham renda familiar média de R$ 1.685 para classe média alta (C2) ou R$ 1.147 para classe média baixa (C1). Isso representa 42,5% da população, ou 81 milhões de brasileiros, menos do que os 54% apontados pela pesquisa da Celetem BGN. Não existe a estatística de quanto isso aumentou ao longo dos anos.

O professor FGV explica que o critério utilizado pela Abep não é feito para saber qual foi a evolução do grupo, pois utiliza ativos, e a relação deles com renda varia ao longo do tempo. “São várias metodologias possíveis para o estabelecimentos de classes sociais”, explica Neri. Ele diz que a classe C brasileira não seria considerada classe média em países desenvolvidos, por exemplo.

Uma pesquisa conduzida em 2014 pelo Ipea mostrou que 62,7% dos brasileiros se consideravam de classe média, contra os 58% de projeção para a classe C para o ano. Assim, o conceito de classe média varia de acordo com a pesquisa e também de acordo com a região e a percepção das pessoas.

“[O juiz Sérgio Moro] me condenou a 12 anos de prisão por ‘atos indeterminados’.”

Na sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro em 12 de julho de 2017, Lula foi condenado a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A condenação a 12 anos e um mês de reclusão veio depois, quando a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em 24 de janeiro de 2018.

Moro não esclarece, na sua sentença, quais seriam os atos que Lula teria executado para beneficiar as empresas envolvidas nos contratos listados pelo Ministério Público Federal (MPF) na acusação. O juiz utiliza o termo “atos de ofício indeterminados” para qualificar a conduta do ex-presidente. Falta, no entanto, contexto à afirmação de Lula. Há jurisprudência que dá margem para a interpretação feita por Sérgio Moro do crime de corrupção, de que não é necessária a determinação do ato de ofício indevido para que seja caracterizado o crime de corrupção passiva.

A assessoria de imprensa do ex-presidente afirmou que a fonte da informação usada foi a própria sentença do juiz. “[A sentença] fala que não foi possível encontrar atos de Lula relacionados aos três contratos listados pelo Ministério Público na acusação de corrupção. O próprio juiz na sentença fala que não são necessários atos de ofício no exercício do cargo de presidente determinados e fala então em condenar por ‘atos de ofício indeterminados’”, alega. “O termo ‘de ofício’ é relacionado ao cargo, ao ofício. O crime de corrupção exige que a pessoa faça algo relacionado ao cargo em troca do benefício. Como não está determinado na sentença que ato foi esse, ela diz, explicitamente, que Lula foi condenado por ‘atos indeterminados’.”

Moro realmente utiliza o termo citado por Lula em um trecho da sentença, que conta com mais de 200 páginas. “Basta para a configuração [do crime] que os pagamentos sejam realizados em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam”, atesta Moro na sentença. O juiz admite que essa interpretação ainda gera discussão no meio jurídico, mas afirma que as decisões mais recentes dão respaldo à interpretação de que o crime de corrupção não depende da prática de ato de ofício.

Para comprovar a tese, Moro cita jurisprudências recentes que referendam seu entendimento, entre elas uma decisão de março de 2017 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No caso, ficou determinado que, no crime de corrupção passiva, o ato funcional indevido não precisa ser individualizado nem diretamente ligado à vantagem recebida.

Para o juiz Sérgio Moro, o Supremo Tribunal Federal (STF) não firmou jurisprudência a respeito da determinação de atos de ofício no crime de corrupção. “Na Ação Penal (AP) 470, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (Relator Ministro Joaquim Barbosa, 17/12/2012), a questão foi discutida, mas, na interpretação deste Juízo, não há uma afirmação conclusiva a respeito dela, pelo menos expressa, nos fundamentos do julgado”, afirma.

Para alguns juristas, há, sim, jurisprudência do STF sobre o assunto ­– e ela apontaria para a necessidade de determinação de ato de ofício. O criminalista João Marcos Braga, em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, alega que o STF determinou nos anos 90 que o ato de ofício, quando não está presente, afasta a existência de delito de corrupção passiva. A decisão, segundo Braga, deriva do julgamento da Ação Penal 307, na qual Collor foi absolvido criminalmente de uma acusação de corrupção em esquema com o tesoureiro Paulo César Farias justamente pela falta de ato de ofício.

Uma reportagem do Nexo abordou três juristas a respeito da indispensabilidade do ato de ofício no crime de corrupção. Indicado pela assessoria de imprensa do ex-presidente Lula como fonte da afirmação feita no artigo do Le Monde, o texto apenas comprova a falta de consenso no meio jurídico a respeito do tema. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Alamiro Velludo, a corrupção sempre foi identificada como uma relação de “toma lá, dá cá”, portanto é necessária a existência de um ato de ofício para que haja o crime de corrupção. Já a criminalista Roselle Soglio acredita que a tese do ato de ofício ganha ênfase no Supremo e tende a se consolidar. Pietro de Jesús Lora Alarcón, professor Escola Paulista de Direito (EDP), confirma que o entendimento não é consensual no meio jurídico.

“Em dezembro de 2014 o desemprego no Brasil era 4,7%. Hoje está em 13,1%.”

Os dados sobre desemprego citados por Lula no artigo do Le Monde não podem ser comparados. Também não levam em conta a evolução da taxa no período. Ao omitirem isso, criam a falsa impressão de que, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) – de janeiro de 2015 até seu afastamento, em maio de 2016 –, os números ainda não eram altos. Como a frase se baseia em elementos corretos para mudar a percepção da realidade, foi classificada como distorcida.

O primeiro número mencionado na fala do ex-presidente está errado, mas se aproxima do resultado registrado para aquele mês pela Pesquisa Mensal do Emprego (PME), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa de desocupação em dezembro de 2014 foi de 4,3% ­– a menor da série histórica da PME iniciada em 2002 –, não de 4,7%. O levantamento registrou tendência de queda no desemprego a partir de abril de 2004, no primeiro mandato de Lula, quando havia chegado ao porcentual recorde de 13,1%.

Depois do baixo índice de dezembro de 2014, os números entram em uma tendência de alta e atingem 8,2% em fevereiro de 2016. Naquele mês, no entanto, a PME deixou de ser realizada pelo IBGE. A taxa de desocupação já vinha sendo medida, desde o 1º trimestre de 2012, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que adota uma metodologia diferente, baseada em uma amostragem mais ampla. A PME analisava o mercado de trabalho a partir de dados de seis regiões metropolitanas. Já a Pnad Contínua abrange o país todo e seus resultados tornaram-se o indicador oficial do desemprego no país.

As diferenças metodológicas entre as duas pesquisas impedem comparações entre ambas, como fez o ex-presidente. O dado de 13,1% de desocupação, segundo número citado na frase, foi registrado pela Pnad Contínua para o primeiro trimestre de 2018. Deve-se confrontá-lo com o outro resultado colhido da mesma maneira e de forma mais abrangente por essa pesquisa do IBGE. Segundo a série histórica da Pnad Contínua, a taxa de desocupação foi de 6,5% no último trimestre de 2014, número superior aos “4,7” mencionados por Lula.

Assim como ocorreu com a PME, a partir desse período a taxa entra em uma tendência de alta. Na Pnad Contínua, contudo, os resultados mostram isso de modo mais claro. A taxa de desocupação aumenta progressivamente e chega a 11,2% no trimestre de março-abril-maio de 2016, quando Dilma foi afastada pela abertura do processo de impeachment pelo Senado. O desemprego continuou a crescer até chegar ao recorde de 13,7% para o primeiro trimestre de 2017. A curva passa então a ser de queda até o quarto trimestre do ano passado (11,8%), mas volta a subir até a última divulgação, do primeiro trimestre de 2018 (13,1%). Os números mostram, portanto, que o desemprego começou a subir no início do segundo mandato de Dilma.

“A pobreza tem aumentado.”

A frase de Lula dá a entender que a pobreza passou a subir recentemente, durante o governo de Michel Temer. Os dados indicam, no entanto, que esse crescimento começou no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, em 2015. Embora o ex-presidente tenha acertado ao falar que houve piora crescente desse indicador, sua frase foi classificada como distorcida, por causar uma falsa interpretação sobre quando isso começou.

Durante o governo Lula (2003-2010), o número de extremamente pobres (que possuem renda mensal familiar abaixo de R$ 77 por pessoa) diminuiu para 14,4 milhões de pessoas, enquanto 27,4 milhões deixaram a pobreza (aqueles com rendimento familiar acima de R$ 77 por pessoa e abaixo de R$ 155 por pessoa), segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) organizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Entre 2011 a 2014, no primeiro mandato de Dilma, o número de pessoas extremamente pobres caiu de 11,7 milhões para 8,1 milhões. Já a quantidade de pobres diminuiu em 8,4 milhões de pessoas no mesmo período. Foi no ano de 2015 que a quantidade de pessoas na pobreza cresceu. De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, naquele ano a renda domiciliar per capita caiu R$ 56,50 e a proporção de vulneráveis à pobreza aumentou 2,2 pontos porcentuais.

No artigo “Desigualdade e pobreza em alta”, Marcelo Negri, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor da FGV Social, mostra que a pobreza subiu 19,3%, com cerca de 3,6 milhões de novos pobres. A linha de extrema pobreza adotada na pesquisa é de R$ 90,70 e a de pobreza é de R$ 223 por pessoa, a preços de março de 2017. Em entrevista ao Truco, Negri disse que, como o Brasil não possui uma linha de pobreza oficial, se muitas metodologias indicam uma mesma tendência, ela é considerada correta.

A assessoria de Lula informou que a fonte da afirmação é uma reportagem do Valor Econômico, publicada no dia 12 de março de 2018. A matéria utilizou um relatório da LCA Consultores, que levantou microdados da Pnad Contínua entre 2016 e 2017 para mostrar que o número de pessoas em situação de extrema pobreza cresceu 11,2% nesse período.

A consultoria adotou a linha de corte do Banco Mundial para países de nível médio-alto de desenvolvimento, que corresponde a cerca de R$ 136 mensais, em valores de 2017. A partir dessa metodologia, descobriu que, nos últimos dois anos, a população em extrema pobreza passou de 13,34 milhões em 2016 para 14,83 milhões no ano passado. O documento da LCA Consultores não está disponível e não foi fornecido pela empresa ao Truco.

O Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) lançou no dia 22 de maio um levantamento sobre o total das pessoas em extrema pobreza nos estados e no Brasil a partir dos microdados da Pnad Contínua. A metodologia seguiu os parâmetros do Programa Bolsa Família, que considera extremamente pobres as pessoas com rendimento domiciliar per capita menor ou igual a R$ 85. Entre 2016 a 2017, houve um aumento de 13,95%, ou seja, o número de pessoas nessa condição passou de 8,7 milhões para 10,1 milhões. No ano passado, o Nordeste e o Sudeste tiveram a maior população em extrema pobreza do país, segundo a pesquisa.

“A fome voltou a rondar os lares.”

Não se sabe se o impacto social causado pela crise econômica dos últimos anos vai persistir ou se agravar, por conta da lenta recuperação da economia e de cortes nos gastos pelo governo federal. Um dos temores é o risco da volta da fome. Mais de 20 organizações da sociedade civil produziram, em julho do ano passado, o “Relatório Luz da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”, sobre o desempenho do país no cumprimento dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento aponta que medidas tomadas pelo governo Temer podem dificultar o acesso aos alimentos aos mais pobres, agravando a situação da insegurança alimentar. Até o momento, contudo, não há dados que mostrem que isso voltou a ocorrer. A afirmação de Lula é impossível de provar.

Questionada sobre a fonte das informações, a assessoria de imprensa do ex-presidente respondeu que o aumento da pobreza traz o risco da volta da fome. “O Jornal da Record publicou uma série de reportagens sobre o tema e o El País também”, informou. Entretanto, em ambas as notícias não há um dado recente sobre isso. Em entrevista à Época Negócios, no dia 10 de outubro de 2017, o economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Francisco Menezes, um dos elaboradores do “Relatório Luz da Agenda 2030”, explicou que a fome está muito associada à pobreza extrema e a situação do desemprego se agravou. “Num quadro de desemprego, esse nível de redução agrava a situação social”, disse. Ao ser questionado sobre se as organizações dispunham de um dado consolidado, Menezes respondeu que não.

Segundo Marcelo Negri, professor e diretor da FGV Social, é provável que a fome seja uma consequência da pobreza. Essa comparação, contudo, é mais complexa do que parece, pois depende de indicadores de segurança alimentar – que avaliam a subnutrição da população – e também dos fatores econômicos. A deflação nos alimentos, por exemplo, aumenta o acesso ao consumo da população de baixa renda. Isso aconteceu no ano passado no grupo “alimentação no domicílio”, que teve uma deflação de 5,14%, do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador tem como população-objetivo as famílias com renda mensal entre 1 e 5 salários mínimos que vivem em áreas urbanas.

O dado mais recente e reconhecido mundialmente sobre o assunto é o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) que divulga os países nos quais mais de 5% da população é subnutrida. Desde 2014, durante o governo de Dilma Rousseff, o Brasil se configura abaixo desse percentual de habitantes subnutridos. Em outro relatório da FAO, publicado em 2017, menos de 2,5% da população brasileira é subnutrida. Estes dados são referentes ao período entre 2014 a 2016.

O diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), José Graziano da Silva, disse ao UOL, que, se o Brasil não retomar o crescimento econômico, gerar empregos de qualidade e tiver um programa de segurança alimentar para as áreas mais pobres, pode voltar a fazer parte do Mapa da Fome, ou seja, o número de pessoas subnutridas no país pode aumentar. “Quando há uma crise econômica, muitas pessoas começam a mover-se para a linha abaixo da pobreza. É uma linha tênue, principalmente em razão do emprego temporário: quando a pessoa consegue o emprego, passa para cima da linha; quando perde o emprego, retorna para baixo da linha”, afirma.

“Os investimentos em pesquisa desabaram.”

Dentre os problemas apontados por Lula no governo de Michel Temer está a redução dos investimentos em pesquisa realizados pelo governo. Segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, houve diminuição nos últimos anos. Mas a redução começou durante o governo de Dilma Rousseff, defendido pelo ex-presidente em seu artigo. Por isso, a afirmação foi considerada distorcida.

A assessoria de imprensa de Lula disse que informação se baseia em carta publicada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 21 de maio deste ano – depois da data de publicação do artigo de Lula. A entidade denuncia o sucateamento da ciência e diz que o orçamento para investimento na área foi reduzido a um terço do que foi aplicado em 2010, voltando a níveis de 2002. O texto ainda reclama da dissolução do Ministério de Ciência e Tecnologia, que se uniu ao das Comunicações em 2017.

De acordo com informações enviadas pelo ministério ao Truco, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação dedicado à pesquisa de fato diminuiu nos últimos anos. Em 2003, era de R$ 1,9 bilhão. Em 2009, O número subiu para R$ 4,5 bilhões, aumentando durante o governo Dilma até atingir R$ 7,8 bilhões em 2013. A partir de 2014, a verba começou a cair e foi reduzida drasticamente em 2016, que contou com apenas R$ 4,3 bilhões. Em 2017, quando Ministério da Ciência foi unido ao das Comunicações, o orçamento das duas áreas juntas foi de R$ 5,2 bilhões – R$ 200 milhões a menos que em 2016.

Até 2015, os gastos nacionais com pesquisa e desenvolvimento estavam em crescimento. As despesas federais foram de R$ 4 bilhões para R$ 27 bilhões em 15 anos, incluindo todo o orçamento executado para a área e cursos de pós-graduação. O Ministério da Ciência, responsável pelo levantamento desses dados, disse que as informações de 2016 em diante ainda não estão disponíveis.

Os cortes em pesquisa começaram ainda em 2015, no governo Dilma. Em 2014 foi realizado o último edital do Programa Ciências Sem Fronteiras, que dava bolsas para alunos estudarem e realizarem pesquisas no exterior. O projeto foi encerrado em 2016 e as instituições de ensino federais reduziram em até 99% os envios de estudantes para fora do país. Também em 2015, os gastos do governo federal com pós-graduação diminuíram pela primeira vez em 15 anos, com uma queda de R$ 1 bilhão. Em 2016, ainda sob administração de Dilma, o governo federal anunciou contingenciamento de gastos no orçamento do Ministério da Ciência. A redução foi de R$ 1 bilhão, quase 25% do orçamento para o ano.

Temer continuou com a redução dos investimentos em pesquisa iniciadas com Dilma. Em março de 2017, o governo anunciou redução de 44% no orçamento federal para ciência. O orçamento caiu para R$ 3,3 bilhões, menor verba desde 2006.

*Reportagem de Ethel Rudnitzki, Felipe Sakamoto, Maurício Moraes, Patrícia Figueiredo

 

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