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EUA podem aprender com Brasil sobre mobilidade, diz Elly Blue

Em entrevista ao Brasil Post, a cicloativista americana Elly Blue fala sobre seu trabalho, a mobilidade urbana no Brasil e a relação da bicicleta com o feminismo

Elly Blue (Nathaniel Fink/Cyclestyle Boston | Nathaniel Fink/Cyclestyle Boston)

Elly Blue (Nathaniel Fink/Cyclestyle Boston | Nathaniel Fink/Cyclestyle Boston)

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Da Redação

Publicado em 12 de junho de 2014 às 06h45.

"Eu queria escrever um livro que fosse uma ferramenta para cicloativistas e pessoas apaixonadas por bicicletas", explica Eleanor Blue – ou apenas Elly.

Em Bikenomics (sem tradução e ainda não lançado no Brasil) a cicloativista americana se propõe a explicar como as bicicletas são a salvação da lavoura quando os assuntos são os problemas de mobilidade e suas terríveis consequências: crise energética, poluição, stress no trânsito e, consequentemente, problemas econômicos.

Autora de um blog onde escreve sobre ciclismo e cultura da bicicleta, Elly se vale de entrevistas e estatísticas para explicar como o uso da bicicleta impacta positivamente em todas as esferas sociais e tenta a provar como este é o caminho para resolver boa parte dos principais problemas das grandes (e até das pequenas) cidades.

"Eu recebo feedback de pessoas que leram e dizem 'acho que vou tentar (usar bicicleta)', o que é ótimo. Mas a minha meta não é catequizar, é fornecer informação para quem quer pedalar – e este é um grupo muito grande de pessoas" explica.

Elly, que conheceu o Brasil durante o Fórum Mundial da Bicicleta em fevereiro, conversou por e-mail com o Brasil Post sobre seu livro, o Brasil e a relação da bicicleta com o feminismo.

Brasil Post: Em “Bikenomics” você explica como o uso da bicicleta pode ser um jeito mais barato e limpo para solucionar os problemas de mobilidade, mas a maioria dos exemplos são sobre o uso da bicicleta nos Estados Unidos. Você acha que outros países podem partilhar das soluções que você propõe no livro?

É diferente em todos os lugares. Eu queria escrever um livro sobre o movimento global da cultura da bicicleta, mas isto é tão grande… Talvez isto se torne o próximo livro. Eu tinha que focar em alguma coisa, então eu me detive aos Estados Unidos. O movimento de ciclistas no Brasil é uma história incrível, e traz muitas lições para os Estados Unidos. Inclusive, estou falando sobre o exemplo o cicloativismo no Brasil na turnê de divulgação do livro neste momento.

Você diz no livro que a “nossa crise energética é, de todas as maneiras, uma crise nos transportes”. Você é otimista em relação à maneira como os governos de maneira geral estão olhando para as bicicletas como parte da solução desta crise?

Não sou otimista, mas vejo que o ciclismo é uma das maneiras como pessoas comuns e líderes de governo podem enfrentar os problemas atuais e trabalhar na prevenção de crises futuras ou se recuperar de crises energéticas ou climáticas.

Você explica que há dois estereótipos de ciclista – um, que é pobre e precisa da bicicleta como necessidade e outro, com mais dinheiro, que utiliza a bicicleta apenas como um hobby. Você acha que estes estereótipos tem a sua raiz na cultura do carro?

Sim, acho. Na verdade, nos Estados unidos, há ciclistas em todas as classes sociais. Eu imagino que no Brasil esta divisão seja mais clara do que é aqui – vocês possuem os entregadores de bicicleta e tem pessoas que tem acesso ao dinheiro que utilizam a bicicleta. Acho que estas duas pontas de estereótipo tendem a sumir à medida que mais ciclistas estejam espalhados pela rua e o ciclismo se torne seguro o suficiente, assim deixa de ser um tabu andar de bicicleta na rua.

Bicicletas pagam pelas estradas, mais do que carros o fazem. Qual o país, na sua opinião, tem a melhor política para bicicletas? A política deste pode ser adaptada a outros países?

Não consigo dizer qual é o melhor. A Holanda é o exemplo mais óbvio – eles investiram pesado em bicicletas por quarenta anos e o investimento já se pagou. Mas a China, por exemplo, é outro exemplo de país amigável à bicicletas, mas acredito que as razões são completamente diferentes. Em todos os lugares que são bons lugares para se pedalar a acolhida popular pelas bicicletas veio em primeiro lugar, mesmo que políticos tenham ganhado o crédito depois.

Você já visitou o Brasil. Você andou de bicicleta por aqui? Quais cidades visitou e qual é a sua opinião sobre os problemas de mobilidade destas cidades?

Eu visitei Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, mas apenas por alguns dias em cada uma. Eu andei muito de bicicleta no Rio de Janeiro. As ciclovias eram adoráveis, mas nas ruas a experiência foi terrível. Me lembrou muito de como era andar de bicicleta em Nova Iorque antes de eles construírem ciclovias e ciclofaixas. Felizmente, muitos Bike Anjos foram gentis o suficiente para me mostrar as cidades. Eu não fiquei muito no Brasil para ter uma compreensão maior, mas eu estou fascinada sobre como as pessoas conversam sobre ciclismo e sobre trânsito e como essa conversa tem relação com a divisão de classes. Eu fiquei inspirada pela cultura dos protestos de rua que estão crescendo no Brasil e como isso funciona. É uma lição que os Estados Unidos precisam reaprender e talvez nós consigamos aprender muito do sucesso de vocês.

Qual é o maior desafio quando o assunto é tornar bicicletas algo mais popular?

As barreiras são diferentes em todo lugar e para muitas pessoas. Para algumas pessoas o problema é apenas o acesso à uma bicicleta – então um sistema de aluguel de bicicletas pode resolver o problema desta pessoa, mesmo que não existam mudanças na infraestrutura. Para outras pessoas, é o senso se segurança – algumas pessoas querem andar de bicicletas, mas nunca o farão nas ruas, até que se sintam confortáveis. Para muitas pessoas o problema é estacionar as bicicletas. Me falaram que no Brasil o custo das bicicletas é um problema enorme. Mas a maior barreira de todas é que nós damos para as pessoas todas as condições para que elas tenham um carro. Mesmo que nem todos consigamos comprar um, mesmo que seja estressante dirigir, a tentação de comprar um carro é enorme, porque o tapete vermelho está disponível para para motoristas, economicamente, nas ruas e de todas as formas.

Muitas pessoas nas grandes cidades têm medo de usar bicicletas por causa da violência no trânsito. Como é possível resolver este problema? Qual é o “segredo” para não ter medo de utilizar bicicletas em grandes cidades?

Se existe algum segredo é o poder que as pessoas têm para ir às ruas e demandar melhorias. Em San Diego algumas pessoas começaram um “trem de bicicleta” para pessoas se encontrarem no mesmo horário e utilizarem o mesmo caminho para se deslocar, assim fica mais seguro para elas. Muitas comunidades estão começando a levar crianças para a escola desta maneira.

Por que pessoas são tão hostis com os ciclistas nas ruas?

Acredito que é porque é irritante dirigir um carro. Você precisa ficar bravo com alguém e sobra para nós. Eu gostaria de convidar os motoristas que são hostis com ciclistas a andar de bicicleta, em um grupo, com segurança. É como uma grande festa, vocês vão adorar!

Você é uma ciclista feminista. Quais são os principais problemas que você enfrenta como uma ciclista mulher?

É muito importante para o cicloativismo que seja uma causa feminista, senão mulheres e nossos direitos vão ficar de fora disso. Nos Estados Unidos, mulheres tendem a receber salários menores que homens e fazem muito mais trabalho não-remunerado e nossos direitos são ignorados por boa parte dos mais influentes defensores do ciclismo no nosso país por décadas. Acho que esta é a razão do porquê os Estados Unidos falharam em relação ao uso de bicicletas por tanto tempo – porque os defensores do ciclismo não entendiam as demandas de pessoas normais, como transportar crianças. Isso apenas perpetuou a desigualdade de gênero. Nós precisamos ser feministas.

(Por Cauê Marques)

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