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Bolsonaro manda Receita perdoar dívidas milionárias de igrejas evangélicas

Em reunião nesta semana, o presidente ordenou à equipe econômica "resolver o assunto", mas a queda de braço continua por resistência da Receita Federal

Bolsonaro: atitude do presidente é vista pela equipe da Economia como mais uma tentativa de interferência política (NurPhoto/Getty Images)

Bolsonaro: atitude do presidente é vista pela equipe da Economia como mais uma tentativa de interferência política (NurPhoto/Getty Images)

Isabela Rovaroto

Isabela Rovaroto

Publicado em 30 de abril de 2020 às 12h36.

Última atualização em 30 de abril de 2020 às 12h38.

O presidente Jair Bolsonaro se reuniu na última segunda-feira, 27, no Palácio do Planalto com o deputado federal David Soares (DEM-SP) filho do missionário R. R. Soares, e com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, no encontro, a portas fechadas, o presidente cobrou uma solução para dívidas tributárias que as igrejas possuem com o Fisco. Bolsonaro já ordenou à equipe econômica "resolver o assunto", mas a queda de braço continua por resistência do órgão.

Um eventual perdão das dívidas traria prejuízo às contas públicas. A Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada por R. R. Soares (com quem o presidente já se encontrou em outras ocasiões), acumula R$ 144 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União — terceira maior dívida numa lista de devedores que somam passivo de R$ 1,6 bilhão.

A mesma igreja ainda tem outros dois processos em curso no Carf, tribunal administrativo da Receita, que envolvem autuações de R$ 44 milhões em valores históricos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

Em um vídeo divulgado em redes sociais em outubro de 2016, R. R. Soares aparece em um evento ao lado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje preso após condenação na Operação Lava Jato, citando multas aplicadas às igrejas que chegavam a R$ 600 milhões até 2014.

A ordem do presidente foi recebida na área econômica como mais uma tentativa de interferência do presidente em assuntos internos de um órgão para atender o seu eleitorado. Na última semana, Sergio Moro deixou o governo acusando o presidente de exigir relatórios de investigações sigilosas da Polícia Federal e, o Ministério Público Federal abriu inquérito para apurar uma ordem de Bolsonaro para revogar portarias do Exército.

Tentativas de interferir na Receita já resultaram em crises políticas. No governo Luiz Inácio Lula da Silva, a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff foi acusada pela secretária do órgão Lina Vieira de pedir para aliviar uma investigação que envolvia a família Sarney.

Lina deixou o cargo e Dilma precisou se explicar ao Congresso. Não é a primeira vez que Bolsonaro tenta impor à Receita a revisão das multas das igrejas. O ex-secretário da Receita Marcos Cintra disse a interlocutores que não ceder a essa ordem foi um dos motivos para ter deixado o cargo.

O deputado David Soares preferiu não se manifestar sobre a reunião com o presidente que constou em agenda oficial. "Isso aí é uma reunião com o presidente, eu não tenho nada a declarar", disse.

A Igreja Internacional da Graça de Deus não retornou até a publicação desta edição. O Planalto não respondeu às perguntas enviadas à Secretaria de Comunicação. A Receita disse que não se manifestaria.

Esquema milionário

A Receita descobriu que as igrejas estavam usando a remuneração do pastor, que é isenta de tributos, para distribuir participação nos lucros ou pagar remuneração variável, concedendo os maiores valores a quem tem os maiores "rebanhos" de fiéis. A fiscalização aplicou multas milionárias, abrindo a discórdia entre o Fisco e as igrejas.

Embora tenham imunidade no pagamento de impostos, o benefício não afasta a cobrança de contribuições (como a CSLL ou a contribuição previdenciária). Na avaliação de fontes ouvidas sob a condição de anonimato, as igrejas também infringem a lei ao distribuir parte dos seus lucros obtidos com o dízimo dos fiéis, mesmo que de forma disfarçada por meio de contratos de prestação de serviços.

O Código Tributário Nacional (CTN) condiciona a imunidade tributária à não distribuição de "qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título". A Receita identificou uma série de mecanismos para burlar as regras e remunerar seus dirigentes, com pagamentos a empresas e escritórios de advocacia, o que gerou outra leva de autuações.

Negociações com Guedes

Emissários das igrejas estão em contato com o Ministério da Economia na tentativa de ampliar a pressão sobre o ministro Paulo Guedes por uma solução.

Dentro da pasta, auxiliares inclusive atribuem ao impasse com as igrejas a veiculação de uma reportagem pela TV Record, cujo proprietário é Edir Macedo, tachando Guedes como insensível com os mais pobres durante a crise da covid-19. A Universal disse que esse tema deveria ser tratado diretamente com a emissora, que não se pronunciou.

A Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, também tem seis processos em andamento no Carf, última instância administrativa para recorrer às autuações do Fisco.

Segundo apurou a reportagem, existem ao menos 12 processos em âmbito administrativo na Receita envolvendo impasse com igrejas. Procurada, a Universal diz que "paga rigorosamente todos os tributos que são devidos e, assim, não deve qualquer valor à Receita Federal".

A igreja diz ainda que "questionamentos sobre eventuais autuações abusivas são um direito dos contribuintes". Não houve resposta sobre o valor das autuações.

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