Aedes aegypti, mosquito transmissor do zika vírus: as atenções do país e do mundo se voltaram ao patógeno (Luis Robayo/AFP)
Da Redação
Publicado em 15 de fevereiro de 2016 às 09h57.
Enquanto os cientistas brasileiros se preparavam para uma eventual epidemia de chikungunya e desenvolviam métodos para diagnosticar rapidamente a doença, considerada altamente debilitante, o vírus Zika – até então visto como benigno e causador de uma espécie de “dengue light” – foi se espalhando no país de forma quase despercebida.
Somente quando veio à tona sua possível associação com os crescentes casos de microcefalia na região Nordeste, em 2015, as atenções do país e do mundo se voltaram ao patógeno originário da Floresta de Ziika, em Uganda.
O fato de o Brasil ter sido surpreendido por essa epidemia pode ter ao menos um aspecto positivo: a criação de mecanismos para agilizar o financiamento de pesquisas científicas no país.
A avaliação foi feita pelo professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) Paolo Zanotto, que no último mês de dezembro ajudou a articular a chamada Rede Zika, uma força-tarefa para pesquisar e combater o vírus no Estado de São Paulo.
Segundo Zanotto, quando a FAPESP, em dezembro de 2015, aprovou em questão de dias aditivos para projetos em andamento – de forma que parte das atividades fosse redirecionada para responder questões emergenciais relacionadas com a epidemia de Zika (Leia mais em: agencia.fapesp.br/22671/) – criou uma reação em cadeia em outros agentes indutores de pesquisa no Brasil.
“A Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] viu o que a FAPESP fez ao aprovar rapidamente os aditivos para projetos já vigentes, o que encurta muito a velocidade de indução, irrigando com recursos o que precisa ser irrigado, e está buscando agilizar o processo. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) acompanhou esse processo e quer fazer o mesmo, em uma modalidade com financiamento fast track via FAPs [as fundações de amparo à pesquisa dos diversos estados] e via INCTs [Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia], ou seja, todos entenderam que não temos tempo a perder”, afirmou Zanotto.
Se ao final da experiência o saldo for positivo, avaliou o professor do ICB-USP, pode surgir uma nova modalidade na indução de ciência no Brasil: um modelo fast track para casos emergenciais, acelerando processos de pesquisa e desenvolvimento
“Quando temos problemas exponenciais, as respostas têm que ser exponenciais. E isso começou a ser bem entendido pelos gestores de ciência e saúde no Brasil”, disse.
Esse e outros temas relacionados aos crescentes casos de Zika e de microcefalia no Brasil foram comentados por Zanotto em entrevista à Agência FAPESP.
Agência FAPESP – Quais temas de pesquisa foram definidos como prioritários pela Rede Zika?
Paolo Zanotto – Temos uma visão parecida com a da União Europeia e do National Institutes of Health [NIH, principal órgão de pesquisa dos Estados Unidos]: o ponto crucial neste momento é criar ferramentas para diagnóstico rápido, capazes de discriminar o vírus Zika de outros arbovírus, como o da dengue. A parte de ácidos nucleicos [exames do tipo PCR, que identificam o DNA viral no sangue e servem para a fase aguda] está muito bem desenvolvida, mas precisamos de diagnósticos sorológicos [que identificam anticorpos contra o vírus mesmo após a fase aguda]. A segunda questão é entender essa relação do vírus com a microcefalia. São os dois temas fundamentais do ponto de vista da urgência. Depois há outros aspectos também importantes, como o desenvolvimento de uma vacina, estudos de entomologia, para entender a genética do mosquito e sua capacidade de infectar as pessoas. E tem a parte de controle biológico associado à entomologia. A BR3, uma empresa do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da USP, vem trabalhando com o Bacillus thuringiensis (BTI), uma bactéria cujo esporo acumula quatro toxinas letais para o Aedes. Isso é conhecido desde os anos 1980, mas o grande problema era como fazer o esporo sobreviver no ambiente. A BR3 criou uma estrutura chamada bio-oca. É uma pastilha que quando jogada na água vai para o fundo do criadouro e forma uma espécie de iglu, que aos poucos libera os esporos. Com a quantidade correta de pastilhas, cerca de 50% das larvas do mosquito morrem nas primeiras cinco horas e, depois, o nível de letalidade de 100% é mantido por 120 dias. Mas a questão do controle biológico, inclusive a produção de mosquitos transgênicos, enfrenta um problema de escalonamento. Ainda não há capacidade de produzir o material em quantidade elevada para atender a demanda. Outra parte importante do trabalho da rede é acompanhar o espalhamento do vírus. Pretendemos isolar os vírus circulantes, sequenciar e depois estudar a distância evolutiva entre eles em uma árvore de família para saber de onde vêm. Tem ainda a parte de genética humana: investigar fatores que podem influenciar na gravidade da doença. E a última tarefa, que é crucial do ponto de vista de saúde pública, é o acompanhamento de coortes de caso-controle, ou seja, no momento em que é confirmada uma gestação, fazemos o teste para o vírus Zika e continuamos acompanhando a mãe e o feto para ver o que acontece. Isso está sendo feito em Jundiaí, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto e aqui em São Paulo. À medida que alguma das gestantes é infectada, muda a forma de seguimento. Depois que tiver ocorrido alguns ciclos completos de gravidez nessas populações vamos começar a entender, por exemplo, qual é o risco de uma mãe infectada por Zika ter um filho com microcefalia. Pode haver influência genética ou de exposição a outros agentes durante a gravidez, outros vírus.
Agência FAPESP – A relação entre o vírus Zika e a microcefalia já está confirmada? Já se sabe como o vírus afeta o sistema nervoso?
Zanotto – O anúncio feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu que o vírus é culpado até provado inocente. É um raciocínio extremamente racional, mas inverte a forma como a ciência funciona. Geralmente, tentamos estabelecer a relação causal para depois determinar o que acontece em nível do processo. O que estamos tentando fazer: pegar o vírus Zika, jogar no sistema animal e mostrar que só com a exposição ao vírus ocorre desenvolvimento de doença equivalente à microcefalia. Depois infectamos células do sistema nervoso e avaliamos se o vírus sozinho causa um determinado tipo de morte celular. Em seguida, vamos destrinchando o problema e entendendo qual é o papel do Zika no tecido. A ciência progride assim. Mas, numa situação de risco, a gente tem de inverter um pouco as coisas. Quando há um problema em que a vida das pessoas está em risco é preciso tomar uma decisão de ação, assumir que o vírus é culpado até provado inocente. Há uma superposição espaço-temporal muito boa entre os casos da doença e, em seguida, os casos de microcefalia, tanto na Polinésia Francesa como no Brasil. No entanto, a presença do Zika no cérebro de um feto com microcefalia, abortado, foi demonstrada.
Agência FAPESP – Os casos de microcefalia que estão sendo associados ao vírus Zika são semelhantes aos associados a citomegalovírus (CMV), sífilis e outras doenças?
Zanotto – Parece haver um padrão próprio do vírus Zika, com algumas características semelhantes à da infecção por parvovírus B19 [causador de virose conhecida como eritema infeccioso], como as calcificações no tecido. Também há fatores semelhantes aos já observados na infecção por CMV, como a liquefação do tecido nervoso ocorrendo tardiamente na gravidez. Por volta do sétimo, oitavo mês, ocorre uma aparente destruição do tecido nervoso. O córtex, a parte de cima do cérebro, praticamente desaparece. Nos casos que estamos acompanhando, comprovamos que não houve infecção por CMV. Levamos em consideração todos os fatores de risco para malformação congênita.
Agência FAPESP – Crianças pequenas também são suscetíveis a danos neurológicos se infectadas?
Zanotto – Não há evidência nesse sentido. Mas é preciso ficar atento, pois existe sempre o fator demográfico. À medida que mais pessoas são infectadas, manifestações severas começam a ser observadas. Não posso dizer com certeza que “não”.
Agência FAPESP – Existe um período gestacional em que a infecção pode ser mais prejudicial?
Zanotto – Tenho conversado com pediatras e obstetras no Recife e parece haver certas fases críticas de desenvolvimento do cérebro. Por volta de 29 semanas, as células progenitoras de neurônios começam a se diferenciar em neurônios de forma muito rápida e esses neurônios começam a construir sinapses com outros neurônios. Ao mesmo tempo, os neurônios que não estão fazendo sinapses começam a sofrer apoptose [morte celular programada]. Estamos deduzindo, pelas observações de múltiplos casos, que essa semana 29 é importante. Isso precisa ser estudado com mais detalhes para saber qual é a janela de tempo que temos para entrar com uma terapia, por exemplo. Inicialmente, tínhamos a ideia de que talvez um evento que acontecesse no primeiro trimestre da gestação fosse mais perigoso. Depois, começamos a observar relatos de pessoas que faziam o exame morfométrico no sexto ou sétimo mês e a criança aparentemente não tinha problema. De repente, o cérebro literalmente se desmanchava. Sabemos também que a pessoa pode ter sido infectada no primeiro trimestre da gravidez e a complicação fetal surgir bem mais tarde. Precisamos entender como ocorre esse dano tardio.
Agência FAPESP – O senhor acredita haver alguma relação entre a microcefalia e a vacina contra rubéola ou entre o surto de Zika com os mosquitos transgênicos como tem sido aventado em redes sociais?
Zanotto – O surto de Zika associado ao mosquito transgênico é uma fábula interessante, porque há alguma relação com uma pseudociência, mas vale ressaltar que o mosquito transgênico é macho e o macho não é portador do vírus e não infecta ninguém, pois ele não pica e se alimenta apenas em flores. Portanto, não faz sentido. O segundo aspecto também é falso, porque desconsidera completamente certos aspectos fundamentais em epidemiologia. Há uma questão espaço-temporal importante que precisa ser observada. Os lotes de vacina usados na Polinésia Francesa e no Brasil não foram os mesmos. E no Brasil, no caso de microcefalia registrado em São Paulo, há o histórico da paciente, que foi atendida na mesma Unidade Básica de Saúde (UBS) desde o seu nascimento, ou seja, sabemos quais vacinas lhe foram aplicadas e quando. No caso de surtos de dengue, por exemplo, há um espalhamento em gradiente. Para haver relação com a vacina, o mesmo lote tem que ser repassado de Pernambuco para Sergipe, Bahia, até São Paulo, da mesma maneira como os casos estão sendo registrados, e isso não está acontecendo desse modo. Se olharmos o padrão de microcefalia e ou síndrome de Guillain-Barré na Nova Caledônia, na Polinésia Francesa e no Brasil, os registros são de espalhamento viral. É questão de usar bom senso e ter mecanismos para poder argumentar de forma lúcida sobre esses aspectos.
Agência FAPESP – O que já se sabe sobre outras possíveis formas de contágio além da picada de mosquitos do gênero Aedes?
Zanotto – Já existem dois casos identificados de transmissão por transfusão de sangue em Campinas. Na saliva, conseguimos detectar o vírus mais facilmente que no sangue. Na urina ele persiste mais tempo que no sangue. Mas casos de transmissão por essas vias ainda não foram confirmados. Existem três casos fortemente associados com transmissão sexual. São pessoas que viajaram para países onde há casos de Zika, manifestaram os sintomas quando regressaram ao país de origem, no qual não há o vetor, e infectaram o cônjuge. Então pode sim haver transmissão sexual. Mas a gente tem que tentar entender qual é a importância disso do ponto de vista epidemiológico. Se for um fator importante muda completamente o cenário. Mas também pode ser uma exceção, algo sem muito impacto na dinâmica de espalhamento.
Agência FAPESP – O senhor acredita que a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil pode contribuir para disseminação do vírus pelo mundo?
Zanotto – Tenho um pensamento ambíguo em relação a isso. Assim como a Copa do Mundo, a Olimpíada acontece no inverno e, em temperaturas mais baixas, os vetores têm dificuldade para manter populações suficientes para sustentar surtos. Claro que isso não vale para os estados do Nordeste e Norte, onde não há essa limitação climática. O número de picadas que a pessoa recebe no inverno também é muito mais baixo do que no verão e isso está diretamente relacionado com a probabilidade de infecção. Mas, por causa do fenômeno El Niño, estamos em um ano atípico, com muita precipitação, muita flutuação de temperatura. Esse é um fator que precisa ser considerado. Há outra questão importantíssima que é saber quais vetores o vírus está usando no país, se é apenas o Aedes aegypti ou também o A. albopictus ou outras espécies de mosquitos. Esses estudos começaram há pouco tempo.
Agência FAPESP – Já há alguma evidência que mostre que o pernilongo ou algum outro inseto podem transmitir o vírus Zika?
Zanotto – Na árvore de família dos flavivírus tem um grupo que é vetorado pelo Culex [gênero ao qual pertence o pernilongo], como o vírus da encefalite japonesa, o vírus do Oeste do Nilo e o vírus da encefalite de São Luís. Em outro braço da família estão os vírus associados ao Aedes, como os causadores de Zika, dengue e febre amarela. No caso da dengue, não há evidência de transmissão por Culex, então eu não esperaria que fosse um problema no caso do Zika. Mas é preciso testar. Já o A. albopictus pode ser problemático. É uma das grandes preocupações dos países do hemisfério norte. Ele poderia espalhar o vírus em toda a região continental americana e entrar acima dos Pirineus e dos Alpes na Europa.
Agência FAPESP – Por que o calor favorece os surtos de dengue, Zika e outras arboviroses?
Zanotto – O metabolismo do Aedes se acelera à medida que a temperatura ambiente sobe. Um aumento de 5 graus Celsius pode dobrar a velocidade de replicação do mosquito e fazer com que ele produza mais vírus em um menor tempo. Mas o vírus Zika é uma zoonose com comportamento atípico. No Senegal, tem sido observada sua presença ao longo de todo o ano desde a década passada. Na África, está sendo investigado qual é esse mecanismo de manutenção. Pode ser a transmissão vertical [quando a fêmea do mosquito põe ovos já infectados com o vírus] ou a presença de reservatórios virais com ciclos de reprodução mais rápidos, que não estão sendo detectados. Na África, há várias espécies de Aedes infectadas com o vírus Zika e percebemos que o patógeno se adapta rapidamente a cada vetor. É um vírus extremamente plástico, com capacidade adaptativa adequada para se tornar pandêmico.
Agência FAPESP – O Brasil hoje tem condições para controlar o Aedes?
Zanotto – O ministro da Saúde foi criticado por dizer que o Brasil está perdendo a guerra contra o Aedes, mas, na verdade, o mundo está perdendo essa guerra. Se olharmos o espalhamento do mosquito no globo, percebemos que ele conquistou toda a parte equatorial e tropical do planeta. Isso é um problema mundial, incluindo os países mais avançados. Talvez se possa pensar na eliminação do vetor, mas o mais adequado seria pensar no controle em locais onde seja possível diminuir significativamente a infestação, porque a diminuição significa número menor de surtos. Isso aconteceu, por exemplo, no Guarujá, em 2013, quando encontramos focos e fizemos intervenções, colapsando o surto causado pelo vírus dengue do sorotipo 4. Existem maneiras de se fazer intervenção em tempo real, detectar as pessoas virêmicas, incluindo sua localização espacial, criando mecanismos de ação localizados. É caro, mas é mais caro não fazer isso. Então existem mecanismos que podem ser feitos localmente, mas envolvendo a iniciativa privada, a academia, o governo e a sociedade.
Agência FAPESP – Além dos quatro vírus mais associados ao Aedes, há possibilidade de transmissão de outros, como o Mayaro e o Oropouche?
Zanotto – Sim, são vírus que estão no Brasil e têm um espalhamento razoável. Ao todo, são dois milhões de tipos de febres que ocorrem na região da Amazônia e não estão esclarecidos. A quantidade de agentes é gigantesca. O Aedes e sua proximidade com os demais vírus originários da África pode nos levar a ter que lidar no futuro com uma lista imensa de vírus, alguns deles extremamente perigosos. Atualmente, esses vírus já são bastante estudados. Nossa experiência com o Zika vai ser útil para pesquisas a serem desenvolvidas como parte de um convênio entre a USP, a Fiocruz e o Instituto Pasteur, que já tem inclusive uma área alocada na USP de São Paulo. Uma das atuações que teremos com o grupo com o qual colaboramos na África será começar, de forma proativa, a ter plataformas montadas de detecção molecular e sorológica desses vírus no Brasil. Se tivéssemos nos preparado para o Zika há dez anos, talvez a história fosse diferente. Precisamos aprender com essa situação. Esse momento nos fez mudar o entendimento sobre a importância de acompanhar os vírus de forma proativa, mesmo que eles não estejam no Brasil.
Agência FAPESP – No caso do chikungunya, que já provocou morte no Brasil, há possibilidade de um surto grande como o do Zika?
Zanotto – Para o vírus da febre chikungunya, por exemplo, já estávamos mais preparados do que para o Zika. Existem métodos comerciais de detecção disponíveis. Parte disso é porque as manifestações desse vírus são muito mais severas. Há sete meses, acreditava-se que o Zika não seria um problema, pois a maior parte dos casos é assintomática. Mas a microcefalia mudou totalmente o patamar de gravidade desse agente. Sabemos de interações entre chikungunya e Zika, de cocirculação e sobreposição em várias partes da Ásia e do Pacífico, então é preciso entender melhor isso.
Agência FAPESP – Se a maior parte das manifestações de Zika não é percebida, como uma mulher grávida pode lidar com essas informações? É possível pensar em um teste já no pré-natal?
Zanotto – Nesse momento, temos um pedaço da proteína do vírus que é útil para discriminar o Zika dos outros flavivírus. Esse material está chegando agora da África e sendo sintetizado pelo prof. Luis Carlos Ferreira, no ICB da USP, que está iniciando a produção de proteínas em bactérias para testar a reação do soro de nossos pacientes infectados por Zika. Se tudo funcionar bem, poderemos ter, em breve, um sistema para teste imunológico rápido. E isso pode ser extremamente importante, pois a mãe, no acompanhamento, poderá saber se já foi infectada algum dia por Zika. O cenário confuso gradualmente vai se dissipando, porque temos conseguido avançar rapidamente no estado, inclusive com bancos de sangue já reportando a presença de vírus (Leia mais em: agencia.fapesp.br/ 22657/). Enquanto não temos um ensaio simples e rápido que discrimine o Zika de outros arbovírus, somos obrigados a usar um teste mais demorado e soroneutralização, no qual infectamos as células com os vírus junto com soro de pacientes que, se neutralizarem a infecção, indicam que eles foram infectados por Zika. Temos feito muitas confirmações em termos acadêmicos, mas ainda não podemos fazer isso em massa para a população. Por isso, a chegada desses peptídeos e sua produção na USP pode nos ajudar a criar testes diagnósticos rápidos para todos.
Agência FAPESP – A visibilidade que essa questão dá aos atores envolvidos propicia uma projeção internacional à pesquisa brasileira?
Zanotto – Há duas maneiras de medir esse avanço. Uma é a produção científica, que depende de acesso a materiais e recursos, inclusive físicos, para desenvolver os trabalhos. Há dificuldades, mas estamos nos organizando. A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] está auxiliando, facilitando a entrada de recursos e de materiais, como reagentes, que está funcionando bem. Temos um potencial enorme de geração de ciência no Estado de São Paulo. Por outro lado, tem um segundo componente crucial, que é o controle da epidemia. O fato de estarmos gerando esses dois componentes, conhecimento científico e controle, é importante. O Brasil vai dar uma grande contribuição, até porque é aqui que temos a maior quantidade de casos. Percebo, atualmente, pelas várias propostas que estão surgindo, as modalidades de interação, de financiamento da comunidade europeia, financiamento no NIH, que estão levando em consideração esse aspecto de que eles têm parceiros aqui, o que é muito bom para todos. No nosso caso, a postura é a de parceria, colaboração. A comunidade científica brasileira é desenvolvida e tem capacidade de lidar bem com isso, dadas as circunstâncias de uma boa estrutura, com a academia funcionando, bom financiamento, boas articulações entre as instituições para um trabalho em rede, e boas articulações internacionais, que são necessárias até pela velocidade de evolução de certas soluções fundamentais.
Agência FAPESP – O que tem sido feito para acelerar os estudos relacionados à epidemia de Zika?
Zanotto – Estamos acompanhando alguns casos de microcefalia em São Paulo e pretendemos desenvolver pesquisa básica totalmente inserida num contexto de utilidade pública quase que imediata. Qualquer coisa encontrada, potencialmente útil, deve ser disponibilizada, pois pode ter repercussão no diagnóstico, no acompanhamento das mães. Nesse sentido, a Capes viu o que a FAPESP fez ao aprovar rapidamente aditivos para projetos já vigentes, o que encurta muito a velocidade de indução, irrigando com recursos o que precisa ser irrigado, e está buscando agilizar o processo. O Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação acompanhou esse processo e quer fazer o mesmo em uma modalidade com financiamento via FAPs e INCTs, ou seja, todos entenderam que não temos tempo a perder. Se fôssemos fazer os trâmites nos prazos convencionais, não teríamos tempo. A Capes está atenta a isso e quer tentar uma modalidade de fast track. A FAPESP fez isso e causou uma reação em cadeia em outros agentes indutores da pesquisa no Brasil. Isso é muito importante, pois criou mecanismos de agilização. Se isso tudo funcionar e tivermos no final dessa experiência um resultado positivo, podemos estar criando uma nova modalidade de atuação na indução de ciência no Brasil. Porque quando temos problemas exponenciais, as respostas têm que ser exponenciais. E isso começou a ser bem entendido pelos gestores de ciência e saúde no Brasil.