Revista Exame

Vai custar quanto?

Como um crescente grupo de empresas instaladas no Brasil está conseguindo adotar maneiras mais sofisticadas — e lucrativas — para estabelecer o preço de seus produtos

Johnson&Johnson: O preço varia ao longo do mês para evitar o acúmulo de pedidos (Divulgação)

Johnson&Johnson: O preço varia ao longo do mês para evitar o acúmulo de pedidos (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2011 às 12h32.

São Paulo - Numa sala localizada no 2o andar da sede da operação brasileira da Johnson&Johnson, na zona oeste de São Paulo, três funcionários passam boa parte do expediente analisando infindáveis tabelas e planilhas. É nesse espaço, montado há 12 meses, que o grupo calcula o preço de todos os 700 produtos vendidos pela companhia, dona de marcas como Sundown e BandAid.

Desde que a equipe de precificação entrou em cena, a J&J passou a ter uma dezena de preços diferentes para um mesmo produto. A variação, de acordo com especialistas, pode chegar a 30%, numa escala que considera desde a localização do cliente até o dia do mês em que a compra é feita.

Até um ano atrás, a elaboração de preços era feita de forma mais empírica e a decisão de conceder descontos ficava basicamente concentrada nas mãos dos vendedores. Era comum, por exemplo, varejistas esperarem até o final de cada mês para fazer grandes pedidos — uma estratégia que ao mesmo tempo garantia aos clientes descontos (afinal, os vendedores precisavam cumprir suas metas) e sobrecarregava a produção e a distribuição da Johnson.

A regra agora é outra: tem mais abatimento quem compra na primeira semana do mês. Além disso, o ajuste fino levou a companhia a rever o preço de todos os seus produtos no último ano — metade para baixo, metade para cima, de acordo com o nível de concorrência nas categorias.

Mudanças como essas tiveram impacto quase imediato — ajudaram a J&J a aumentar seu lucro em 10% em 2010 e a levar a subsidiária brasileira do quinto para o segundo lugar no ranking global da companhia, atrás apenas dos Estados Unidos. “Saber quanto cobrar de cada consumidor fez uma grande diferença”, diz Carlos Siqueira, diretor comercial da J&J no Brasil.

A ciência para encontrar o preço correto, para cada cliente, na hora certa, vem sendo praticada há tempos em mercados supercompetitivos, como o americano. “É uma lógica utilizada há muito tempo pelas companhias aéreas, mas que pode ser aplicada em qualquer negócio”, diz Ari Kertesz, sócio da consultoria McKinsey no Brasil.

A American Airlines, por exemplo, há pelo menos três décadas leva em conta dezenas de fatores — como antecedência, horário do voo e previsão de demanda — para cobrar dezenas de tarifas diferentes para o mesmo voo. A variação entre o maior e o menor preço pode chegar a 1 000%.

A Continental Airlines passou recentemente a cobrar 25 dólares a mais nas passagens compradas por telefone e até 100 dólares pelos 17 centímetros a mais de espaço na primeira fileira da classe econômica. No Brasil, a adoção de estratégias desse tipo continua sendo quase uma exclusividade do setor de aviação civil.


“Estimamos que 90% das companhias ainda cheguem ao preço de seus produtos apenas somando uma margem de lucro aos custos envolvidos”, diz Thomaz Yazima, sócio da consultoria Intelectas, especializada em precificação. “Esse é um tipo de cálculo que só fazia sentido na Revolução Industrial, quando não havia concorrência.”

Cultura

A adoção de métodos mais sofisticados de análise de preços muitas vezes exige uma mudança na cultura da companhia. No caso da operadora de turismo CVC, a recente reavaliação dos descontos de todo o portfólio evitou que a concorrência interna canibalizasse as vendas.

Até pouco tempo atrás, os gerentes de cada destino turístico determinavam o valor de seus pacotes por conta própria. Numa mesma semana, uma viagem para Porto Seguro, na Bahia, podia custar metade do preço de um pacote semelhante para Natal, por exemplo. Esse tipo de distorção acabou depois que a CVC criou sua área de precificação, há oito meses.

A solução foi fazer com que os descontos entre os pacotes fossem calculados de forma conjunta. “Melhoramos nossas margens em 5% nesse período”, diz Sandro Sant’Anna, diretor de planejamento da CVC. “Mas tivemos de treinar os 30 gerentes, porque não é fácil a adaptação ao novo sistema.”

A estratégia de precificação ganha relevância em setores com margens apertadas, como o varejo. Os fabricantes de softwares de gestão Oracle e SAP for­ne­cem a mais de 10 000 varejistas no mundo programas capazes de armazenar o histórico de vendas diário de cada loja nos últimos 12 meses.

Assim, é possível definir preços por região, segundo o poder aquisitivo do consumidor local. Em 2009, o Pão de Açúcar, maior grupo varejista brasileiro, adotou um desses softwares. A nova estratégia de precificação ajudou a empresa a alcançar no quarto trimestre de 2010 uma margem Ebitda de 8,7% na área de alimentos, a melhor dos últimos 15 anos.

De acordo com especialistas, o preço dos itens mais vendidos, como leite e cerveja, agora chega a variar até 20% de um ponto para outro (o Pão de Açúcar não confirma o dado). “Ter preços diferentes num país de dimensões continentais é cada vez mais importante”, diz Hugo Bethlem, vice-presidente de relações corporativas do Pão de Açúcar.

Acompanhe tudo sobre:American AirlinesAviaçãocompanhias-aereasCVCEdição 0989EmpresasEmpresas alemãsEmpresas americanasempresas-de-tecnologiaJohnson & JohnsonOraclePreçosSAPTecnologia da informação

Mais de Revista Exame

"Somos uma marca alemã, isso define quem somos", diz CEO da Rimowa

Forte captação em crédito reduz potencial de retorno e desafia gestoras em busca por ativos

Elas já estão entre nós

Desafios e oportunidades