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Vinho sem álcool? Vinícolas brasileiras investem em opções com zero teor alcoólico

Motivado por público mais jovem e restrições que vão da saúde à religião, setor cresce e mobiliza indústria a lançar produtos e buscar novas tecnologias

 (Aurora/Divulgação)

(Aurora/Divulgação)

Leandro Becker
Leandro Becker

Repórter freela de Agro

Publicado em 2 de setembro de 2023 às 06h19.

O crescimento no consumo de bebidas sem álcool, puxado pelos hábitos da geração mais jovem e por motivações que vão da religião à saúde, tem atraído o interesse das vinícolas brasileiras. Enquanto algumas já colhem resultado da oferta de opções zero ou com baixo teor alcoólico, gigantes do setor como a Aurora têm mesclado o lançamento de produtos com a busca por tecnologia no exterior para expandir o mercado nacional.

Um estudo da IWSR, que pesquisa o setor de bebidas, mapeou que as vendas de produtos sem ou com baixo teor de álcool nos 10 principais mercados – incluindo o Brasil – totalizou US$ 11 bilhões em 2022. O crescimento é de 37,5% em relação a 2018. Os produtos zero álcool representaram 70% do faturamento.

No caso dos vinhos sem álcool, a Fact.MR estima que a demanda crescerá 10% ao ano no mundo entre 2023 e 2033, passando de US$ 2 bilhões para US$ 5,2 bilhões. Especialistas apontam que uma das razões para isso é um público cada vez mais diversificado, desde quem só ingere bebidas sem álcool até os que preferem intercalar o consumo com as alcoólicas. O cuidado com a saúde e o estilo de vida são os principais motivos.

“As pessoas, no geral, querem beber menos, mas com melhor qualidade. Neste contexto, os vinhos sem álcool entram em um ponto importante que é a representação social, além de contemplar quem, por saúde ou até mesmo opção pessoal, não quer ou não pode fazer consumo de álcool”, analisa Keli Bergamo, educadora de vinhos.

Zero álcool nas prateleiras

De olho nas oportunidades do mercado sem álcool, a vinícola Aurora tem atuado em duas frentes: lançamento de produtos e busca de novas tecnologias. O primeiro movimento foi produzir uma bebida à base de suco de uva branco integral levemente gaseificada e vender em uma garrafa de espumante. 

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Na prática e na lei, não é espumante. Mas a ideia vingou. Só em 2022, foram 252.000 litros vendidos. Neste ano, até julho, já são 82.000 litros – aumento de 25%. Hoje, o produto zero álcool representa cerca de 25% do volume vendido pelo e-commerce da empresa, ao preço médio de R$ 29 a garrafa. Recentemente, a vinícola apresentou a versão rosé do produto.

“Partimos para algo que é previsto em legislação, é agradável ao paladar e tem uma boa aparência. Isso atende a uma demanda de público que pode incluí-lo em uma mesa junto com espumante ou champanhe, especialmente em momentos de celebração. Pensamos muito na experiência que isso proporciona ao consumidor”, explica Rodrigo Arpini Valerio, gerente de marketing e vendas da Aurora.

Desalcoolização no radar

Mas a cooperativa já prepara o segundo movimento, que é a busca ativa por tecnologias que permitam, a partir de 2024, a desalcoolização de variedades de vinho fino produzidos com uvas brasileiras. Uma das etapas é a ida de uma comitiva de oito profissionais à Itália, incluindo a direção executiva e técnicos, na primeira quinzena de setembro.

“Além da tecnologia, estamos, em paralelo, fazendo degustações focadas em produtos desalcoolizados para entender melhor as oportunidades. A geração mais nova não vai consumir tanto álcool, isso já é perceptível em países que têm tradição no consumo de vinho, como França e Argentina. A ideia é buscar alternativas para mesclar qualidade e preço adequado para o mercado brasileiro”, afirma Valerio.

A empresa ainda planeja investir em versões sem álcool de outros produtos do portfólio. Um deles é a bebida refrescante keep cooler. Segundo o gerente, a Aurora lançará ainda neste ano dois sabores zero álcool: uva e morango. E a projeção é expandir para, até o fim de 2024, os sete sabores da marca terem seu “par” não alcoólico.

Tecnologia própria

Enquanto a Aurora vai à Europa, algumas vinícolas brasileiras já desalcoolizam seus produtos. É o caso da La Dorni, de Bandeirantes (PR), que criou um processo próprio e começou a desenvolver sua linha zero álcool em 2001. Hoje, o segmento representa 20% da produção da empresa, segundo o sócio-proprietário José Aparecido Martins.

“Foi tentativa e erro até ir refinando. No começo, o produto foi muito confundido com suco de uva. Mas o processo é diferente, pois o suco é doce e o açúcar da uva não fermenta. Já o vinho sem álcool é diferente, pois é envelhecido com teor alcoólico normal e, depois, é retirado o álcool. Isso permite termos opções de vinho seco, como de uva tempranillo e tannat, além de versões demi-sec e até doce”, conta Martins.

Ela afirma que, apesar das complexidades do processo de desalcoolização, que passa por atualizações constantes, a La Dorni busca oferecer preços dentro da faixa de mercado – os valores vão de R$ 47 a R$ 49 para os vinhos secos e de R$ 30 a R$ 39 para os de mesa. Mas Martins revela que há tributos extras no caso dos sem álcool.

“A lei define que vinho é um fermentado alcoólico de uva, ou seja, precisa ter álcool para ser vinho. No caso do nosso produto, a classificação é de fermentado de uva sem álcool. O resultado disso é que acabamos pagando mais imposto. Então, não há incentivo na prática para essa produção, o que já é diferente em outros países, em especial da Europa”, afirma.

De olho nos rótulos

A educadora de vinhos Keli Bergamo ressalta que o mercado de vinhos sem álcool é novo e, portanto, é importante o consumidor entender os processos de produção e estar atento aos rótulos. Ela pontua que o processo de desalcoolização pode resultar em menor complexidade aromática e gustativa, além de ocorrer alguns pontos de desequilíbrio, o que pode desestimular o consumo para o público em geral.

“Existem vinhos que são elaborados como os tradicionais, com a conversão do açúcar em álcool e que, depois, passam pelo processo adequado que retira o álcool. Os rótulos trazem essas exatas informações e vale ficar atento para não se confundir ao encontrar um produto na prateleira. Mas é importante ressaltar que nossa legislação para alimentos e vinhos é extremamente protetiva ao consumidor”, observa.

Baixo teor e alta exportação

Além das zero álcool, as bebidas com baixo teor alcoólico também são vistas pela indústria brasileira como oportunidade. Rodrigo Arpini Valerio, gerente na Aurora, ressalta que estudos de mercado indicam um interesse do consumidor por esses produtos, em especial diante da maior conscientização sobre saúde e autocuidado.

“Já temos projetos para produtos com baixo teor de álcool, na faixa de 4%, 5%.  Na Europa, este tipo de produto já é uma febre. Para a próxima safra, a ideia é desenvolver projetos pilotos internos para analisar a viabilidade”, revela.

Outra vantagem de mercado destes produtos é o grande potencial de exportação, em especial para países árabes e asiáticos. Só no caso da Aurora, 48% das exportações realizadas de janeiro a agosto de 2023 foram de produtos sem álcool – no ano passado, essas bebidas representaram 53% das vendas realizadas ao exterior.

“É um baita mercado e estamos de olho, sim. Hoje, nosso maior cliente é a China. Mas também há outros interessantes, como Emirados Árabes, por exemplo, que têm uma malha de hotéis muito grande”, observa.

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