(Pedro França/Agência Senado)
Alessandra Azevedo
Publicado em 20 de fevereiro de 2022 às 15h05.
Última atualização em 20 de fevereiro de 2022 às 15h06.
As sucessivas altas no preço dos combustíveis no país têm inquietado os políticos em Brasília desde o ano passado. Nesse cenário, surgem no Congresso diversas propostas de como encarar o problema, que impacta diretamente no custo de vida da população brasileira e gera uma insatisfação que deve ser refletida nas urnas em outubro.
Uma das ideias, apresentada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) no ano passado, está na lista de projetos que devem ser avaliados pelo plenário do Senado nesta semana. Relatado pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), o texto prevê a criação de um fundo para ser usado na estabilização dos preços de combustíveis, para diminuir as oscilações.
Alguns senadores, porém, fazem pressão por uma mudança que preocupa Carvalho. Bancadas grandes, como do PL, do PSD e do MDB, são contra a criação de um imposto sobre exportação de óleo bruto, prevista no projeto. “Querem proteger o interesse do exportador de óleo cru, mas precisam proteger é a economia do Brasil”, diz o senador, em entrevista à Exame.
O imposto foi mantido no último parecer de Prates, mas ainda é alvo de críticas de parlamentares. Para Carvalho, o projeto coloca em evidência as consequências do impacto da política de paridade de importação adotada pela Petrobras, mas, “infelizmente, o debate está muito na superfície”.
Veja os principais trechos da entrevista:
O projeto cria um fundo para estabilizar o preço do petróleo no país. Como ele vai funcionar?
Inicialmente, esse fundo seria mantido por um imposto sobre exportação de óleo cru, e isso garantiria que não houvesse nenhum tipo de retirada de dividendo da Petrobras ou qualquer outra fonte de receita. Bastava adotar o imposto de exportação do óleo cru para estimular a produção de combustíveis no Brasil e exportar somente o excedente e romper, assim, com a paridade de preços de importação da política atual que estabelece esses preços absurdos de combustíveis.
Teve mudanças muito grandes até agora?
O senador Jean Paul Prates optou pelo sistema de bandas. Até aí, tudo bem. Está na lógica do projeto. Acima de 40 dólares o barril, o imposto é menor. Quanto mais ele aumenta, o imposto vai subindo. Mas introduz outras fontes de receita, como dividendos da Petrobras, novas aquisições, novos recursos decorrentes de novos leilões que venham a ser feitos para exploração de bacias. Não sei se a gente vai conseguir manter o imposto, porque ninguém quer sobretaxar quem ganha muito. Só sobretaxa o trabalhador, você, a mim, qualquer cidadão, mas determinados setores parece que não.
Quais são os principais problemas que precisariam ser resolvidos na política atual, na sua opinião?
A política atual impacta diretamente na inflação interna, tem como consequência aumento da taxa de juros e trazer de volta o fantasma da indexação da economia. A PPI traz para dentro do país a variação do dólar, a variação do preço do petróleo e impacta diretamente na nossa macroeconomia, mexendo com índice de inflação, taxa de juros e reindexando a economia. Assim, não tem governo nenhum que vai controlar, que possa perseguir uma meta inflacionária, a não ser com altíssima taxa de juros.
Como o projeto muda essa dinâmica?
Muda na medida em que você deixa de se submeter à política de preços baseada no preço internacional. A gente não precisa exportar nosso petróleo, temos capacidade de refinar 100% da gasolina que vai ser consumida. Nós refinamos mais da metade do óleo diesel que consumimos, temos parte significativa do gás que consumimos produzida no Brasil.
O projeto aponta para que a gente possa desestimular a exportação do petróleo e importar os derivados, estimula a produção de derivados aqui mesmo, no Brasil, e obriga o governo a reorganizar os componentes de conformação de preços do petróleo no país, porque muda a lógica. Vai ter o fundo, o recurso para poder estabilizar esse preço e não ficar submetido a preço de exportação do petróleo.
Mudar a lógica da política de preços é o grande objetivo do projeto?
O grande objetivo é parar de exportar empregos, porque, se você vende óleo cru e importa combustível, você está refinando fora, está gerando emprego fora do país. Esse é o primeiro objetivo. O segundo é impedir que essa política de paridade de preço de importação que define o preço dos nosso combustíveis desorganize a macroeconomia brasileira, que é uma consequência natural. Que a gente possa proteger a economia brasileira dessa política que devolve o fantasma da inflação, dos juros altos e da reindexação.
É uma política mais estruturante, que não necessariamente vai resultar em preço mais baixo de imediato nas bombas?
Isso gera redução de preço ao longo do tempo. Mas, principalmente, você rompe com uma interferência direta do mercado externo no mercado interno. O resultado é menos oscilação de preço, controle maior sobre preço interno dos combustíveis.
O que quero é provocar esse debate. Meu projeto felizmente traz o debate, mas infelizmente o debate está muito na superfície. Ninguém está olhando para o desarranjo que essa paridade de preços de importação está gerando na macroeconomia brasileira. Quanto do aumento da inflação não foi decorrente de aumento do preço dos combustíveis?
O senhor acha que o debate ainda não está maduro no Congresso?
Acho que esse debate não chegou ao cerne. Está todo mundo na periferia dele. O centro do debate é como impedir que uma política de definição de preços de derivados de petróleo no Brasil destrua o esforço de três décadas de combate à inflação.
O relator ainda analisa mudanças. O que o senhor acha que pode ser incluído ou excluído do texto? Acha que dá para melhorar?
Sinceramente, eu fiz todo o trabalho possível. Eu fiz o projeto, pedi ao presidente, como é um projeto complexo, que encaminhasse à CAE (Comissão de Assuntos Econômicos). Conversei com o presidente da CAE, Otto Alencar, para pautar o debate, depois sugeri, inclusive, que um senador com formação nessa área fosse relator -- o Jean Paul Prates. Não porque é do PT, mas porque entende da área. Mas o debate está muito na superfície. Querem proteger o interesse do exportador de óleo cru, mas precisam proteger é a economia do Brasil.
O imposto sobre a exportação é um ponto muito polêmico. Retirá-lo seria uma perda muito grande, na sua opinião?
Toda empresa paga imposto, por que uma empresa exportadora não pode pagar imposto em um item que está hipervalorizado no mercado externo? Os argumentos de alguns senadores vão muito mais na defesa do exportador de petróleo do que da nossa economia. O que sinto é que há pressão para que o imposto seja retirado. Se esse ponto for retirado, vou colocar emenda propondo que volte.
Tem algum outro ponto que pode mudar no projeto?
O governo lançou uma PEC para tirar imposto, para manter o ganho e a indexação. Se tira imposto, o preço vai continuar subindo sem imposto, porque a economia continua indexada. Não resolve o problema. O relator está colocando para que não haja sobreposição de imposto, para que seja cobrado uma vez só e não tenha efeito cascata sobre o preço do combustível. Isso é importante. Não sei se vai conseguir fazer isso, mas é importante.