Pagamento por celular ainda está fora da realidade no Brasil a curto prazo, dizem especialistas (AFP/Alejandro Pagni)
Da Redação
Publicado em 15 de fevereiro de 2013 às 17h06.
São Paulo - O Brasil é considerado uma promessa para o mercado de pagamentos móveis – mobile payment ou m-payment, no jargão mercadológico, que significa o uso de celulares e smartphones para realização de compras – já há cinco anos. No entanto, desde o lançamento do Paggo (sistema pioneiro de compras pelo celular no país), da Oi, em 2006, esse setor não evoluiu conforme o previsto. Para os especialistas ouvidos pelo site de VEJA, os serviços só vão deslanchar se forem superados dois grandes obstáculos: a falta de coordenação entre as diversas empresas que oferecem soluções para este serviço e a ausência de regulação.
O país apresenta características que, a priori, são determinantes do sucesso da transformação do aparelho celular em “carteira”. Embora o sistema financeiro nacional seja sólido, moderno e bem distribuído, 49% da população ainda é carente de serviços bancários, o que significa que existe demanda relevante por produtos financeiros por parte dessas pessoas. Outro fator é a elevada presença de telefonia móvel no Brasil – em torno de 106,9%, o que significa que há mais linhas de celular habilitadas que habitantes – que facilita a adoção em massa de serviços oferecidos pelo aparelho.
Um estudo realizado pela Acision, consultoria especializada em dados de telefonia móvel, revelou que apenas 2% dos pesquisados no Brasil fizeram pagamentos pelo celular no terceiro trimestre de 2010. A consultoria McKinsey estima que o volume total de transações no país esteja hoje em torno dos 200 milhões de dólares ao ano ante uma previsão de 3,6 bilhões de dólares daqui a quatro anos. Os dados refletem que, embora haja uma ampla gama de companhias desenvolvendo e testando soluções – entre as quais operadoras de telefonia móvel, bancos, redes de varejo e ‘start-ups’ de tecnologia –, o serviço ainda é pouco disseminado entre clientes e lojistas.
Falta de coordenação – Para os especialistas ouvidos pelo site de VEJA, a principal razão pelo atraso no desenvolvimento deste mercado é a falta entendimento entre as empresas interessadas em oferecer o serviço. Para a moda pegar, é preciso soluções convenientes e universais.
As empresas, que por muito tempo trabalharam isoladamente em seus projetos, só agora começam a discutir um modelo de negócio mais adequado. “As operadoras precisam entender o poder dos bancos; os bancos têm de compreender as operadoras; e, no meio de tudo isso, existem as grandes redes de varejo. Demorou muito para essas entidades aprenderem a trabalhar juntas. O mercado começou a tomar forma só agora”, explica o especialista Aiaze Mitha, da Amarante Consulting – empresa de consultoria para serviços financeiros móveis.
Regulação inexistente – Outra barreira que impede a disseminação dos pagamentos pelo celular é a ausência de regulação específica. A incerteza no ambiente regulatório acaba por não direcionar os investimentos. “Para levar o mercado ‘para o próximo nível’, o regulador precisa ser um pouquinho mais pró-ativo”, avalia Mitha.
Na visão do Banco Central, o atraso na regulação deve-se à falta de clareza na lei bancária, que não define qual é o poder legal do órgão sobre instituições não financeiras, como uma operadora de celular, que oferecem serviços de pagamentos no Brasil. “Eu tenho poder legal ou não? É um desafio para o Banco Central”, diz Mardilson Queiroz, consultor do Departamento de Operações Bancárias e Sistemas de Pagamentos do BC. Mardilson acrescenta que também não há um memorando de entendimentos entre o órgão e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que regula o setor de telefonia no país.
Tecnologias – Os especialistas adiantam que dificilmente o mercado brasileiro terá uma única solução universal para pagamentos via celular, como se vê no Quênia, por exemplo, onde a M-Pesa – uma joint venture entre as operadoras Vodafone e Safaricom – conquistou um terço da população do país em cinco anos, utilizando mensagens de texto (SMS) para fazer transações. “No Brasil, temos dois mercados. Para celulares simples, é preciso disponibilizar soluções tecnológicas simples. Mas também existe a demanda de clientes mais sofisticados. O que é possível prever é que vai acontecer uma universalização dentro de cada grupo”, explica Flávio Litterio, da consultoria McKinsey.
Das diversas soluções em uso e em teste no Brasil, a mais simples, e com maior adesão, é a que utiliza SMS para realizar os pagamentos. É o caso do sistema Paggo, da Oi, que funciona como um cartão de crédito móvel. Os usuários, tanto de planos pré-pagos como pós-pagos, recebem as faturas em casa. Quem fornece o crédito é uma instituição financeira parceira da operadora de telecomunicações. Também existem soluções em que o cliente baixa um aplicativo ou adquire um chip de celular que já vem com um sistema de pagamentos instalado, passando a realizar transações num ambiente exclusivo.
Uma tecnologia muito popular na Coréia do Sul e no Japão, mas que ainda não amadureceu no país, é o NFC (Near Field Communication, em inglês), que permite realizar pagamentos por proximidade, isto é, apenas passando o celular em frente ao terminal da loja. Grande aposta dos especialistas, a solução exige celulares sofisticados, já habilitados para procedimento. O Banco do Brasil tem um projeto piloto de NFC em parceria com a Visa em São Paulo e no Distrito Federal.
Na visão de Elia San Miguel, consultora de telecomunicações da Gartner, a adesão aos pagamentos pelo celular aumentará muito no Brasil nos próximos anos, chegando a quase 12 milhões de transações em 2014, de um total de 1,6 milhão de operações atualmente. No entanto, a universalização desse mercado ainda está longe de acontecer. “Quanto tempo demorou para um lojista ter um terminal de cartões que aceitasse todas as bandeiras? Muito. O mesmo vai acontecer com o celular”, afirma. Em sua opinião, os espaços em que esses serviços serão mais requeridos e utilizados no futuro são os que permitem compras em pequenos valores como transporte público, entradas em estádios e cinemas, recargas de pré-pagos e transferências entre pessoas.