Revista Exame

Uma nova geração de ativistas

O barulho dos jovens nas principais discussões sobre as mudanças climáticas nunca foi tão intenso — e há indícios de que o movimento deve crescer

Protesto de jovens na COP25: pressão para que decisões sejam tomadas | Susana Vera/Reuters /  (Susana Vera/Reuters)

Protesto de jovens na COP25: pressão para que decisões sejam tomadas | Susana Vera/Reuters / (Susana Vera/Reuters)

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Rodrigo Caetano

Publicado em 19 de dezembro de 2019 às 05h32.

Última atualização em 30 de dezembro de 2019 às 16h15.

Dezenas de jovens de diversas nacionalidades ocuparam o palco principal instalado para a realização da Conferência do Clima da ONU, a COP25, na quarta-feira dia 11 de dezembro, nas imediações de Madri, na Espanha. Com a desordem habitual dos adolescentes, o rosto pintado de verde e, nas mãos, desenhos de um olho azul simbolizando a necessidade de enxergar o futuro, a garotada quebrou o protocolo da organização e promoveu um protesto pacífico. A principal exigência era por ações concretas, por parte dos governos, para resolver a crise climática — a conferência, realizada de 7 a 13 de dezembro, terminou sem avanços devido a divergências (veja reportagem sobre o mercado de carbono abaixo). Mais tarde, no mesmo dia, os jovens voltaram a se manifestar.

Pacificamente, cantaram e protestaram em frente à plenária. Dessa vez, a segurança — da própria ONU — interveio e expulsou-os. Mais de 300 pessoas foram impedidas de retornar à conferência. Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, secretariado responsável pelo evento, as ações foram necessárias para garantir a segurança de todos. A entidade classificou o episódio como um infeliz incidente e ressaltou a importância da participação da sociedade civil nas discussões sobre a crise climática. “Não estamos aqui como entretenimento. Se vocês querem um futuro, é melhor agirem. Essa é nossa mensagem”, disse a EXAME Vega Mänsson, de 16 anos, que encarou 20 horas de ônibus e trem para se deslocar da Holanda até a Espanha.

O barulho dos jovens nas discussões sobre as mudanças climáticas nunca foi tão evidente quanto nesta edição da conferência. A sueca Greta Thunberg, de 16 anos, eleita a “pessoa do ano” pela revista americana Time, é o rosto mais conhecido desse movimento. “É uma adolescente comum que se tornou ícone de uma geração”, afirmou a reportagem da Time. “Thunberg se converte na voz mais mobilizadora no tema mais importante enfrentado pelo planeta.”

Embora o movimento nunca tenha encontrado uma única figura tão visível quanto Greta, não é de hoje que os jovens se mobilizam em prol do ambiente. A primeira movimentação organizada da juventude aconteceu na COP11, em Montreal, em 2005, quando surgiu o grupo International Youth Climate Movement. Em 2009, na COP15, realizada em Copenhague, na Dinamarca, foi criada a Youngo, corpo representativo oficial da juventude na Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que reúne uma série de entidades estudantis. A COP15 também ficou marcada por passeatas em favor da justiça climática, uma pauta importante para os jovens atuais, e pela explosão do chamado ativismo online.

A ascensão meteórica de Greta ajudou a dar força ao movimento. Pouco mais de um ano se passou desde que ela decidiu iniciar seu protesto solitário em agosto de 2018. Toda sexta-feira, Greta faltava à escola, na Suécia, e se dirigia para o Parlamento do país, em Estocolmo, com um cartaz escrito “Greve escolar pelo clima”. A história logo se espalhou pelas redes sociais. Em dezembro, ela fez um discurso durante a COP24, em Katovice, na Polônia. A imagem da pequena garota cobrando as autoridades fortaleceu ainda mais sua influência. Milhares de jovens ao redor do mundo seguiram seu exemplo. No dia 20 setembro deste ano, mais de 4 milhões de pessoas aderiram a uma greve global, convocada pela internet, na maior manifestação pelo clima já realizada na história.

A organização Fridays For Future, criada após as greves de Greta, hoje unifica grupos locais numa rede global, além de incentivar a criação de novos coletivos. A demanda principal é acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, pondo fim a todos os novos projetos de exploração de combustíveis fósseis. Adicionalmente, pede a inclusão de pautas sociais nas discussões climáticas e que a voz dos povos originários e indígenas seja ouvida e levada em consideração nas tomadas de decisão.

Os jovens, claro, não estão imunes à crítica. Além de protestar, o que exatamente propõem como solução para as mudanças climáticas? Outra crítica, especialmente à postura de Greta, é o alarmismo excessivo. O tempo dirá se ela tem ou não razão. Mas um discurso tão forte quanto o dessa juventude já começa a ser ouvido até no mercado financeiro. Um relatório de 34 páginas elaborado em setembro pelo banco Goldman Sachs alerta para o perigo das mudanças climáticas.  “Metade da população mundial viverá em áreas com problema de suprimento de água em 2025”, assinala o documento. Outro relatório, da consultoria AT Kearney, aponta que a indústria de gerenciamento de emergências vai avançar 6% com o aumento de catástrofes naturais e superar a receita de 114 bilhões de dólares em 2020. Segundo as projeções, o número de pessoas desalojadas por condições climáticas extremas crescerá 50% nos próximos dez anos.

Greta Thunberg em ação: inspiração para outros jovens | Pablo Blazquez Dominguez/Getty Images

O mesmo relatório da AT Kearney também alerta que os conflitos geracionais devem se intensificar. Além da ascensão de Greta, protestos em massa no Líbano e no Chile são uma mostra da crescente insatisfação das gerações mais novas com a liderança política atual. Em Hong Kong, uma onda de manifestações pró-democracia comandada por jovens já dura mais de seis meses.  Em maio, nas eleições parlamentares da União Europeia, a expectativa era por uma ascensão da extrema direita. O que se viu, no entanto, foi aflorarem os partidos verdes, em especial na Alemanha, na França, no Reino Unido e na Irlanda. Nos Estados Unidos, o mesmo fenômeno se vê na popularidade da deputada Alexandria Ocasio Cortez, de 30 anos, cuja principal plataforma política gira em torno do Green New Deal, um novo plano econômico para a maior economia do mundo.

A ousadia dos jovens e o efeito multiplicador do ativismo já irritaram alguns líderes, como Donald Trump, que sugeriu que Greta Thumberg se acalmasse, e Jair Bolsonaro, que a chamou de “pirralha”. Sua aparência frágil a torna um alvo mais fácil. Ela tem 16 anos, mas aparenta menos. “Ciente de que sua geração vai sofrer com as mudanças climáticas, Greta não tem medo de pressionar para que haja ações reais”, disse o ex-presidente Barack Obama no Twitter, obviamente antagonizando com Trump. “O futuro será marcado por líderes como ela.”

A postura de tratar os jovens como irrelevantes, na verdade, parece servir de motivação. “Eles pensam que, quando a gente crescer, isso vai passar. Só que não vai”, afirmou Karina Penna, de 23 anos, estudante de biologia, do Maranhão, que estava em sua terceira COP — ela faz parte da ONG Engajamundo, criada em 2012 por lideranças jovens que participaram da Conferência da ONU em Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada no Rio de Janeiro. Por trás dessa motivação está a consciência de que eles são, de fato, o futuro. “Somos nós que tomaremos as decisões, mas é preciso que nos deixem um mundo”, disse a mexicana Xie Bastida, de 17 anos, também presente na Conferência das Nações Unidas. “Podemos ser apenas um pouco mais de 20% da população, mas somos 100% do futuro.”

Em um ponto jovens e não jovens deveriam concordar: um mundo mais sustentável fará bem aos cidadãos de todas as idades. 


NAS NEGOCIAÇÕES, A TEMPERATURA SÓ SOBE

O impasse sobre as regras para a criação de um mercado global de carbono ainda vai longe

O ministro Ricardo Salles: irredutível em relação a dois aspectos críticos | Roberto Casimiro/Fotoarena

A principal pauta da Conferência do Clima em Madri, na Espanha, girou em torno do Artigo 6 do Acordo de Paris, que prevê a criação de um mercado global de carbono. Esse é um dos pontos mais importantes do documento assinado em 2015. De acordo com esse mecanismo, países desenvolvidos que precisam compensar suas emissões poderão fazer pagamentos a países em desenvolvimento, que necessitam de financiamento para fazer a transição rumo a uma economia de baixo carbono. Ninguém discorda de que se trata de uma maneira eficiente de incentivar as mudanças necessárias. Os países ricos já se comprometeram a pôr à disposição 100 bilhões de dólares por ano para a compra desses créditos, a partir de 2020. Os países emergentes querem, claro, receber. Divergências sobre as regras do jogo, no entanto, postergaram uma definição.

Um ponto crítico é o modelo de contagem. O Brasil defende que os créditos negociados possam contar para o cumprimento da meta de redução de emissões do país de quem vende, e a favor do país que os comprou. Mas, se o mesmo crédito valesse para o comprador e para o vendedor, as sobreposições acabariam por inflar a contabilidade global das metas. “Nosso objetivo ao negociar é garantir o máximo de benefícios ao Brasil”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “É uma polêmica vazia. O Brasil não pode querer usar o crédito que ele mesmo vendeu”, diz Ronaldo Seroa da Motta, professor de economia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Em outro tópico conflituoso, Brasil e Austrália defendem que créditos antigos, obtidos por mecanismos estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto, de 1997, possam ser carregados para o novo sistema. Há 4,6 bilhões de créditos (de valor a ser  ainda definido) passados, sendo que a China detém 60% do total; e o Brasil, 5%. Eles se referem à redução de emissões já obtidas mas que nunca foram negociadas. Para líderes europeus, permitir o “carregamento” inundaria o mercado com créditos “podres”. Eles não serviriam para metas de redução atuais e futuras, já que foram obtidos no passado. “Do ponto de vista econômico, o melhor seria o Brasil ceder, para que as empresas pudessem se beneficiar do mercado de carbono”, diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, que reúne 60 grandes empresas que atuam no país.

A validação de projetos passados também poderia derrubar o preço do carbono, algo que não agrada aos europeus. Durante a conferência, a União Europeia anunciou um plano para se tornar neutra em carbono até 2050, iniciativa batizada de Green Deal Europeu. O holandês Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, à frente do plano, disse se tratar de um “modelo de desenvolvimento econômico” a ser exportado para o mundo. Por trás da ideia está também a possibilidade de exportar tecnologia para a geração de energia limpa. Um mercado de carbono bem precificado ajudaria a criar incentivos para que mais projetos sofisticados e caros saiam do papel. Um dos alvos da Europa será a China. Já se discute uma taxação na fronteira europeia de produtos vindos de empresas  que ultrapassarem certo nível de emissões, uma preocupação para os exportadores chineses. Em setembro, haverá uma reunião de cúpula entre o Velho Continente e a China. O objetivo dos líderes europeus é tornar a meta chinesa mais ambiciosa.

A esperança de um acordo ficou para a próxima conferência, daqui a um ano, em Glasgow, na Escócia. Será o primeiro grande evento no Reino Unido pós-Brexit — admitindo o desfecho previsto após a vitória do conservador Boris Johnson. Também será a primeira COP sem os Estados Unidos, que anunciaram a saída do Acordo de Paris. A temperatura sobe. E a perspectiva de um desfecho, mais uma vez, ficou para depois.

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